Boletim Letras 360º #565
LANÇAMENTOS
Sergio Chejfec. Foto: Francesc Fernandez |
1. Últimas notícias da escrita, pela Arte & Letra. “Este livro pode ser lido como a história de um caderninho”. É através da figura do pequeno caderno de notas de capa verde que Sergio Chejfec inicia a viagem ensaística e narrativa aqui impressa. Um pequeno caderno de notas, esquecido numa vitrine pouco glamurosa, desenrola o fio narrativo que mescla as experiências contemplativas e modalidades conceituais, especialmente sobre as diferentes abordagens da escrita. Acima de tudo, Chejfec explana sua crença na escrita, prático e profundo, nos fazendo enxergar muito além de (e a) cada linha. Produzido no Laboratório Gráfico Arte & Letra, com impressão em risografia e encadernação manual, o livro tem tradução de Giovani T. Kurz. Você pode comprar o livro aqui.
Romance passa em revista as memórias de um jovem fascista na Espanha de Franco.
Mariano Armijo, o protagonista e
narrador de Madri 1940: Memórias de um jovem fascista, é um
anti-herói perfeito: delator, ganancioso, carreirista, amoral, talvez
psicopata. “Até onde chega essa criatura contraditória e perigosa na sua
evolução social e mental é coisa que verá quem ler o livro”, avisa o autor, o
premiado espanhol Francisco Umbral (1932-2007), tido como o mais raivoso autor
das letras espanholas recentes. O romance, publicado originalmente em 1993 e um
dos mais elogiados da vasta bibliografia de Umbral, marca a estreia do autor no
Brasil, com tradução de Sérgio Molina. O enredo desta suposta autobiografia de
um fascista, marcado pelo escárnio e pela ironia, começa logo depois da chegada
do “generalíssimo” Francisco Franco ao poder ao fim da Guerra Civil espanhola e
se estende até 1945, com o término da Segunda Guerra Mundial. O autor,
conhecido por romper com as convenções, os gêneros literários e até as boas
maneiras, enreda o leitor pelos subterrâneos de Madri confundindo-o numa
mistura de fatos e personalidades reais a eventos e figuras fictícias. Depois
de uma temporada no interior, Mariano Armijo volta para uma Madri ainda não
totalmente absorvida pelo franquismo. Sua intenção é fazer carreira literária
ou mesmo política, uma vez que venera a utopia fascista do desaparecido líder
de extrema direita José Antonio Primo de Rivera, fundador da Falange, cujo lema
era “justiça e poesia”. Embora partidário do fascismo, Armijo despreza Franco,
por sua submissão à Igreja Católica e por considerá-lo fraco e contemporizador
demais em comparação a Adolf Hitler e Benito Mussolini. Armijo é favorável ao
higienismo nazista e lamenta que a Espanha não tenha entrado na Segunda Guerra
ao lado do Eixo. Mesmo assim, tenta ascender socialmente no cenário da vitória
de Franco. As circunstâncias empurram Armijo para o jornalismo, plataforma
ideal para quem se presta anonimamente a ser dedo-duro sem nenhum prurido ético — ao contrário, ele vê qualidade estética na delação. Seus alvos são os
republicanos, vencidos na Guerra Civil, a quem ele chama de “vermelhos”, mas a
“limpa” inclui também um rival literário ou alguém com quem divide uma de suas
conquistas. A trajetória de Armijo passa por círculos intelectuais — em geral
“vermelhos” — e relações com várias mulheres, entre elas María Prísca, marquesa
da proscrita monarquia espanhola, cocainômana, amante de figurões da política,
ou María de la Escolanía, rica, culta e católica, que sofre de tuberculose.
Gradativamente, Armijo se cerca de mortos enquanto, além de mulherengo, revela-se
necrófilo e pedófilo. Como o próprio Umbral descreve na
introdução, Madri 1940 se desenvolve em três planos: as supostas memórias do
jovem falangista, um mapa da repressão dos primeiros anos do franquismo e a
crônica de uma vida cultural em processo de desaparecimento. Os porões do
regime, que deixaram mais de 110 mil mortos, são o núcleo de um mapeamento da
capital espanhola conforme a ditadura vai se aparelhando geograficamente. As
nem sempre alegres vivências dos meios intelectuais se manifestam por meio da
presença de personagens reais, como o poeta Camilo José Cela e a atriz Sarita
Montiel. Publicação da editora Carambaia. Você pode comprar o livro aqui.
Os discursos de David Foster Wallace.
Parece óbvio que todo ser aquático
é afetado pelas condições em que a água está. Para o próprio animal, porém,
isso está longe de ser evidente. Aquilo em que ele vive não precisa ser
nomeado, distinguido como um elemento à parte. Quando David Foster Wallace, um
dos maiores escritores recentes, foi convidado para discursar numa solenidade
de formatura, ele quis assumir o papel de alguém que revelasse a um peixe: isso
aqui, à sua volta, se chama água. Invertendo os principais clichês de uma
cerimônia de colação de grau, o autor escancara para os jovens formandos a
monotonia (mas também os desafios) daquilo por que, sem se dar conta, eles
estavam envolvidos — o cotidiano das pessoas comuns, a vida dos que trabalham e
cumprem suas obrigações. Desde seu pronunciamento em 2005, Isto é
água se consolida como um pequeno clássico, ao mesmo tempo choque de
realidade e convite a prolongar a formação durante toda a vida. O discurso,
aqui, conta com tradução e apresentação do pedagogo brasileiro Gabriel Perissé.
Publicação da É Realizações. Você pode comprar o livro aqui.
Rainer Maria Rilke além de Cartas ao jovem poeta e Elegias do Duíno.
O gosto pela comunhão das coisas — pão, pedra, vinho e rosa —, bem como pela vertigem da investigação interior,
poderia nos fazer pensar em Rainer Maria Rilke como homem “acomodado” em sua
Praga natal. Equívoco. Rilke foi incansável em suas andanças pela Europa, nas
relações profundas que estabeleceu e no ímpeto incessante de tornar-se artista.
Praga, Munique, Berlim, Florença, Trieste, Moscou, Paris: foi por esses
caminhos que Rilke seguiu — de um século a outro; da paz à guerra e à paz de
novo — até que, em 1920, visitasse pela primeira vez as cidades de Sion e
Sierre, no cantão suíço de Valais. Cativado pela região, voltou em 1921 na
companhia de sua amiga e amante, a pintora Baladine Klossowska (1886–1969).
Prestes a irem embora de Sierre, avistaram o anúncio de aluguel e compra de um
pequeno château medieval. A pedido de Rilke, seu benfeitor, o industrial Werner
Reinhart, alugou e em seguida comprou o castelo. Trata-se do château de Muzot,
em Veyraz (no Valais). Foi ali que “numa tempestade desmedida, num vendaval do
espírito” Rilke escreveu, em verdadeiro transe criativo, as Elegias do Duíno,
iniciadas em 1912, interrompidas pela Grande Guerra — e a tristeza — e
finalizadas em poucos dias. De quebra, o poeta ainda compôs outra de suas obras
mais perfeitas: os Sonetos a Orfeu. As quadras de Valais são agora traduzidos por William Zeytounllian e publicados pela editora Azul Cobalto. Você pode comprar o livro aqui.
Fernando Pessoa, o dramaturgo. Livro reúne seu trabalho que se fez marco do chamado drama estático.
Uma donzela vestida de branco,
morta em um caixão, na sala escura de uma mansão sombria, de onde se vê um
pedaço de mar por uma janela estreita. Três mulheres misteriosas velam o
cadáver e dialogam. As falas são obscuras, herméticas, pois fantasia e imagens
enigmáticas mesclam-se de tal modo com a realidade que se torna difícil ou
impossível separar sonho de experiência empírica. Tudo remete a uma dimensão
simbólica, uma atmosfera fantasmagórica, em que há alusão a um marinheiro
indistinto. O Marinheiro, segundo define Fernando Pessoa, é um
“drama estático”, constituído por uma única cena. Publicado na revista Orpheu,
em 1915, é produção da juventude do autor, quando ele se mostrava próximo da
estética do Simbolismo. A edição que agora se apresenta ao leitor, na Coleção
Clássicos Ateliê, contém o fac-símile da primeira edição e a transcrição
fidedigna do texto, modernizada e anotada por António Apolinário Lourenço,
professor doutor da Universidade de Coimbra, que também escreve um alentado
estudo da obra, que a decifra e esclarece com agudeza e rigor. Você pode comprar o livro aqui.
Em novo romance, o mais provocativo, Sidney Rocha imagina um sujeito que é inferno como nós.
Inferno das
repetições é o romance mais provocativo e inquietante de Sidney Rocha.
Conta a história de Omar, vítima da biologia, da economia e do Destino, como
todos nós. A tragicomédia se inicia quando a consciência e a existência começam
um duelo para ver quem pode mais afetar e desorientar o pobre do personagem. Sim, trata-se de um romance sobre
a passagem do tempo. O narrador põe em xeque as ideias de confiança e de
memória. É um crédulo: para ele, há mais falsidade e distorção que verdade e
clareza no mundo e na vida das pessoas. É também sobre a solidão. A
solidão sozinha, a bem ou mal acompanhada, e da própria coletividade e da
multidão. Tudo coexistindo num lugar onde as pessoas vivenciam suas guerras
particulares, suas revoluções sem ideal. Onde o Medo é uma razão sombria que
as esmaga, como se fosse um crime a se repetir indefinidamente. Na perdição em que se movem dia
após dia, num país no qual a esperança se converte numa farsa, os infernos não
são subterrâneos. Estão na mobília, na superfície dos objetos, de todas as
coisas. Além do desassossego e da ironia,
este é o romance de Sidney Rocha em que a linguagem alcança o maior grau de
depuração. O novo e o surpreendente são mais do que adjetivos fáceis, são
“entregas” da prosa que se esmera em desnudar e até em dissecar os seus personagens
por dentro e por fora. Omar, o sempre bem intencionado, a
fugaz Violeta, o vaporoso Carlo a pragmática Nara, o amado Martin e até
personagens impossíveis de se comentar aqui sem o risco de quebrar os mistérios
deste romance, parecem ter mais alma que muita gente viva por aí. Constroem e
destroem qualquer possibilidade de sursis ou purgatório nas relações. Tudo sob
o véu mais covarde do mais covarde dos verbos: esquecer. Assim, para nossa
salvação, tudo vira lava, pó e treva. Este inferno ou este país
pontiagudo é um relato sobre o esquecimento do esquecimento. A falha. A
interferência. O fracasso de todos os esquemas. O livro é publicado pela editora
Iluminuras. Você pode comprar o livro aqui.
A história tocante de uma mulher
que, em um momento crítico, descobre ter mais em comum com a mãe do que já foi
capaz de imaginar.
A vida de Nerea não anda bem: o trabalho não a estimula, não tem tempo para a filha e sente que o casamento está ruindo. E um último golpe ainda a atinge: sua mãe, Luisa, é encontrada vagando pelas ruas com a memória gravemente comprometida. A partir de então, Nerea passa também a carregar o peso da culpa por não ter detectado a tempo mudanças no comportamento da mãe, algo que talvez pudesse ter evitado a crise que culminou com a hospitalização. Nas longas horas em que permanece ao lado da cama de Luisa, percebe o apego da mãe a uma lembrança da juventude que o esquecimento não dissipou: ela chama sem parar o nome Germán, alguém de quem Nerea nunca ouvira falar. Com isso, descobrirá um episódio fundamental na vida de Luisa, ao mesmo tempo que será forçada a enfrentar o próprio passado. As mãos da minha mãe, de Karmele Jaio, é um Best-seller da literatura basca desde o lançamento, em 2008. Recebeu inúmeros prêmios literários locais, como o Euskadi de Plata. Sua tradução para o inglês recebeu o English PEN Award em 2018. Com tradução de Fabiane Secches, o livro é publicado pela editora Instante. Você pode comprar o livro aqui.
O jornalismo de Patrícia Galvão 1: Pagu e a Política (1929-1954) reúne os desenhos apresentados na Revista de antropofagia (1929) e os textos mais abertamente políticos ou de crítica social de Patrícia Galvão (1910-1962) publicados em diferentes periódicos brasileiros: O homem do povo (1931); Diário de notícias (1933); A noite (1942); Vanguarda socialista (1945-1946); Diário de S. Paulo (1946-1948); Jornal de São Paulo (1949-1950); Fanfulla (1950); A tribuna (1954). O volume também inclui documentos do processo a que Patrícia respondeu no Tribunal de Segurança Nacional (1936-1940) e trechos do documento de expulsão da escritora do Partido Comunista (1939). A obra ainda conta com prefácio de Geraldo Galvão Ferraz, também jornalista e filho da autora, que descreve suas lembranças sobre a relação da mãe com o trabalho jornalístico. O livro disponível apenas em formato digital sai pela Edusp. Você pode comprar o livro aqui.
A matemática é encantadora:
podemos sonhar com sua universalidade, sua exatidão-precisão e com sua beleza
estética — assim, seria natural que tudo e todos, em qualquer canto do mundo,
aceitassem ser governados pelos seus preceitos exatos e inquestionáveis. Mas a
matemática também é desnorteante e perversa: seus paradoxos distorcem lógica e
certezas, sua incompletude violenta razão e crenças, seus jogos, linguagem e
trapaças transtornam. E é com este conturbado pano de fundo que o belo livro de
Marcella Faria, Números naturais, passeia. Nós, leitores, ficamos
ludibriados com as vidas que se mostram paradoxais, com a cadência das palavras
e histórias que distorcem certezas, com filosofias perversas. Um livro para
importunar a universalidade do mundo — e da matemática?! Publicação da Editora
34. Você pode comprar o livro aqui.
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Durante o recesso de final de ano, as edições do Boletim Letras 360º são reduzidas; saem sem as demais seções de costume.
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