Wes Anderson chega ao limite do seu estilo com Asteroid City
Por Alonso Díaz de la Vega
A filmografia de Wes Anderson já é mais compreendida como um meme do que
como cinema. Nos últimos anos — e como mostra a tendência interminável de
filmar tiktoks imitando suas imagens simétricas — o diretor se tornou uma
subcultura, o que me parece um sucesso e um fracasso. Um sucesso porque o
grande público tomou consciência do estilo cinematográfico, ou seja, se um
espectador normalmente presta atenção nas histórias que os filmes contam, o
cinema de Anderson fez com que ele prestasse mais atenção nas tomadas e na montagem.
O fracasso, por outro lado, resulta de ignorar a sofisticação que o estilo tão
imitado produz. Talvez como resposta, o diretor tenha passado os últimos anos
enfatizando essa complexidade para evitar ser classificado como um cineasta
complacente, repetitivo ou fácil. Pelo menos desde The Grand Budapest Hotel
(2014) percebe-se uma radicalização que tende cada vez mais a interagir com
outros textos — romance, filme, teatro —, a saturar os quadros com detalhes
imperceptíveis devido ao ritmo desenfreado da montagem, e sublinhar a
artificialidade da ficção com atuações mais rígidas do que nunca e interrupções
na narrativa que insistem: um filme é um jogo que não pretende nem pode dizer
nada, apenas representar algo que nunca aconteceu.
Asteroid City
(2023), o mais recente longa-metragem de Wes Anderson, sintetiza essas
preocupações por meio da história de uma família que chega a uma pequena cidade
deserta em meados da década de 1950 para que seu filho nerd participe de um
concurso de ciências organizado pelos militares. O encontro imediato com um
alienígena, que irrompe na cerimônia de premiação, provoca uma quarentena e
isso leva ao questionamento existencial do propósito de viver. Descrito desta
forma, o enredo parece simples, mas desde as primeiras imagens um mecanismo
mais emaranhado é colocado: um apresentador de televisão interpretado por Bryan
Cranston explica que veremos uma encenação televisiva da peça Asteroid City,
concebida para complementar um documentário sobre o fictício dramaturgo Conrad
Earp (Edward Norton). A partir daí a narração se divide entre a encenação
colorida e o documentário em preto e branco.
Com isso fica claro que a intenção de Anderson não é mero entretenimento
para o maior público que ele consegue trazer para a sala, mas uma continuação
das obsessões presentes desde seus primeiros longas-metragens. Em Rushmore
(1998), por exemplo, havia uma vontade de quebrar discretamente a ficção de um
cinéfilo imaginário que tomava conta da cena. Max (Jason Schwartzmann), um
estudante precoce e insubordinado do ensino médio, monta uma peça sobre a
Guerra do Vietnã no final. Uma prancha de surf ao fundo faz alusão a Apocalypse
Now (1979), e um atirador vietnamita a quem Max propõe casamento parodia o
final de Full Metal Jacket (1987). Schwartzmann é sobrinho de Francis
Coppola, diretor do primeiro, e Anderson tende à simetria visual de Kubrick,
autor do segundo. A inclusão de Seymour Cassel no elenco fala de uma admiração
por John Cassavetes, com quem o ator colaborou frequentemente, também fazendo
trabalhos por trás das câmeras.
Wes Anderson alude constantemente à história do cinema, mas não para
construir um sentido específico, mas para brincar com ela, um pouco como
Jean-Luc Godard, cujos personagens recitavam os poemas que ele lia durante as
filmagens. As menções a artistas ou figuras políticas eram complementadas nos
filmes com rajadas de pinturas e fotografias, mas não tinham a intenção de
comentar nada e sim dar relevância à montagem e evitar que o público esquecesse
que estava vendo um artifício. Acima de tudo, Godard parecia assinar seus
filmes imprimindo o que ocupava sua consciência. Anderson parte desta última e
passou a se referir a mais coisas do que cinema com The Grand Budapest Hotel,
em que joga com a ideia do romancista Stefan Zweig, embora em Isle of dogs
(2018) estivesse claramente pensando em clássicos japoneses do cinema, e em The
French Dispatch (2021) na Nouvelle Vague francesa. Em Asteroid City
as referências culturais são mais numerosas.
As cores da cidade e seus arredores remetem ao Papa-Léguas de Looney
Tunes, que aparece, embora na forma de um boneco mais ou menos realista. Um
grupo de cowboys no elenco representa o faroeste, gênero fundamental dos anos cinquenta
que contribuiu com inúmeros clássicos de Ford, Ray, Hawks, Mann e Zinnemann. A
estrela escrita por Earp, Midge Campbell (Scarlett Johansson) se parece com
Elizabeth Taylor, e a camiseta branca do diretor de teatro Schubert Green
(Adrien Brody) evoca Marlon Brando de A Streetcar Named Desire (1951).
Earp, o dramaturgo gay, provavelmente foi inspirado no autor daquela obra
clássica, Tennessee Williams. Quando Johansson posa como na pintura La mort
de Marat, fica claro o desejo de Anderson de assinar sua obra a partir de
seu imaginário, embora com uma peculiaridade: ele oculta com desvios humorísticos. Brando era
um ator, não um diretor, como o personagem de Asteroid City, e Williams
nunca escreveu sobre alienígenas.
Em meio à febre popular que desencadeou, Wes Anderson parece resgatar-se
como um cineasta que transborda em sua filmografia de pequenos segredos que,
uma vez descobertos, revelam sua profundidade e sua nostalgia de tempos que não
viveu. Há um risco nisso: poucos espectadores conseguirão captar as referências
de um cinema que quase ninguém vê, de um teatro que não é mais encenado, e
poucos também relacionarão essas paródias a uma ideia pós-moderna de criação,
isto é, o de vencer artificialmente a ilusão de algo real.
Asteroid City é
provavelmente o mais formal dos filmes de Anderson, mas se isso e as
interrupções de Bryan Cranston não foram suficientes, há momentos em que o
apresentador entra na obra teatral e percebe que não pertence ali. A ficção se
desfaz em um ato muito deliberado de autossabotagem que encontra uma rima na
maneira como se trivializa o elenco tomado de estrelas. Tom Hanks, Jeff
Goldblum, Tilda Swinton, Steve Carell, Matt Dillon, Willem Dafoe, Maya Hawke,
Jeffrey Wright, Jarvis Cocker e Seu Jorge — estes dois últimos filmados de tal
forma que nem conseguimos reconhecê-los — aparecem por momentos tão breves, em
planos tão similares aos de qualquer outra figura que, ao contrário do cinema
clássico de Hollywood, perdem o seu estrelato. Apenas Margot Robbie é tratada
como um ícone em um papel breve e comovente, mas Anderson se apega a uma
negação tão intensa que usa essa cena para celebrar a insignificância de todas
as coisas.
O humor do diretor também é sabotado ao tentar nos distrair de questões
sérias, como a condenação do aparato militar estadunidense que se apropria das
invenções de crianças geniais, e o luto, que aproxima a questão de por que
vivemos da ideia fundamental de Asteroid City: a irrelevância do
significado como base da criação. O mais recente Wes Anderson é acusado de
anedótico e excessivo — eu próprio o fiz —, e Asteroid City parece
responder-lhe com a preocupação do pai da família principal, um fotógrafo
interpretado por Schwartzmann que, quer neste papel ou no do ator da peça
encarregada desse papel, ele parece obcecado em entender as coisas: por que sua
esposa morreu e por que desempenhar esse papel? A imagem de Jeff Goldblum
inventando teorias exageradas sobre o simbolismo alienígena zomba dessas
questões, e um segmento bizarro num momento de atuação de Earp nos dá alguma
clareza: “Você não pode acordar se não adormecer”, gritam os personagens , como
se o próprio Wes Anderson nos deixasse claro que alguém sai do cinema porque
primeiro sentou para testemunhar o sonho de outra pessoa. E isso é tudo: a
ficção alheia fica na sala e nós vamos viver a nossa lá fora, onde acreditamos
que tudo o que se toca é real mas não passa de uma ilusão provocada pelos
sentidos. Nenhum meme diz tanto.
* Este texto é a tradução livre de “Wes
Anderson llega al tope de su estilo en Asteroid City” publicado aqui em Gatopardo.
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