Carolina Maria de Jesus deixou,
além dos cadernos autobiográficos, uma produção literária nos mais diversos
gêneros, que ainda permanece amplamente desconhecida. Em
O escravo,
escrito na década de 1950, conhecemos a verve ficcionista da autora do
Best-Seller
Quarto de despejo. Os protagonistas dessa história são os
primos Rosa e Renato, que, embora apaixonados, acabam seguindo caminhos
distintos, sobretudo por pressão da família abastada do rapaz. O texto é
resgatado e estabelecido diretamente do manuscrito original, conservando o
projeto literário e estético da autora, e acompanha prefácio de Denise
Carrascosa e posfácio de Fernanda Silva e Sousa. Publicação da Companhia das
Letras.
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O romance Yukio Mishima situado
na confusão do pós-guerra.
Durante a Segunda Guerra Mundial,
três japonesas abastadas divertiram-se como quiseram, enquanto seus maridos
deviam ter assuntos masculinos, econômicos e bélicos em que pensar. Passado o
conflito, elas, agora divorciadas, donas de si e de negócios próprios, e ainda
em busca de diversão, encontram-se com frequência para comentar suas aventuras,
sobretudo as amorosas. Através de uma história aparentemente banal, da relação
entre Taeko, uma dessas mulheres, e Senkichi, um rapaz que se muda para Tóquio
e tenta melhorar de vida, Yukio Mishima produz com
A escola da carne um
romance que reflete a “confusão do pós-guerra”. Taeko é estilista, elegante e
bem-sucedida; já Senkichi vive na grosseria, embora saiba apresentar-se também
com gentileza, bom arrivista que é. Ambos têm em comum o contato com o mundo
ocidental: ela pela
high society, ele por receber clientes estrangeiros
no bar gay em que trabalha. Senkichi, no entanto, jamais quis aprender inglês,
como era comum a seus colegas, porque “era nacionalista nesse sentido e [...]
mostrava arrogância e mantinha-se calado”. Nessa relação inédita entre pessoas
de diferentes classes sociais dentro de uma nação atordoada pela guerra e
conflituosa quanto a que direção tomar, estão borradas e movediças as
estipulações de quem ensina e quem aprende. Mishima, que tinha posições
políticas tradicionalistas, controversas e radicais, em A escola da carne
incorpora posições contrárias às suas, concedendo entrementes a seu narrador o
capricho de poder descrever com pompa e extravagância a indumentária que os
personagens da narrativa vestem. Compõe assim, esteticamente, por meio da
ficção, um embate de éticas que reproduz uma sociedade japonesa em transformação
e aprendizado. Publicado no Japão conservador do início da década de 1960, o
romance é ainda arrojado o bastante para fazer quase que um culto do corpo,
principalmente o masculino, e expor sem hesitação questões da homo e da transexualidade,
muito à frente de seu tempo. O livro sai pela editora Estação Liberdade. A
tradução de Jefferson José Teixeira.
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Lugar nenhum e outros contos
reúne
histórias da russa Nadiejda Téffi (1872–1952) que vão levar jovens (e adultos!)
a exercitar todo tipo de riso: o riso largo, o riso de canto de boca, o riso
terno, o riso entre lágrimas...
As narrativas, sempre argutas e
surpreendentes, tratam de nossa própria incoerência, dos adoráveis “absurdos”
da lógica das crianças, das armadilhas da vida moderna, da procura infindável
por algo. Dona de um estilo inconfundível, Téffi ficou conhecida principalmente
pela prosa curta e pelo humor original e crítico, que podia se revelar em
relatos da realidade cotidiana, de dilemas sociais, de pensamento filosófico,
do universo lúdico infantil. Como escreve no prefácio Raquel Toledo, “algumas
histórias podem parecer brincadeiras de criança, enquanto outras beiram a
fantasia dos contos maravilhosos ou das narrativas de ficção científica, mas
todas elas trazem, às vezes de forma sutil, reflexões importantes sobre formas
de colocar-se no mundo, de entender-se sujeito”. A presente coletânea é uma
porta de entrada ao universo de Téffi, revelando vários ângulos de sua escrita
versátil, ágil e inteligente. A infância e juventude são retratadas em “O
exame”, “Kátia”, “Talento”, “Na datcha”, “As férias” e “Sou feliz”, contos que
trazem protagonistas crianças e mulheres. A autora explora pequenas delicadezas
da linguagem e do pensamento infantil e as doces aflições da puberdade. Mas a
narração de Téffi não é eficaz apenas ao enfocar a minúcia, o particular, mas
também o quadro geral. Os hilariantes “A vida e o colarinho” e “Don Juan”
mostram os apuros de se viver no mundo moderno. O retrato cômico de nosso
comportamento social sem nexo, muitas vezes deflagrado pelo olhar
desautomatizante da criança, aparece em “Em vez de política”, “Revendo valores”
e “Mítia”. Já “Os hominídeos” e “Preguiça” refletem com uma ótica irônica e
inusitada sobre o destino da espécie humana. Com tradução de Daniela Mountian e
Moissei Mountian, ilustrações de Fido Nesti e prefácio de Raquel Toledo, o
livro sai pela editora Kalinka.
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Um retrato assustador dos dois
anos subsequentes à tomada do poder pelos bolcheviques constitui Dias
malditos
, diário do escritor Ivan Búnin (1870-1953), publicado pela
Carambaia em sua primeira tradução no Brasil.
Não se trata apenas de um relato
do caos que se instalou nas ruas de Moscou e Odessa (na atual Ucrânia), as duas
locações do diário, mas de um ponto de vista profundamente crítico ao
bolchevismo. Em pouco tempo, o autor, que chamou Vladimir Lênin de “bastardo e
idiota moral desde o berço”, se exilaria na França. Considerado um grande
estilista, Búnin foi o primeiro escritor russo a ganhar o prêmio Nobel, em
1933. Em
Dias malditos, sua escrita poética — que foi comparada por
críticos a um bordado — dá lugar a registros marcados pela urgência, num
mosaico de notícias de jornais, fatos testemunhados e informações de boca a
boca. O tom é de inconformismo. “Está para nascer gente mais vigarista”,
desabafa Búnin sobre os bolcheviques. As notícias e rumores são apavorantes:
saques, fuzilamentos, massacres de judeus, julgamentos sumários, bebedeiras,
escassez de alimentos. Em dado momento, o próprio escritor se vê no meio de um
fogo cruzado quando sai para a rua. Ao caos provocado por
revolucionários e comunistas soma-se a guerra civil entre os exércitos vermelho
e branco e as escaramuças de alemães e franceses no território russo devido à
Primeira Guerra Mundial. Búnin destaca a presença de camponeses nas cidades, ao
lado de operários que se comportam, segundo ele, como fanfarrões. Para o
escritor, o que estava acontecendo na Rússia era mais grave do que o período do
terror pós-Revolução Francesa. “Qual um etnógrafo, o autor nos detalha como o
ressentimento — historicamente justificado — foi manipulado para colocar em
prática uma desforra apenas aparentemente consciente”, escreve no posfácio a
tradutora Márcia Vinha. Mais do que a repulsa que lhe causam os revolucionários
nas ruas, Búnin execra os escritores que aderiram aos novos tempos, como
Vladimir Maiakóvski, Aleksandr Blok e Maksim Górki, com quem havia mantido uma
forte amizade antes da revolução. Considera-os oportunistas, vaidosos e
repletos de boas intenções fingidas. “É horrível dizer, mas é verdade: se não
fosse pela pobreza do povo, milhares de intelectuais seriam as pessoas mais
infelizes’, escreve.
Dias malditos foi publicado pela primeira vez entre
1926 e 1927, em forma seriada, no jornal
Vozrizhdenye, escrito em russo
e publicado na França. Na União Soviética, uma versão severamente censurada
saiu em meados dos anos 1950, durante a relativa abertura do regime promovida
pelo dirigente Nikita Kruschev. Somente em 1989, à beira do fim da União
Soviética, foi lançado na íntegra. Com mais de quarenta edições em menos de uma
década, o livro tem uma influência única na formação política e humanística do
pensamento russo atual. Na continuidade de uma tradição marcada por Aleksandr
Púchkin, e na contramão do que exigia a literatura soviética e a propaganda
política, Búnin retrata o povo russo como anti-herói: tacanho, sem conhecimento
da arte ou da história, confundindo opressão política com liberdade e acreditando
em falsos profetas. Visto como um mestre da narrativa curta, Búnin teve sua
obra admirada por diversos escritores, de Rilke a Nabokov, e hoje consta no
currículo escolar nacional russo.
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Livro reúne três obras da poesia
de Charles Bukowski.
Em vida, Bukowski publicou
milhares de poemas em mais de trinta coletâneas.
Arder na água, afundar no
fogo reúne quatro livros que contêm os poemas escritos entre 1955 e 1973:
Meu
coração em outras mãos,
Crucifixo na mão de uma caveira,
Rua do
Terror esquina com Via da Agonia, e o que dá título ao livro. Preenchido
pela essência do autor em cada verso, passeia por tópicos pelos quais é
conhecido e oferece uma visão prematura daquilo que Bukowski se tornaria para a
literatura e a cultura a nível global. A tradução é de Alexandre Bruno Tinelli
e o livro publicado pela HarperCollins Brasil traz posfácio de Angélica
Freitas.
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Uma nova tradução direta do
russo para a principal obra de Ivan Turguêniev.
Estátuas, cofres e paredes
pintadas decoram a pacífica propriedade rural de Arkádi. A chegada de seu amigo
Bazárov, no entanto, faz subir a poeira dos velhos tapetes e revela o mofo que
domina o discurso dos parentes mais velhos. Primeiro personagem niilista da
literatura, Bazárov rejeita qualquer tipo de autoridade e não tem medo de
confrontar os hábitos e pensamentos de seus anfitriões. Este encontro entre uma
geração romântica e idealista e outra combativa, que já não se alimenta de
ilusões perdidas, é o que dá vida a um dos maiores romances da literatura
russa. Publicado em 1862,
Pais e filhos uniu-se à linhagem de obras
incendiárias de Turguêniev. Quase dez anos depois de influenciar o movimento de
emancipação dos servos com
Memórias de um caçador, este romance
surge no contexto turbulento de ascensão do movimento democrático
revolucionário na Rússia. Devido ao caráter revolucionário de sua obra,
Turguêniev foi acusado de inspirar os incêndios que, à época, tomaram conta de
São Petersburgo. A edição da Antofágica tem tradução de Lucas Simone e conta
com mais de 90 ilustrações de William Galdino. Juliana Cunha, doutoranda em
Teoria Literária pela USP, escreve uma apresentação sobre sua experiência com a
leitura do livro. A psicanalista Ana Suy assina um posfácio sobre os desafios
das relações intergeracionais, e a escritora Martha Batalha tece um ensaio
posicionando
Pais e filhos em um contexto mais amplo da literatura
russa. Fátima Bianchi, professora de Língua e Literatura da FFLCH-USP, nos
oferece um panorama da vida e da obra de Ivan Turguêniev. O QR Code na cinta
direciona a duas videoaulas disponíveis no YouTube com Raquel Toledo, mestre em
Literatura Russa pela USP.
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REEDIÇÕES
A Tordesilhas reedita
A medida da vida, livro do catálogo da
extinta Cosac Naify.
Guiado pelos escritos deixados por Virginia Woolf ― principalmente seus
diários e cartas ―, Herbert Marder traz uma biografia ousada da escritora. O
livro concentra-se nos últimos dez anos da vida de Virginia e, ao longo de
dezoito capítulos, destaca sua participação nos acontecimentos políticos da
época, sua revolta com a discriminação das mulheres e sua interação com os
amigos que formavam o Círculo de Bloomsbury. Segundo Taylor Antrim, do The
New York Times Book Review, “Marder (…) fornece uma narrativa flexível, um
pedaço estável de observação biográfica, a melhor dentre as que se concentram
no fascínio duradouro de Woolf com o afogamento e com a morte. No sensível
relato de Marder, o suicídio de Woolf não é uma tragédia inexplicável causada
pela loucura, mas um fim calculado de uma narrativa, tão inevitável quanto
infeliz.” A tradução é de Leonardo Fróes. Você pode comprar o livro aqui.
Nova edição do livro que rendeu
a Caio Fernando Abreu seu primeiro Jabuti, em 1984. Com posfácio inédito de
Manoela Sawitzki.
Considerado por Caio Fernando
Abreu o mais atípico de seus livros,
Triângulo das águas reúne três
histórias curtas nascidas num rompante: “Foi preciso aceitar escrevê-lo meio às
cegas, correndo todos os riscos”. Inseparáveis, as bases deste tripé — “Dodecaedro”,
“O marinheiro” e “Pela noite” — estão entre os melhores exemplos da emoção, da sensibilidade
e, sobretudo, do anseio por mudança que moviam o autor, presentes em toda a sua
obra. Como define a escritora Manoela Sawitzki, que assina o posfácio desta
edição, “a simbologia das águas em movimento, que lavam e carregam impurezas,
células mortas, é explorada neste livro por Caio F. com uma capacidade de
entrega rara, que frequentemente o esgotava, assim como parece tê-lo ajudado a
fluir da noite escura à claridade que tanto buscava”. Publicação da Companhia
das Letras.
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RAPIDINHAS
O ponto final de Vargas Llosa.
Durante a semana
uma notícia dominou a imprensa latino-americana: o
escritor peruano Prêmio Nobel de Literatura deixará de escrever literatura. Seu
último romance é o que chega às livrarias de língua espanhola no fim do mês —
Le
dedico mi silencio e um ensaio sobre Jean-Paul Sartre.
Gabriel García Márquez inédito.
Há muito anunciado, o romance
En agosto nos vemos também sairá no Brasil.
A promessa é março de 2024 e faz parte da promoção do livro publicá-lo
simultaneamente dentro e fora do circuito de língua espanhola.
Fernando Sabino 100 anos 1.
A editora Record, que acaba de publicar uma edição especial de
O encontro
marcado, anunciou para 2024, no mesmo estilo,
Cartas perto do coração.
Esgotadíssimo, o livro reúne a correspondência entre o escritor mineiro e a
amiga de toda a vida Clarice Lispector. A nova edição trará fotos, fac-símiles
e conteúdos inéditos.
Fernando Sabino 100 anos 2.
Ainda no mesmo interesse, a casa publicará uma versão em HQ feita por Caco
Galhardo para outro título reconhecido de Sabino: o romance
O grande mentecapto.
Foi com este livro que ele recebeu o Prêmio Jabuti em 1979.
DICAS DE LEITURA
Na aquisição de qualquer um dos
livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a
manter o Letras.
1.
50 poemas macabros de
Vinicius de Moraes (Companhia das Letras, 168 p.). Organizado por Daniel
Gil, especialista na obra do poeta brasileiro, esta antologia, ilustrada por
Alex Cerveny, reúne meia centena de poemas, incluindo sete inéditos, cujos temas
se distinguem daquele que tornou Vinicius de Moraes um reconhecido nome na
nossa literatura: o macabro, o sombrio e o mórbido.
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2.
Pixel, de Krisztina Tóth
(Trad. Zsuzsanna Spiry, DBA, 176 p.) Um livro fronteiriço cujas narrativas
situadas numa Budapeste como cidade-símbolo busca dizer a vida desconjuntada na
Europa numa era de desumanizações.
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3.
Montevidéu, de Enrique
Vila-Matas (Trad. Júlio Pimentel Pinto, Companhia das Letras, 240 p.) Depois de
perder o pai e abandonar de vez a literatura, o protagonista e narrador deste
romance inicia sua obsessão por imagens de portas e tudo o que carregue sinais
de passagem e trânsito entre realidades distintas.
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VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
Em dezembro de 1989, o programa
Roda
Viva, da TV Cultura, recebeu o escritor Fernando Sabino, então sabatinado
por nomes como Caio Fernando Abreu e Ruy Castro. O diálogo está
disponível no YouTube.
No passado 19 de outubro, ainda
tocando em datas especiais, foi o 110.º aniversário do poeta Vinicius de
Moraes. Nas redes do
Letras, colocamos em circulação
a leitura do “Soneto de fidelidade” realizada pelo próprio poetinha.
BAÚ DE LETRAS
Na semana passada, conforme
registramos na edição anterior deste Boletim, ficamos sem a poeta Louise Glück.
Recordamos quatro entradas feitas no
Letras em torno da sua obra e
biografia: a) primeiro,
um breve perfil, no ano quando recebeu o Prêmio Nobel
de Literatura; b)
uma seleção de poemas feita por Pedro Belo Clara no âmbito do
seu projeto De versos;
dois ensaios de Glück traduzidos por João Arthur
Macieira; e,
este texto sobre sua obra.
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