Sete poemas de Mary Oliver em “Evidência” (2009)
(Seleção e versões)
Mary Oliver. Foto: Molly Malone Cook |
com a esperteza dos nossos tempos.
As conversas giram em torno de computadores,
as notícias são só sobre bombas e sangue.
Esta manhã, nos campos frescos,
vim a descobrir um ninho escondido.
Continha quatro ovos malhados, quentes.
Toquei-os.
Então, fui-me embora, delicadamente,
sentindo algo mais extraordinário
que toda a electricidade de Nova Iorque.
pôde colocar no seu livro de poemas
uma página em branco
Que Comeu Um Dos Meus Poemas”, estou pronta
a segui-lo ao longo
através da aridez
e sugerir que agora te sentes
em algum maravilhoso lugar selvagem, e escutes
o silêncio.
um poema.
sobre a sua vida.
com as vogais.
baseia-se todo na linguagem corporal –
mergulha e exala e levanta um trilho de bolhinhas.
Aos poucos, vai confiando no meu olhar
e no meu corpo, curioso, sentado na margem.
Observo os seus bigodes
e o seu pêlo negro, que me faz querer morrer primeiro que o usar.
sobre a sua vida.
Não possui um computador.
Pensa que o rio durará para sempre.
Não inveja a casa seca em que habito.
Não se questiona sobre quem ou o quê eu idolatro.
Questiona-se, manhã após manhã, que o rio
é tão fresco e puro e vivo, e ainda
tardo eu em mergulhar.
que nunca deixe de ser atrevida.
e ao oceano as deitares,
ainda amando o movimento,
a dançar ao mundo.
para ser entendidos.
na boca dos cordeiros.
Como rios e pedras estão eternamente
em aliança com a gravidade,
enquanto nós sonhamos com as alturas.
Como duas mãos se tocam, e os elos que criam
jamais serão quebrados.
Como as pessoas vêm, do encanto ou das marcas
das feridas,
para o conforto dum poema.
que pensam ter todas as respostas.
“Olha!” e riem deslumbrados,
e curvam as suas cabeças.
Mas isto direi.
Estava sentada num rio chamado Clarion, numa
pedra salpicada pela água
e pela tarde fora fui escutando as vozes
do rio.
Sempre que a água batia na pedra, esta tinha
algo a dizer,
e a própria água também, e até os musgos,
empurrados debaixo das águas.
E lentamente, muito devagarinho, tornou-se claro para mim
o que eles diziam.
O rio: Sou parte do sagrado.
E eu também, disse a pedra. Eu também, sussurrou
o musgo debaixo de água.
Não o culpo por nada ter acontecido, antes.
Não escutas vozes destas numa hora ou num dia.
Não as escutas de todo, se tiveres os ouvidos cheios de ti próprio.
É difícil escutar o que quer que seja, afinal, através
do trânsito imenso, e da ambição.
Vi as chamas apagarem-se, uma por uma.
Nada podia fazer
que primeiro recebemos
e depois temos de devolver.
Ligações a esta post:
>>> Pedro Belo Clara apresentou outras duas seleções de poemas de Mary Oliver
Notas:
* Seleção e versões a partir dos originais antologiados em Devotions – The Selected Poems of Mary Oliver (Penguin Press, 2017)
1 James A. Wright (1927 – 1980)
foi um poeta norte-americano natural do Ohio, igualmente o estado nativo de
Mary Oliver. Filho de pais com educação quase básica, Wright desenvolveu uma
relativamente longa e laureada carreira como poeta, tendo vencido o Pulitzer em
1972 (assim como o seu filho, também poeta, em 2004, sendo a primeira e única
vez que pai e filho venceram o mesmo prémio). O seu trabalho posicionou-o num
movimento de ruptura em relação às tendências mais em voga na época,
desenvolvidas pela famigerada Geração Beat e pela notória Escola de Nova
Iorque. Tecnicamente um inovador, com verso livre de expressão forte e
profunda, de grande enfoque na imagem, bebendo de influências neo-surrealistas,
Wright tornou-se num dos mais emblemáticos membros do género Deep Image,
livremente traduzido por “Imagem Profunda”. Por mais de vinte e cinco anos
existiu na sua terra natal um festival de poesia em honra da memória e legado
do poeta.
>>> Pedro Belo Clara apresentou outras duas seleções de poemas de Mary Oliver
* Seleção e versões a partir dos originais antologiados em Devotions – The Selected Poems of Mary Oliver (Penguin Press, 2017)
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