Por Aida Míguez Barciela
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Modeste Mignon. Ilustração de Pierre Vidal (1849-1929). |
Modeste Mignon exala juventude, é um broto febril. Não pode assumir a
realidade da vida comum; ainda não aprendeu a suportar a miséria do mundo cotidiano
em que temos de viver. Protesta. Diz em alto e bom som que não quer ter um tolo
como seu amo e senhor ou suportar sine die sua estupidez; quer um homem
de gênio que saiba escalar as montanhas mais altas e íngremes. Como Madame
Bovary, Modeste aspira escapar da prisão medíocre e provinciana em que vive, e
que parece uma prisão porque (como Emma) leu muita literatura, mas (é preciso
dizer) não leu bem; os livros encheram sua cabeça de pássaros e sonhos
ingênuos. Porque a vida parece prosaica comparada à literatura, com os sonhos
que valem a pena sonhar, com fantasias reais, com amores genuínos e com os voos
sempre improváveis ao alcance de poucos.
Então ela quer escapar. Escapar-se como puder. Apaixonar-se por um poeta
inatingível: Paris, as festas, os bulevares que ela nunca conheceu. Mas os
poetas são seres duplos e andróginos; são bifrontes, de duas caras. O rosto de
Janus uma vez mais. Virgílio, o poeta que escreveu belos poemas de amor, nunca
amou Dido alguma. Rousseau, o cidadão modelo, tinha orgulho o suficiente para
destronar toda a aristocracia francesa.
Os poetas que cantam as misérias, as melodias desesperadas, as emoções
ardentes, não podem permitir-se senti-las; “acabariam instantaneamente fulminados,
acabariam tão desgastados quanto botas velhas.” Com os belos sentimentos das
meninas desajeitadas que perdem tempo escrevendo longas cartas de amor para
aqueles que acreditam ser poetas, os maus poetas acendem seus cigarros sentados
calmamente em seu divã de veludo; ou se entregam aos seus amantes momentâneos
para que possam enrolar seus cabelos com os deles.
O poeta que Modeste busca em sua província não está além da vulgaridade
que ela detesta. Ela odeia o casamento, odeia os tipos de contratos notariais.
Está cheia daquela ilusão infantil da falsa poesia e de grandes ideais
“mentirosos”; e a tarefa de Balzac é desmascarar tudo.
Os poemas não surgem dos salões de Paris, nem dos apartamentos
luxuosamente mobiliados. O gênio se enclausura em seu sótão, aceitando sua
precariedade. O verdadeiro amante não é aquele que vai em busca de milhões ou
calcula o caminho para a badalação e os címbalos dos títulos, mas sim um
secretário normal e comum que não quer escrever versos (mas os faz).
Modeste idealiza. A sua juventude “cheia de primavera, cheia de
frescura” impede-a de compreender que o artista que cobiça sujamente os
aplausos não é, não é, não, não, não é aquele hipócrita egoísta que só as
miopias burguesas “pensa” consideram egoístas. Ela não entende que o gênio é
aquele que se desprende de tudo, também “ou sobretudo” de si mesmo; desprende-se
porque ele está imerso em seu trabalho desconhecido, está escondido em seu
templo de solidão, está se dedicando secretamente a uma única ideia, a sua
ideia. É Ernest quem escreve as respostas (os poemas) de amor e compreensão.
Balzac diz isso sem alaridos: não devemos confundir o homem com a
poesia; não devemos misturar o poeta com os seus versos. O compasso se produz
raramente: talento com caráter; poesia com retidão. Ela tem que aprender; deve
aprender que o primeiro passo é desmistificar os poetas, que, sem deixarem de
ser poetas, são ao mesmo tempo os homens capazes de evitar a abjecção de todos
os Canalis que percorrem as ruas de Paris (mas não aprende ainda; não aprende
mesmo quando sabe que foi um dos muitos dândis de Paris que matou sua própria
irmã).
Eis o dilema: Balzac permite que Modeste se apaixone perdidamente pela
prostituta arrogante e exibicionista que implora por aplausos nas esquinas de
Paris. Deixe-se enganar ao acreditar que as cartas de amor foram escritas por
um grande poeta. Erros, erros, erros. Narcisos, Narcisos, Narcisos. Os sacos
sempre vazios da futilidade onipresente.
Mas o tempo descobre e coloca em evidência (a sua mãe cega viu tudo). A
jovem idealista terá que escolher entre dois homens muito diferentes: ou o
poeta que acende os charutos com as suas cartas de paixão, ou o secretário
despercebido que tem honra, simplicidade e modéstia suficientes para esconder o
seu nome: o homem que a ama com a honestidade de uma criança “ou o poeta deve
ser uma velha criança”.
Ela fica desiludida (aprende, desilude-se), mas não o suficiente (ainda
não é suficiente). Afinal, os dois homens mentiram para ela. Entre o mais doce
idílio de descobrir-se amada por um homem assim, “o homem comum capaz de se
apaixonar” e ainda se apaixonar pelo brilho mentiroso da fama e da ambição. A
falsidade da situação é interrompida pela intervenção dos pais. A infância
chegou a esse ponto. Isto é o quão longe chegou o eu quero.
Balzac tem em mente o amor estúpido de Bettina von Armin; ao ajoelhar-se
diante de um dos egoístas mais arrogantes, “o gênio é sempre egoísta; Lord
Byron também era egoísta.” E Modeste finalmente aprende. Aprende e se recusa a
se tornar uma von Armin qualquer. Não. SIM. Renuncia ao ideal, renuncia ao
ajoelhar-se. Porque uma coisa é a armadilha burguesa e outra é o amor que
merece esse nome. Uma coisa é a vida e outra são os romances.
A renúncia é preparada quando seu amante secreto jura amor eterno diante
do mar justamente no momento em que se acredita completamente derrotado (o
verdadeiro amante não calcula, não espera nada, nunca se considera digno do
objeto de seu amor). Mas então, no mar, uma voz atende ao chamado da imensa
noite escura. A voz oferece uma aliança, uma promessa. É a voz de outro tipo de
amor, “a do amante frustrado, o mais desinteressado, o mais complexo de todos”
cuja mensagem não é outra senão garantir a felicidade da mulher que ambos amam.
Porque até o corcunda sente as chamas do amor em seu corpo deformado. Será quem
coloca toda a inteligência de um aleijado a serviço do desmascaramento: o glamour
de Paris pisoteado. O secretário oculto era o duque d’Hérouville. O plebeu era
o aristocrata.
Voltemos a repetir: o poeta é um ser duplo. Pode-se adorar os poemas e
ao mesmo tempo desprezar o homem que os escreveu. Apaguemos de uma vez por
todas a ideia absurda: o talento do poeta às vezes brota da vida mais prosaica
e simples. T. S. Eliot disse: só somos poetas às vezes; só somos poetas quando
o homem dá “o salto mortal” para além da sua minúscula sombra. O resto:
abjeção, trivialidade, comodidade burguesa.
A droga contra os grandes ideais e a farsa do bobo parisiense é injetada
por um profissional. O cirurgião Desplein oferece a Modeste a visão de raio-X
do talento oculto que ela não sabia ver. Enterrado entre livros, conciso,
preciso, breve, eficaz. Também queremos, “devemos” aprender.
* Este texto é a tradução
de “El plebeyo era o aristocrata”, publicado na Revista de Letras.
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