Boletim Letras 360º #544
Vicente Aleixandre. Foto: Gianni Ferrari |
LANÇAMENTOS
Pela primeira vez no Brasil um
livro do Nobel de Literatura Vicente Aleixandre, poeta espanhol que marcou o
século XX.
Em A destruição ou o amor,
Aleixandre atingiu a maturidade total do seu estilo poético, com uma escrita
complexa e original marcada pelo surrealismo. Publicado na Espanha em 1935, o
livro recebeu o Prêmio Nacional de Poesia e é o principal título da primeira
fase do autor, que é um dos expoentes da chamada Geração de 27 e ganhador do
Nobel de Literatura em 1977. A destruição ou o amor nasceu aparentando
uma insatisfação de Aleixandre com certas limitações do estilo surrealista —
ele simplesmente assimila o estilo em uma visão expandida que alguns chamaram
de neorromântica, pois em seu panteísmo místico o poeta abraça o próprio mundo
em amor que consome. O autor move-se com grandiosidade nesse cosmos, sem Deus e
sem homem civilizado, cumprindo o seu destino trágico através do amor como
destruição. O livro sai pela Isto É Edições com tradução exclusiva do poeta
Pedro Gonzaga, em edição bilíngue, e com prefácio do professor Ruben Daniel
Méndez Castiglioni (UFRGS). Você pode comprar o livro aqui.
Uma primeira obra da escritora
russa Téffi entre os leitores brasileiros.
Téffi (1872-1952), uma artífice
magistral da história curta, formato que a consagrou e suscitou comparações com
Anton Tchékov, é publicada com o volume Contos, uma antologia traz um
apanhado de 28 textos da autora, escritos entre 1910 e 1952. O livro está
dividido nas duas principais fases da vida da autora: “Na Rússia” e “Na
imigração”, quando a escritora se instala em Paris. Em ambas, Téffi observa com
humor sutil — às vezes até feroz e quase sempre com desenlaces ambíguos — os
hábitos e costumes da burguesia dos dois lados da fronteira ocidental russa,
com um estilo direto e moderno. A edição tem tradução de Priscila Marques,
Letícia Mei e Raquel Toledo, também autora do posfácio e selecionadora dos
contos, e projeto gráfico de Mayumi Okuyama. Admirada tanto por Lênin quanto
pelo tsar Alexandre II, tanto pelos patrões como pelos operários, e publicada tanto
na imigração quanto na União Soviética, Téffi foi extremamente popular entre os
leitores de seu tempo — a ponto de dar nome a vários produtos, de perfumes a
doces. O traço humorístico de sua escrita, privilegiado na coletânea, foi o que
lhe trouxe o reconhecimento, mesmo sendo uma rara figura entre os satíricos,
como explica Raquel Toledo no posfácio: “uma mulher”. Para a professora de
literatura, Téffi — pseudônimo de Nadejda Aleksandrovna Lokhvitskaya — foi “uma
das muitas autoras que o cânone, acostumado a privilegiar os homens, escondeu”.
Na antologia há pequenas joias de autoficção, com títulos explicativos: “A
literatura na vida”, “Como vivo e trabalho”, “Meu primeiro Tolstói”,
“Nostalgia”, “Que faire?” (acerca das antipatias mútuas entre esses refugiados)
e “O pseudônimo” (“Não queria me esconder atrás de um pseudônimo masculino.
Seria fraco e covarde.”). Outro exemplo marcante, e historicamente precoce, de
autoficção é “Raspútin”, que narra dois encontros com o “mago” adotado pela
decadente família real russa. Os encontros aconteceram de fato, e a escritora
descreve um homem que, apesar de certo magnetismo, é uma figura repulsiva e
autoritária que faz avanços libidinosos sobre as mulheres a seu redor. Crianças,
animais e os costumes do campo se destacam em vários contos do volume, um deles
uma espécie de paródia de histórias sobrenaturais, que tem um cachorro como
figura central. Em outros contos sobressaem personagens femininas, ora tolas,
ora sábias. A ordem dos contos permite acompanhar os pontos de vista da autora
em relação à política russa, da simpatia pelos bolcheviques até a decepção
progressiva que a levou execrar o processo revolucionário e iniciar um périplo
pela Europa Ocidental até se estabelecer em Paris. Téffi mira a burocracia, o mundo
jurídico, os hábitos religiosos e as festas burguesas russas. Um dos
personagens diz que “a Rússia não se pode compreender com a mente”. No primeiro apanhado encontra-se
um conto espirituoso e equivalente a um tratado sobre a imbecilidade. Mais à
frente surge “Um dia no futuro”, talvez a sátira mais demolidora de Téffi aos
bolcheviques, que considera iletrados. Em tom semelhante a escritora cria, no
conto “Florzinha Branca”, uma discussão sobre a necessidade (ou não) de pedir a
Deus que perdoe Lênin, visto como um criminoso. Em um trecho do livro, Téffi
enuncia seu credo de escritora: “De modo geral, considero que as histórias mais
maravilhosas do mundo são muito mais numerosas do que pensamos. É preciso
apenas saber ver, saber seguir o verdadeiro fio dos acontecimentos, sem afastar
conscientemente aquilo que nos parece inacreditável, sem embaralhar os fatos e
sem impor as nossas explicações a eles”. O livro é publicado pela editora
Carambaia. Você pode comprar o livro aqui.
O primeiro dos cinco volumes
com as odes de Píndaro.
As Odes Olímpicas celebram
as vitórias conquistadas nos jogos atléticos realizados a cada quatro anos no
santuário de Zeus em Olímpia. Os Jogos Olímpicos, que serviram de inspiração
para as Olimpíadas modernas, foram o mais importante e duradouro evento
cultural da Grécia Antiga, tendo se realizado por mais de mil anos, desde a sua
primeira edição histórica em 776 a.C. até a sua proibição pelo imperador
Teodósio I, em 393 d.C. Esta publicação constitui o primeiro volume da
Biblioteca Monumenta dedicado a Píndaro, em nova e anotada tradução, que conta
ainda com uma alentada introdução geral sobre o autor, os epinícios e o
ambiente dos jogos na Grécia Antiga. Esta edição apresenta ainda um apêndice
com traduções das “Vidas de Píndaro” — biografias antigas e, muitas vezes,
fantasiosas sobre a vida do poeta, mas que nos dizem bastante sobre sua
recepção e apreciação na Antiguidade. Com tradução de Robert De Bros, o livro
sai pela editora Mnēma. Você pode comprar o livro aqui.
O terceiro volume do teatro
completo de Eurípides traduzido por Jaa Torrano e publicado pela Editora 34.
Já em Electra a intensidade dramática atinge o ápice. A peça abre com a protagonista vivendo longe do palácio real, após a morte de seu pai Agamêmnon. A chegada do irmão Orestes muda o rumo dos acontecimentos e este e Electra, em cenas de uma força ímpar, tramam a morte dos responsáveis pelo assassinato do pai — precisamente sua mãe Clitemnestra e o padrasto Egisto. Em Héracles é novamente o labirinto familiar que está no centro dos acontecimentos. Depois de resgatar o pai, a esposa e os filhos que se encontravam ameaçados de morte pelo usurpador do trono de Tebas, o herói, que acabara de cumprir o último de seus doze trabalhos, é visitado pela deusa Fúria e, numa reviravolta surpreendente, Eurípides expõe a imprevisibilidade dos desígnios divinos e a fragilidade dos mortais. São justamente esses giros, dilemas e rupturas provocados no destino de seus personagens que, como observa Carpeaux, aproximam magistralmente Eurípides de nossa instável modernidade. As duas peças mais As suplicantes formam o terceiro de seis volumes com o teatro completo de Eurípides com tradução de Jaa Torrano para Editora 34. Você pode comprar o livro aqui.
A capacidade de fazer rir de uma
tragédia, de afligir com uma letargia, de angustiar com o desespero alheio e
chocar com o rumo que uma história pode tomar. Talvez essa seja a definição de A
estirpe. Em plena festa de aniversário, um globo espelhado cai do teto
sobre a cabeça de Ana. Um tanto cômico, se não fosse trágico. O ocorrido faz
com que perca a memória, as palavras, os afetos. Não se lembra do esposo, da
mãe, do filho, da empregada. A resposta pode estar em seu escritório, repleto
de fotos, caixas e documentos sobre uma campanha militar do fim do século XIX.
Materiais para um livro que estava a escrever, mas o vasculhar de objetos a
transporta a algo inesperado, incompreensível, para lembranças que não são
suas, para palavras que não imaginava conhecer. Originalidade descreve bem a
escrita de Carla Maliandi e A estirpe é prova do merecido adjetivo. Ela
nos encanta sem floreios, surpreende como um tropeço e nos faz questionar como
foi capaz de unir eventos corriqueiros, acontecimentos e reparações históricos,
dilemas pessoais e familiares e a agonia e insanidade que tomam conta da
protagonista (e ultrapassam as páginas) em uma novela sólida e, ao mesmo tempo,
insólita. A estirpe poderia ser um romance histórico, ou um drama
familiar, ou um relato introspectivo de uma mulher vazia, mas é um livro único,
para ser lido de modo alucinante e refletido por dias a fio. (Aline Teixeira) Com
tradução de Sérgio Karam, o livro sai pela editora Moinhos. Você pode comprar o livro aqui.
O novo romance de Vidal Porto.
Sodomita nos conduz ao
século XVII, quando a homossexualidade era um crime cuja punição resultava, às
vezes, em uma viagem forçada ao Brasil. Misturando fatos históricos com fábula
desvairada, o autor discute temas atuais sem nunca perder sua verve irônica. O
quarto romance de Alexandre Vidal Porto, conhecido pelo seu estilo límpido para
tratar de cenas contemporâneas, retorna vários séculos para narrar a saga de
Delgado, um violeiro de Évora que chegou a Salvador no ano de 1669, degredado
pelo crime de sodomia — um código para homossexualidade. É em território
brasileiro, com seu passado apagado, que Delgado se reinventa como comerciante,
assume um casamento de fachada e se joga nos deleites carnais com os belos
rapazes que cruzam seu caminho. Misturando um falso português arcaico e a
linguagem oral de hoje, Sodomita desbrava temas atuais — da laicidade do
Estado aos resquícios da escravidão — em uma roupagem inusitada e divertida. O
livro é publicado pela editora Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
O regresso de Nilton Resende à
poesia.
Alguns encontros gravam-se fortes
na memória — em especial, a do corpo, lembrando a todo tempo um cheiro, a
textura de uma pele, o seu calor, suas formas. Gravam-se principalmente quando
é a memória a única forma de reencontro. Em Ouriço, 10 poemas e dezenas
de fotografias tentam dar conta desse constante, ansiado e por vezes doloroso
regresso. 25 anos após a primeira edição de O orvalho e os dias, Nilton
Resende lança seu segundo livro de poemas, cuja poética narrativa entremeia-se
com as fotografias de Vanessa Mota feitas especialmente para o livro agora
publicado pela editora Trajes Lunares. Você pode comprar o livro aqui.
REEDIÇÕES
Dois livros de J. M. Coetzee há muito esgotados entre os leitores brasileiros ganham
reedição.
1. O sul-africano Michael K.,
negro e pobre, perde a mãe e passa a viver como um andarilho, num país
convulsionado pela guerra civil. Aos poucos, o protagonista se destitui dos
elementos que o ligam ao mundo. Esse processo de animalização pode ser o único
refúgio numa época marcada pela barbárie. Vida e época de Michael K., de
1983, valeu a Coetzee seu primeiro Booker Prize. Negro, pobre, feio e sem
ninguém no mundo — sua mãe acaba de morrer —, Michael K. vaga pela África do
Sul convulsionada pela guerra civil. Obrigado a esconder-se da polícia, ele
vive à deriva em estradas, fazendas abandonadas, cavernas ou num campo de
trabalhos forçados. Michael K alimenta-se de raízes, insetos e, excepcionalmente,
de um cabrito que consegue afogar num açude. Dorme em abrigos improvisados ou
ao relento e supera a tontura, a ânsia e a letargia. Preso pelo exército,
sucumbe às atividades físicas que seu corpo esquálido é incapaz de suportar.
Mesmo assim, foge. Pouco a pouco, vai se destituindo dos elementos que o ligam
ao mundo exterior, até ver-se reduzido a uma existência em que a realidade
parece escorrer-lhe pelos poros. A certa altura, o narrador do livro conclui: “Um
homem tem de viver de modo a não deixar sinal da sua vida. Foi a isso que se
chegou.” Há, contudo, mais que a nota pessimista no processo de animalização
por que passa o protagonista. Sua trajetória permite supor que o contato direto
com o mundo em volta não apenas contribui para o desenvolvimento de uma vida
interior, como parece o único refúgio possível num tempo dominado pela
irracionalidade e pela barbárie. Tradução de José Rubens Siqueira. Você pode comprar o livro aqui.
2. Uma narrativa de ficção
protagonizada pelo romancista Fiódor Dostoiévski e pelo jovem anarquista
Serguei Nietcháiev. Além de vencedor do Prêmio Nobel 2003, Coetzee é o único
escritor a ter recebido duas vezes o Booker Prize, maior premiação da
literatura britânica. Em 1869, a capital do império
czarista, Petersburgo, vive dias politicamente convulsos. O escritor Fiódor
Dostoiévski acaba de voltar de Dresden, na Alemanha (onde se refugiara para
escapar dos credores), por conta da morte de seu enteado, ocorrida em
circunstâncias estranhas. Dostoiévski não chega a tempo de assistir ao enterro,
mas quer, ao menos, recuperar os papéis do rapaz. A versão da polícia é de que
ele se suicidou, mas uma lista de nomes encontrada em seu quarto levanta a
suspeita de que estaria envolvido com grupos anarquistas. Na obsessão de saber
a verdade, Dostoiévski vai se enredar numa teia perigosa. Perseguido pela
polícia, acometido de suas notórias crises de epilepsia, ao mesmo tempo que
excitado com um tórrido e inesperado romance, ele se deixa arrastar para os
antros e becos de Petersburgo. Ali, se vê confrontado com o anarquista Serguei
Nietcháiev, de 22 anos, que passaria à história como a encarnação nefasta do
terrorismo político. Na vida real, Nietcháiev sofreu processo criminal por ter
assassinado um estudante e o caso inspirou Dostoiévski para escrever Os
demônios. Teriam os dois se encontrado no outono de 1869, nos subsolos da
capital czarista, e discutido sobre os fantasmas de cada um? Essa possibilidade
é desenvolvida por J. M. Coetzee em O mestre de Petersburgo, explorando
com excepcional maestria narrativa a área cinzenta entre a verdade e a ficção. A
tradução é de Luiz Roberto Mendes Gonçalves. Você pode comprar o livro aqui.
RAPIDINHAS
Regresso. A obra de Jon Fosse começou a apontar no Brasil com Melancolia. Agora, em setembro, a Companhia das Letras publicará outro romance de um dos principais nomes da literatura norueguesa: É a Ales.
Cuba inédita. A editora Pinard anunciou qual será o próximo título do catálogo: Sab, da escritora cubana Gertrudis Gomez de Avellaneda. Como de costume, o livro sai se alcançar a quota de financiamento coletivo. Então, salva a notícia para garantir o apoio.
Cuba inédita. A editora Pinard anunciou qual será o próximo título do catálogo: Sab, da escritora cubana Gertrudis Gomez de Avellaneda. Como de costume, o livro sai se alcançar a quota de financiamento coletivo. Então, salva a notícia para garantir o apoio.
Poesia reunida. Primeiro no clube Círculo de Poemas, sai em setembro toda obra poética de Donizete Galvão. Trabalho dos poetas Paulo Ferraz e Tarso de Melo. O clube é iniciativa das editoras Fósforo e Luna Parque.
3. Só prosa, de Armando Freitas Filho (Companhia das Letras, 160 p.) Depois de reunir a obra poética em Arremate, o poeta recolhe os textos em prosa. Entre inéditos, publicações na imprensa ou em edições econômicas, encontramos reflexões sobre o ofício da escrita, alguns dos autores de convívio pessoal ou literário como Ana Cristina Cesar, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar, entre outros. Você pode comprar o livro aqui.
Papéis inéditos. De João Cabral de Melo Neto. O n. 22 da revista Teresa dedicado ao poeta de Morte e vida severina reúne, além de artigos com leituras da sua obra, material inédito, incluindo um poema e três cartas para Rubem Braga; o encontro dessas missivas no acervo da Fundação Casa de Rui Barbosa é um feito do nosso colunista Rafa Ireno. A edição completa está aqui.
Ao lembrar os dois livros de J. M.
Coetzee que voltam aos leitores agora, lembramos ainda duas publicações, dentre
as várias, em torno do escritor e sua obra: primeira, a resenha de Pedro Fernandes
sobre aquele que é, talvez, o mais reconhecido romance de Coetzee; e este texto dele que traduzimos em 2013 no qual apresenta a lista dos livros que o formaram
leitor.
DUAS PALAVRINHAS
No fundo escreve-se sempre o mesmo verso. Escrever poesia é uma espécie de invocação. Mas não se pode estar toda a vida a invocar o mesmo santo, sobretudo se ele não aparece. Assim sendo, não rezo mais.
— Mário Cesariny, entrevista concedida a Perfecto E. Cuadrado
...
CLIQUE AQUI E SAIBA COMO COLABORAR COM A MANUTENÇÃO DESTE ESPAÇO
* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidade das referidas casas.
Comentários