Coetzee: o coração da história
Por Rafael Narbona J. M. Coetzee. Foto: Bert Nienhuis. Misturar literatura e vida nunca é fácil. Se coexistirem no mesmo texto, podem interferir ou desfigurar-se mutuamente. No entanto, se conseguirem unir-se, poderão revelar-nos a camada mais profunda da nossa cultura. Coetzee realizou esse feito em Foe , romance publicado em 1983. Foe não é um simples palimpsesto que recria a história de Robinson Crusoé a partir da perspectiva de uma mulher. Não se trata de literatura sobre literatura, mas de uma tripla investigação, onde se especula sobre a civilização, a escrita e a criação artística. Quando Susan Barton é abandonada por uma tripulação amotinada, seu barco chega acidentalmente à Ilha de Crusoé. Acompanhado pela Sexta-Feira, o homem que ali está não é um colonizador, mas um náufrago que sobrevive apaticamente, contentando-se em construir inúteis lavouras, onde pode semear sementes inexistentes. Não é essa mente cartesiana que Michel Tournier recria em Sexta-feira ou nos limbos