Por Alonso Díaz de la Vega
Gostaria de escrever sobre
O conde
(2023) com absoluta raiva. Dirigido por Pablo Larraín, cineasta chileno complacente
e inoportuno, o filme é protagonizado por Augusto Pinochet (Jaime Vadell), que,
de costas para a historiografia, o ativismo e seus biógrafos, acaba sempre
sendo um vampiro caprichoso e vingativo mas, mais do que nada, travesso. Quando
o confrontam pelos crimes da sua ditadura, ele responde como uma criança que,
depois de assaltar a lata de doces, se justifica porque não lhe deram o
suficiente para comer. “De verdade, verdadeira”, diz o ditador vampiro, “o que
tenho sido é uma vítima”.
É claro que a intenção de Pablo
Larraín não é absolver Pinochet mas zombar dele, agora, a vida de um criminoso
desse tipo é delicada para ser abordada a partir do humor; depois de tudo,
Charles Chaplin caricaturou Hitler em
O grande ditador (1940) antes que
o mundo se inteirasse do Holocausto. As leis racistas de Nuremberg já existiam,
é verdade, mas com o seu filme Chaplin apoiou o esforço de guerra para derrotar
o regime que as produziu.
Pablo Larraín chega tarde o suficiente
para que sua ficção seja um ato ineficiente de memória — há filmes melhores
e mais específicos sobre o assunto, como o de Patricio Guzmán — e desrespeitosa
por ser lançada perto do 11 de setembro, que marca a violenta tomada do poder
por Pinochet. Porém, ao fugir da verossimilhança e das imagens de violência
militar, o insulto é mais simbólico do que material, ou seja, não creio ter
visto imagens tão condenáveis como as de outros cineastas bem-intencionados mas
torpes que, sem saber, pisoteiam as vítimas. Seus maiores contratempos são outros
e, por isso, em vez de raiva, escrevo sobre
O conde com indiferença.
Larraín já havia construído uma filmografia
tentando decifrar figuras históricas como o poeta chileno Pablo Neruda, a viúva
de John F. Kennedy, Jackie, e recentemente Diana Spencer, a Princesa de Gales. Em
todos esses filmes predomina o onirismo e, nos melhores, as elipses, ou seja,
Pablo Larraín não se preocupa — não se preocupava — em reportar dados biográficos
como se estivesse produzindo uma recriação inofensiva para o History Channel.
Em Neruda (2016), por exemplo, narra um detetive interpretado por Gael
García, mas sua voz nunca descreve as datas ou triunfos de seu alvo de investigação
e sim o mistério de quem inventou quem: se é uma ficção paranoica do poeta ou
aquele um monumento idealizado e evasivo, já mais ícone do que homem devido a
sua estatura literária. Aquele Pablo Larraín sabia que para ensinar história servem
os livros; confiava no seu público para identificar os elementos fundamentais
de cada vida nas tramas confusas, mas em O conde o diretor fala para o
mundo inteiro, em sua maioria ignorante do golpe de 11 de setembro de 1973, e
se preocupa tanto em ser mal compreendido que uma voz em off descreve não
apenas a biografia ficcional do Pinochet vampiro, que vive sugando sangue e
roubando literalmente corações desde o século XVIII, mas também suas ações reais
e amplamente documentadas.
A inclinação para a obviedade
produz um filme que oscila desajeitadamente entre o didatismo e uma farsa
desdentada, embora descreva com números os abusos da ditadura no Chile. Acima de
tudo, aparece o oportunismo de um cineasta que representou uma mulher
sexualmente livre e desafiadora em Ema (2019) a partir de seu próprio
desejo masculino, e que agora não consegue educar o público sobre Pinochet nem
desferir um golpe a tal figura que anule a nostalgia de seus seguidores. Para ser
justo, nenhum filme poderia alcançar tanto — Patricio Guzmán não conseguiu com
seu monumental A batalha do Chile (1975) — mas a tentativa é tão vaga,
muitas vezes tão anedótica e convencional, que Pablo Larraín permanece a meio
caminho e abaixo da sua própria filmografia; faz o que foi feito de errado
tantas vezes e em tantos filmes, mas nem mesmo esses. Apesar desta vontade de
escandalizar que, por exemplo, se expressa em imagens escatológicas na sua estreia
Tony Manero (2008), ou no comportamento grotesco em O cube
(2015), Larraín anteriormente tentava romper com a norma.
Quase quarenta minutos após o início
do filme, a trama começa totalmente: os filhos de Pinochet contratam uma
contadora que, pelas costas, acaba por ser uma freira exorcista. O seu objetivo
é, aos olhos deles, lavar o dinheiro roubado dos chilenos para que possam
finalmente receber uma herança e permitir que Pinochet morra; em segredo, ela propõe
matar o ditador vampiro que fingiu sua morte duas décadas antes. Exceto por algumas
longas sequências em que Pablo Larraín recicla uma gag baseado em interrogatórios
conduzidos pela contadora freira exorcista — ao desculpar maliciosamente
Pinochet e sua família, ela faz com que eles se gabem de seus crimes —, o filme
poderia tratar de vampiro qualquer que viveu na clandestinidade. Embora essas
cenas tratem a memória como um exorcismo nacional, não devemos ignorar outra
breve mas brutal, em que Pinochet e seu mordomo Fiódor (Alfredo Castro) falam
sobre terem queimado seios de mulheres, animados por um deleite vampírico que
se aproxima da banalização. A história chilena dispensa alusões vagas que não formam
um enredo, mas apenas uma história em que, insisto, até o conde Contar poderia
ter protagonizado. O aspecto contábil seria mais adequado para ele.
A natureza anedótica e, acima de
tudo, antiquada de O conde fica evidente ao longo do filme, mas talvez notavelmente
na cena em que um personagem é mordido por Pinochet e imediatamente aprende a
voar. Estas imagens respondem-nos com certeza a pergunta que ninguém fez no
filme e que ninguém consegue responder fora dele: o que é belo? Pierre Bourdieu
explicou-nos que a beleza é o que designamos como tal sob a influência do poder
de compra, do contexto social e das convenções de uma determinada época: porque
não existe uma lei natural do belo, em algumas sociedades antigas a gordura era
atrativa por representar a abundância e agora uma mentalidade de consumo, de
perfeição, percebe-a com asco; outra, aquela que vende ativismo, quer resgatá-la.
Pablo Larraín, por outro lado, considera que são signos inequívocos do belo a
figura que flutua violentamente entre as nuvens ou ao nível de uma quinta e com
o sol ao fundo da imagem; a música aguda e acelerada de “Sabina”, de Andrew
Norman, e a falta de jeito da figura voadora que forma uma dança. Para mim é
uma compilação de signos que apontam para uma noção de romantismo tipo postal,
para um sentido de beleza há muito vencido pela vanguarda e que nos demonstra:
Larraín não faz cinema no presente ou para o futuro, mas a partir de um tempo passado
e pouco adaptado ao nosso, porque há definitivamente melhores classicistas e clássicos
que confiaram plenamente no seu público e que conseguiram transmitir o espanto
sem submeter ninguém com saturações.
A maior metáfora de O conde
é então o próprio filme que, ao se referir repetidamente ao que é obsoleto na
sua forma — o didatismo tímido, a farsa sem força, um sentido excessivo do belo
— acompanha o seu protagonista mais do que o condena; se parece com ele porque
é um cadáver inexplicavelmente fresco, ambulante, que caminha entre nós para
nos lembrar, mais do que o passado chileno, o passado mais desastroso do
cinema. Por isso e pela absoluta falta de jeito do seu ritmo, sempre distraído
entre as suas várias intenções, O conde não me irrita, simplesmente aborrece-me.
* Este texto é a tradução livre para “El conde, la película que abora a Pinochet
como vampiro”, publicado aqui, em Gatopardo.
Comentários