Seis poemas/canções do Shi Jing, ou Livro das Odes¹
Por Pedro Belo Clara
(Seleção, versões e notas)*
(Seleção, versões e notas)*
(Canções dos Estados — guó feng)
Flutua e segue à deriva
E tal como esse barco
Sigo arremessada, volteada
Náufraga duma secreta angústia
Imune até
Aos relaxados encantos do vinho
Para afastar esta mágoa
Nem em meus irmãos
Mais novo e mais velho
Posso pôr minha confiança
Falando das minhas aflições
Somente provoco a sua ira
Que se possa pôr de parte
Meu coração um tapete não é
Que se possa enrolar e guardar
Exilo-me com dignidade e firmeza
Não ofereço motivos de censura
Ou culpa
Assediada sou por homens triviais
As preocupações e as mágoas que conheço são variadas
Os insultos ainda maiores
Na quietude da noite deito-me e vou cismando
Despertando, ergo-me e em meu peito bato
De se apagar e morrer?
O lamento pega-se ao coração
Como uma capa suja
Na quietude da noite deito-me e vou cismando
Porque não tenho eu asas para voar?
No vale entre as colinas
Agora que vi o meu Senhor
Alegro-me como quem recebe um presente
No meio da ilha
Agora que vi o meu Senhor
O coração enche-se de felicidade
No meio do monte
Agora que vi o meu Senhor
Tenho cem colares de búzios
Balanceia-se de lá para cá
Agora que vi o meu Senhor
Tenho o coração em paz
(Odes Menores da Corte — xiao ya)
Enche os céus
Em trabalhos esforçados, labutamos nos ermos
Longe de nossas casas
Tende pena de nós, pobres e desamparados
Solteiros e sem mulher
No meio do paul
Em trabalhos esforçados labutamos
Para construir cem muralhas
O trabalho é duro, mas no fim
Temos o nosso repouso
Cruzando os céus, triste o seu chamamento
O homem sábio entende quão duro trabalhamos
E louva nossos esforços
O homem tolo diz que gememos e queixamo-nos
Ele zomba dos nossos esforços
(Odes Maiores da Corte — dà ya)
Cortamos os dois
Para fazer as fogueiras sacrificiais
Sóbrio e digno é o Rei
À sua esquerda, à sua direita o assistem
À sua esquerda, à sua direita elevam o cálice
Solenemente erguem os cálices
Belos e talentosos
Servos dignos do seu Senhor
Conduzidos por uma horda de remadores
Quando o Rei de Zhou4 parte para a guerra
A força dos seis exércitos
Acompanha-o
Um adorno cintilante no céu nocturno
Infinita longevidade ao Rei de Zhou
Como pode ele não nutrir
Talento e habilidade?
Moldadas do oiro e do jade
Incessantes os esforços do nosso Rei
Dispensando lei e justiça
Pelas Quatro Direcções
(Odes Maiores da Corte — dà ya)
Os infortúnios chegam em vagas constantes
A fome espalha-se pelos territórios, dispersando o povo
Nas casas e nas fronteiras reina a desolação
Pragas e vermes competem para ser o mal maior
A calúnia e a corrupção paralisam o país
Atolada em caos e tumulto
A minha terra caminha para a perdição
Não reconhecem as próprias falhas
Cautelosos e conscientes
Estamos em constante agitação
Não conhecemos paz
Onde as ervas não crescem
E seus murchos estames colapsam
Observo o meu país
Cair na desordem
São hoje uma memória
As dificuldades destes dias
Nunca antes foram vividas
Só se come cereais pobres, o outro arroz branco
Por que não abdica ele da vida privada
Quando tudo vai de mal a pior?
Quando a água deixa de tocar as margens?
Não seca uma fonte
Quando a água deixa de brotar da nascente?
A calamidade espalha-se por toda a parte
Não tardará a atingir-me
Como o Duque de Shao5
Que aumentou o seu estado cem li6 por dia
Agora, o meu país encolhe ao mesmo ritmo
Não haverá um homem deste tempo
Que em bondade se iguale aos de antigamente?
(Hinos — sòng)
Grandes celeiros temos
Para armazenar miríades de grãos
O doce e excelente vinho que deles fazemos
Aos antepassados oferecemos, para que o provem
Em cada o ritual solene
As bênçãos do céu recaem sobre nossas casas
Reza a história que é ao célebre Confúcio que devemos a recolha e compilação dos textos. Contudo, suspeita-se que, pelo menos num capítulo em particular, as canções populares, tratou-se duma escolha feita a partir duma colecção muito maior, composta por oficiais do período Zhou Ocidental, dado que pelo seu Rei a isso eram instigados. Registar as canções que o seu povo compunha era uma forma do governante saber se este estaria ou não satisfeito com o rumo que o país tomava, bem como quais as suas condições de vida e de trabalho. Talvez não tenham adulterado os sentidos, mas certamente os oficiais responsáveis aprumaram os textos colectados, dado o carácter formal que neles se deslinda, em termos de métrica, expressão e arranjo dos versos.
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