Por Alejandro Zambra
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Arte: Erika Lee Sears. |
Conheci a biblioteca de meu amigo
Álvaro há cinco anos — e foi decepcionante, pois estava cheia de livro ruins.
Naquela época falávamos quase exclusivamente de livros e nossas conversas
tinham esse encanto do provisório, do incompleto. Não era necessário ir
demasiado longe para nos entendermos: dizíamos que um romance era bom ou
tedioso, mas não elaborávamos os juízos, simplesmente desfrutávamos da
cumplicidade.
Pensava encontrar nas estantes de
sua casa livros que eu também amava, ou os nomes desconhecidos de uns
escritores surpreendentes, e em vez disso deparei-me com os mesmíssimos autores
que conhecia e que bem pouco me interessavam. Não que houvesse realmente
inspecionado a biblioteca — isso nunca me pareceu algo de bom tom. Por certo, o
fato de os livros estarem na sala de estar nos autoriza a olhá-los, mas é
melhor começar de esguelha, com prudência, sem ansiedade.
Duas semanas depois, Álvaro me
convidou novamente, e desta vez me mostrou um cômodo pequenininho no quintal,
que era o estúdio onde se trancava para ler e escrever. Calculei que nas
prateleiras havia uns sessenta ou oitenta livros, que naturalmente eram os que
lhe importavam. Me senti orgulhoso por ver meus escassos romances e até meu
antigo livro de poesia preenchendo a letra z (meu amigo inexplicavelmente não
gosta nem de Raúl Zurita nem de Stefan Zweig).
Logo soube que em outros cantos da
casa também havia livros e que, de todos estes pontos, o pior, literariamente
falando, era a sala de estar. Supõe-se que o que se coloca na sala de estar te
representa, disse a ele, e a resposta de Álvaro foi maravilhosamente vaga:
ahhhh.
Porém, entendi depois que havia pensado muito no assunto. Não lhe agradava
colocar os livros na sala de estar, mas não tinha mais espaço disponível, e
depois de ensaiar várias opções havia chegado a essa que, entre outros méritos,
tinha o de favorecer os empréstimos, porque não tinha problemas em emprestar
aqueles livros; os demais, os que estavam em seu pequeno estúdio ou em seu
quarto, não queria compartilhá-los com ninguém.
Meu amigo ainda segue em com esse
sistema, que com o tempo se tornou bem mais complexo:
de acordo com as mudanças de gosto ou de humor
do proprietário, um título pode passar do estúdio para o quartinho, e então do
quartinho para a sala de estar, e dali para a rua, porque de tempos em tempos
ele se desfaz de um monte de livros. O que me parece mais singular é que ele
discrimina até mesmo no interior de uma mesma obra, de modo que os romances de
alguém podem estar no estúdio, seus poemas, no quarto de dormir, e os ensaios,
na sala de estar. Seja como for, a divisão não é por gênero literário, como
prova o fato, de outra forma natural, de que há romances de César Aira
distribuídos por toda a casa.
Quando vou à casa de Álvaro o
fatalismo se apossa de mim e penso que estou perdendo terreno, que meus dias no
estúdio estão contados. Ao descobrir que sigo solitário na letra z me invade
certa felicidade que, no entanto, dura pouco, porque então vem o medo de que
tudo seja uma farsa, e a verdade é que imagino perfeitamente meu amigo mudando
apressado meus livros de lugar cada vez que toco a campainha.
Maio, 2012
* Tradução de Guilherme Mazzafera.
O texto “Bibliotecas” encontra-se compilado no volume No leer (Editorial
Anagrama, 2018).
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