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Mostrando postagens de fevereiro, 2024

A sombra do gigante

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Por Jordi Canal Mario Vargas Llosa. Foto: Oscar del Pozo. A Académie Française elegeu Mario Vargas Llosa como novo integrante da instituição em novembro de 2021. O Prêmio Nobel de Literatura de 2010 ocuparia o assento número dezoito. Já imortalizado — nome dado aos eleitos a partir da reservada cerimônia de posse —, no dia 9 de fevereiro de 2023, teve lugar o ato de recepção, com a notável presença do antigo rei da Espanha Juan Carlos I, sob a cúpula da sede parisiense da Academia. Vargas Llosa apareceu com o obrigatório uniforme verde — na verdade, azul escuro ou preto, com bordados de ramos de oliveira verdes e dourados — e a espada simbólica, que no seu caso era obra do mestre espadachim de Toledo Antonio Arellano. O escritor hispano-peruano proferiu um notável discurso no qual, além de fazer os elogios obrigatórios ao seu antecessor na décima oitava cadeira, o filósofo Michel Serres, abordou a sua relação com a França, a literatura francesa — em primeiro lugar, obviamente, de Gusta

A zona de interesse: Jonathan Glazer e sua magistral dissecação da banalidade do mal nazista

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Por Manu Yáñez   Numa passagem perturbadora do romance A zona de interesse , o escritor britânico Martin Amis usou a voz interior do comandante de um campo de concentração nazista para sintetizar a ideia da banalidade do mal. “Porque sou um homem normal com necessidades normais. Sou completamente normal.” Esta sinistra noção de normalidade, acompanhada de um profundo processo de alienação, de perda de perspectiva, é o que disseca o também britânico Jonathan Glazer no magistral The Zone of Interest , o seu primeiro filme desde o não menos memorável Under the Skin .   Naquele filme de ficção científica — onde Scarlett Johansson interpretava um alienígena que descobriu o significado da consciência humana —, Glazer inventava um ousado dispositivo cinematográfico que lhe permitia estudar o choque entre o inexplicável (a odisseia do alienígena) e o conhecido (os rituais humanos). Em cenas cheias de estranhamento, filmadas com oito pequenas câmeras digitais escondidas dentro de uma van, o es

150 anos do impressionismo

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Por Veka Duncan Claude Monet. Boulevard des Capucines , 1873.   Este é um ano de aniversários importantes para a história da arte, e um dos mais esperados é a comemoração dos 150 anos da primeira exposição impressionista. Lembremos, então, os acontecimentos daquele 1874, que revolucionou o mundo da arte.   Os artistas que hoje agrupamos na categoria de impressionistas atuaram desde a década de 1860, quando eram apenas estudantes de arte: Claude Monet, Pierre-Auguste Renoir, Alfred Sisley, Frédéric Bazille. O grupo foi acompanhado por Camille Pissarro, Paul Cézanne, Édouard Manet; este último tornou-se uma espécie de líder, pois já começava a ganhar popularidade fora dos círculos oficiais. Eles ainda não se autodenominavam impressionistas, eram conhecidos como o Grupo Batignolles, em homenagem ao bairro onde se reuniam. Estavam unidos por um espírito rebelde, pois se opunham à continuação das imagens idealizadas de cenas mitológicas, históricas ou religiosas, que a conservadora Académi

Serguei Dovlátov

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Por Tania Mikhelson Serguei Donatovich Mechik nasceu, em Ufa, em 3 de setembro em 1941. Seus pais — a atriz Nora Dovlátova, de origem armênia, e o diretor teatral Donat Méchik, de família judia — foram expulsos de Leningrado no início da invasão alemã. Serguei é o nome favorito de Nora. Ela não apenas o escolhe para a criança, mas, por motivos de eufonia, muda o seu próprio patronímico. Assim, Nora Stepanovna foi renomeada como Nora Sergeyevna.   Segundo os arquivos do conflito, a família é evacuada novamente para um local mais ocidental: Novosibirsk. Dovlátov nunca menciona este fato na sua obra, enquanto a sua cidade natal e o seu lendário e fortuito encontro com Andrêi Platonov merecem várias menções.   Os Dovlátov regressam a Leningrado em 1944 para se instalarem nos dois andares concedidos a Nora Sergeyevna para o seu trabalho no Teatro Dramático Regional de Leningrado. Ela está acompanhada do marido, da sogra, o pequeno Seriozha e Anelia, uma das irmãs de Nora. O resto das habita

Seis poemas/canções do Shi Jing, ou Livro das Odes¹

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Por Pedro Belo Clara (Seleção, versões e notas)*     O BARCO DE CIPRESTE ( Canções dos Estados — guó feng )   Feito de madeira de cipreste Flutua e segue à deriva E tal como esse barco Sigo arremessada, volteada Náufraga duma secreta angústia Imune até Aos relaxados encantos do vinho   Nem meu coração um espelho é Para afastar esta mágoa Nem em meus irmãos Mais novo e mais velho Posso pôr minha confiança Falando das minhas aflições Somente provoco a sua ira   Meu coração uma pedra não é Que se possa pôr de parte Meu coração um tapete não é Que se possa enrolar e guardar Exilo-me com dignidade e firmeza Não ofereço motivos de censura Ou culpa   De coração triste, dorida e pesarosa Assediada sou por homens triviais As preocupações e as mágoas que conheço são variadas Os insultos ainda maiores Na quietude da noite deito-me e vou cismando Despertando, ergo-me e em meu peito bato   Porque têm sempre o sol e a lua De se apagar e morrer? O lamento pega-se ao coração Como uma capa suja Na qui

Boletim Letras 360º #572

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Virginia Woolf. Coleção Kirkpatrick, Universidade de St Andrews, St Andrews, Escócia. LANÇAMENTOS   Uma completa seleção de ensaios de Virginia Woolf feita e traduzida por Leonardo Fróes .   Umas das maiores ficcionistas do século XX, Virginia Woolf foi também ensaísta prolífica e inovadora, tendo escrito profissionalmente resenhas e artigos para periódicos, como o Times Literary Supplement , durante toda sua vida. Tal como na prosa de ficção, também nos ensaios ela ultrapassa os limites dos gêneros literários, propondo uma forma de pensar e de escrever mais aberta e menos categórica, que não se conformava aos padrões vigentes, de tradição fortemente masculina: “um livro de mulher não é escrito como seria se o autor fosse homem”. Os ensaios reunidos neste volume — com seleção, tradução, apresentação e notas de Leonardo Fróes — foram escritos entre 1905 a 1940 e cobrem os principais temas de sua vasta produção, com destaque para os ensaios literários e os biográficos, ambos majoritariam