Boletim Letras 360º #564

DO EDITOR
 
Olá, leitores! Nesta edição do Boletim Letras 360º com o pé ainda em 2023, mas o olho em 2024, venho registrar em nome dos que fazem este projeto os votos de um excelente novo ano, com plenas realizações, boas descobertas e aprendizagens com as novas leituras. Reitero ainda os agradecimentos pela companhia durante este ano, pelas ajudas com este projeto e aproveito para renovar o desejo de continuar de mãos dadas com todos para os desafios vindouros.

Graciliano Ramos. Rio de Janeiro, 1952.


 
OS LIVROS POR VIR
 
1. Graciliano Ramos em domínio público.
 
No início da semana postamos aqui a chegada das primeiras edições de títulos da obra de Graciliano Ramos fora da casa editorial que publica sua obra desde 1975: Vidas secas e Angústia saem em janeiro pela Via Leitura. No meio da tarde do mesmo dia, a coluna Babel do jornal Estadão publicou uma matéria com entrevista ao neto de Graciliano, o também escritor Ricardo Ramos Filho. O texto apresenta que, pelo menos duas grandes casas editoriais se preparam para publicar a obra do Velho Graça. A Todavia terá uma coleção coordenada por Thiago Mio Salla; os dois primeiros livros que saem também em janeiro são Angústia e Vidas secas

No selo infantil, Baião, pela mesma casa, sai em janeiro Os filhos da coruja. O livro ilustrado por Gustavo Magalhães é feito a partir de um texto inédito de Graciliano, um poema escrito à mão, datado de 5 de setembro de 1923, e assinado pelo pseudônimo J. Calisto. Graciliano compôs o texto inspirado na fábula “A águia e o mocho”, de La Fontaine. 

Em fevereiro, a Penguin-Companhia das Letras publica Angústia, Vidas secas e São Bernardo; as edições saem com textos que o próprio Graciliano Ramos escreveu sobre seus livros, posfácios de especialistas. A coordenação desse trabalho é de Ieda Lebensztayn.  

A Record ainda continuará com a obra de Graciliano e quer se manter como a casa de referência — revela a matéria de Maria Fernanda Rodrigues. Depois de uma caixa com edições de luxo e material de apoio, edita um Vidas secas de bolso e em abril os relatórios que Graciliano escreveu ao governador de Alagoas, em 1928 e 1929, quando era prefeito da cidade de Palmeira dos Índios, prestando contas de sua administração. 

Outra edição de Angústia é a da Sétimo Selo. Sai em janeiro com textos de Álvaro Lins, Otto Maria Carpeaux, Ronald Robson e Wilson Martins. A Antofágica, conhecida por ressignificar textos em domínio público com edições ilustradas e despojados textos de apoio, quer sua fatia: anunciou que publicará Vidas secas com imagens da artista Adriana Coppio e texto de Silviano Santiago. 

Em Alagoas, terra natal do escritor, a editora Trajes Lunares prepara um nicho com obras de referência da literatura brasileira e começa com uma edição de Viventes das Alagoas, um livro póstumo que reúne crônica, ensaio e ficção; o livro sai com apresentação, aparato crítico e biografia do autor. Ainda por lá, a Editora da Uneal, editará Memórias do cárcere.

Com o domínio público de uma obra rentável, é esperado que cada casa editorial queira publicar um livro para chamar Graciliano Ramos de seu.
 
2. Também a obra de Jorge de Lima entra em domínio público em 2024.
 
Depois de iniciar a organização da obra completa, projeto que não chegou a concluir antes do fechamento da editora, a Cosac Naify foi a casa editorial de resgate da obra de Jorge de Lima que passou a seguir para a Companhia das Letras. Esta editora ainda reeditou Invenção de Orfeu, Poemas negros e o romance Calunga. Até agora, ao que parece, a obra do também escritor alagoano não é tão disputada quanto a do seu conterrâneo. A editora Trajes Lunares publicará uma edição independente do esgotado Livro de sonetos.
 
LANÇAMENTOS
 
Nova edição e tradução de Distância de resgate, de Samanta Schweblin.
 
No interior rural da Argentina, Amanda passa férias com sua filha Nina. Em um povoado próximo, elas conhecem Carla, cujo filho, David, menino de comportamento estranho, foi acometido por uma doença misteriosa que se espalha inexplicavelmente pela região. Haveria uma contaminação do ar ou da água? Ou a enfermidade seria o sinal difuso de um perigo ainda maior e inimaginável? Pouco a pouco, o relato de Carla se entrelaça à consciência de Amanda, revelando a ameaça que paira sobre elas, seus filhos e os demais. Composto inteiramente de diálogos, Distância de resgate é o primeiro romance de Samanta Schweblin e uma exitosa experimentação do suspense psicológico na forma de narrativa longa. Como toda grande obra literária, é aberto a diversas interpretações, ora adensando a verossimilhança, ora se esticando rumo ao sobrenatural. Além de evocar reflexões ecológicas — pois suspeita-se de um veneno que “mães aspiraram no ar” ou “que comeram ou tocaram” e que deixa sequelas físicas e cognitivas —, Distância de resgate também explora de modo literário o lado sombrio da maternidade. Juntas, Amanda e Carla se permitem questionar a constância do amor materno, e descobrem que ainda que haja equilíbrio entre proteção e respeito à autonomia, ainda que se sufoque a própria subjetividade, nem a mais vigilante das mães é capaz de poupar os filhos dos perigos do mundo real. Nesta perturbadora radiografia do medo, Schweblin cria uma atmosfera de ameaça que mantém firme a tensão entre realidade e pesadelo por meio de uma linguagem magnética e obsessiva, que busca traduzir o exato momento em que tudo se transforma: as férias se convertem num calvário e, em lugar de salvar, as relações amorosas condenam. O livro sai pela editora Fósforo com tradução de Joca Reiners Terron. Você pode comprar o livro aqui.
 
Uma narrativa sobre a capital da Lituânia.
 
Escrita com base na cartografia histórica e geografia humana local, a cidade que também foi conhecida como “a Jerusalém da Lituânia” abrigou ao longo dos tempos inúmeros povos, falantes de diversos idiomas, em uma miscelânia cultural: judeus, poloneses, lituanos, ucranianos, bielorussos, russos, alemães, letões, armênios, tártaros e outros grupos minoritários. Impregnada dentre seus vários componentes pelo barroco, que esteve no limiar da Europa e no contexto de suas mudanças, a cosmopolita cidade também é apresentada através de textos de pessoas ilustres ou desconhecidas, de muitas procedências e línguas, que viveram ou passaram por ela, através de relatos de experiências, sensibilidades e perspectivas próprias. Vilna, cidade dos outros, de Laimonas Briedis, sai com prefácio de Celso Lafer e tradução de Fernando Klabin pela editora Hedra. Você pode comprar o livro aqui.
 
Walt Whitman entre Folhas de relva e Calamus.
 
Os doze poemas que compõem este livro são certamente o mais próximo que chegaremos da intimidade de Walt Whitman. Perto de completar quarenta anos, e logo após a publicação da revolucionária primeira edição de Leaves of Grass, em 1855, Whitman começou a trabalhar em um novo grupo de poemas, em um caderno feito à mão. As folhas foram arrancadas e o caderno deixado de lado. Esses poemas apareceriam posteriormente na edição de 1860, que acresceria dezenas de novos poemas para a obra, mas com mudanças significativas em sua ordem e conteúdo. Esta edição de 1860 foi a primeira a trazer o bloco “Calamus”, contendo o material mais homoerótico da caneta de Whitman. Nesse volume também foi inaugurado uma definição que o poeta usaria para descrever o amor entre dois homens, baseando-se em um termo oriundo da frenologia: “adhesiviness”, traduzido neste livro como adesividade. Descoberto pelo pesquisador Fredson Bowers, em 1953, esses rascunhos revelam as primeiras reflexões de Whitman sobre o amor e atração que ele sentia por outros homens. A adesividade vivida pelo poeta que escoava para os versos de Calamus é a raiz de Madeira viva, com musgo. Com tradução de Hélio Flanders, o livro sai pela editora Cobalto. Você pode comprar o livro aqui.
 
Mais da poesia de Charles Bukowski.
 
Na coletânea Corro com a caça, John Martin, amigo, editor de Charles Bukowski e fundador da Black Sparrow Press, reuniu poemas, contos e trechos de romances que foram inspirados pela vida do próprio escritor. Organizada de forma a acompanhar desde a infância conturbada e a juventude boêmia até a fama tardia, esta miscelânea se revela um mergulho caleidoscópico na vida e na mente do grande maldito da literatura. A nova tradução de Marina Della Valle sai pela HarperCollins Brasil com posfácios de Flora Viguini e Natalia Timerman. Você pode comprar o livro aqui.
 
Eugène Ionesco relê Macbeth.
 
Macbeth, célebre peça de William Shakespeare do início do século XVII, narra a história de um regicídio cometido pelo personagem que lhe dá nome, ao ser persuadido por três feiticeiras de que seu destino seria tornar-se rei. É esse, também, o enredo que forma a linha principal de Macbett, releitura que Eugène Ionesco faz da obra shakespeariana.  Escrita mais de três séculos depois, esta não poderia deixar de trazer indícios dos novos tempos. O tema do assassinato, por exemplo, ganha nova escala, dando lugar aos homicídios em massa. São mais de cinquenta anos que nos distanciam da escrita de Macbett e suas temáticas continuam fortemente atuais em nosso contexto. Publicação da editora Temporal. A tradução é de Marina Veshagem. Você pode comprar o livro aqui.
 
Um romance tunisiano que aborda de forma sutil temas como a imigração, a aculturação, a luta de classes e o amor tardio.
 
Kamal Achur é um professor de matemática tunisiano, que emigrou para a França para terminar os estudos universitários e ficou por lá, lecionando em uma universidade pública. É casado com uma francesa e mora num bairro rico de Paris. Kamal é um imigrante totalmente adaptado à vida francesa e ao país que adotou para viver. Um dia ele conhece Zuhra, uma tunisiana que mora no mesmo prédio e trabalha como empregada doméstica. Aos poucos, uma relação vai se formando entre os dois, que atira Kamal num vórtice emocional e o leva a muitos questionamentos. Com uma escrita fina e bem-humorada, A vizinha tunisiana aborda de forma sutil temas como a imigração, a aculturação, a luta de classes e o amor tardio. O livro de Habib Selmi foi finalista do International Prize for Arabic Fiction em 2021 e ganhou o prestigioso Katara Prize for Arabic Novel no mesmo ano. Com tradução de Felipe Benjamin Francisco, o livro é publicado no Brasil pela editora Tabla. Você pode comprar o livro aqui.
 
Uma jornada vívida pelos textos sagrados de diferentes tradições.
 
Com rigor acadêmico e um estilo acessível, Karen Armstrong afirma a importância de retornar, com admiração e visão crítica, aos livros canônicos como uma maneira de enfrentar o fundamentalismo religioso que os interpreta de forma míope e literal. De Canaã à China, do Egito à Índia, Karen Armstrong nos conduz por uma viagem pelas antigas culturas em seus momentos mais turbulentos, quando novas formas de relação entre o ser humano e o divino surgiram e foram transmitidas de geração em geração — a princípio de forma oral e, por fim, de forma escrita, postas no papel, nas escrituras sagradas. Armstrong, uma pesquisadora estabelecida e celebrada, traz neste trabalho de fôlego um mergulho em diferentes tradições, sem desviar das zonas cinzentas e conflitantes que as nortearam. Aliando uma pesquisa histórica portentosa com um texto fluente que traz vitalidade a relatos de milênios atrás, A arte perdida da escritura é um convite para rememorar e redescobrir a importância de obras compostas em um tempo longínquo que ressoam até hoje, sem nunca perder a sua aura enigmática. Publicação da Companhia das Letras. A tradução é de Berilo Vargas. Você pode comprar o livro aqui.
 
REEDIÇÕES
 
Nova edição de um dos principais romances de José Eduardo Agualusa que traz a história de Ana de Sousa, a Ginga, ou N’Zinga M’Bandi, extraordinária rainha africana, que viveu na região onde hoje se situa Angola.
 
Senhora dos reinos de Dongo e Matamba, Ginga exerceu seu poder em uma região historicamente assolada por guerras e conflitos. Era reconhecida por sua inteligência, sua coragem e pela condução hábil e estratégica das relações políticas e diplomáticas. Criou laços com os holandeses, ao mesmo tempo em que comandava seus exércitos contra outros soberanos africanos e tropas luso-brasileiras. Este romance histórico, um dos mais aclamados do autor angolano, conduz o leitor aos meandros da relação entre Angola, Brasil e Portugal, repleta tanto de identificações quanto de conflitos irremediáveis. O narrador, um padre pernambucano, não só dá luz à vida de Ginga e de outros personagens históricos, mas também destaca o papel culturalmente significativo dessa mulher tão intensa e poderosa. A rainha Ginga sai pelo selo Tusquets. Você pode comprar o livro aqui.


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Durante o recesso de final de ano, as edições do Boletim Letras 360º são reduzidas; saem sem as demais seções de costume.

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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidade das referidas casas.

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