Boletim Letras 360º #541
William Carlos Williams. Foto: Arquivo Hulton |
LANÇAMENTOS
Pela primeira vez no Brasil, Paterson, de William Carlos Williams. Livro sai pelo Clube de Poemas
e em seguida fica disponível para os demais leitores.
Depois de uma vida inteira dedicada a inventar um idioma radical em que
predominam a justeza e a beleza, William Carlos Williams decide escrever Paterson,
sua obra-prima, história, ao mesmo tempo, de um homem, de uma cidade, de um
país e de uma cultura com todas suas tensões e contradições. Monumento poético
da literatura norte-americana do século XX, Paterson é um longo poema que
combina verso, prosa, arquivo, corte, montagem e um lirismo de objetividade
cativante. Nele, a poesia do alto modernismo em língua inglesa encontra um
registro que a tudo deseja abarcar. Paterson foi escrito ao longo dos
anos de 1940 e 1950 e sua versão integral só foi publicada postumamente, em
1963. Desde então, o poema tem feito a cabeça de várias gerações e artistas,
entre eles, Jim Jarmusch que dirigiu o filme homônimo em homenagem ao livro. Arthur
Nestrovski escreve no texto de orelha do livro: “Eis um épico de pés descalços,
pisando firme na areia da realidade. Um grande poema democrático em ‘idioma
americano’. O gênio do poeta e as circunstâncias do momento fazem dele, agora
talvez como nunca, um poema do nosso tempo.” Pela primeira vez no Brasil, Paterson
ganha tradução certeira do poeta Ricardo Rizzo, que também assina o posfácio e
as notas. A edição ficou a cargo de Sofia Mariutti.
Livro reúne a produção ficcional de Vilma Arêas.
Todos juntos reúne do
livro de estreia Partidas (1976), ao inédito Tigrão, passando
pelos vencedores do Jabuti Aos trancos e relâmpagos (1988), A
terceira perna (1992) e Um beijo por mês (2018). Completam o volume Trouxa
frouxa (2000) e Vento sul (2011). A apresentação dos sete livros
obedece a uma “cronologia invertida” — começa em 2023 e volta a 1976. Esse
percurso de quase cinquenta anos revela Arêas como a prosadora arguta e
sensível que já despontava em seus escritos iniciais. Revela também certa predileção
sua pelas narrativas curtas, que tomam forma ora em episódio anedótico —, ora
em pequenos “cromos” — descrições em que se identifica com nitidez o olhar de
quem vê. À medida que a leitura avança, chega-se às primeiras ficções, e então
à única narrativa longa que o compõe (Aos trancos e relâmpagos) e à prosa
experimental de Partidas. Do inédito Tigrão, destaca-se a narrativa
homônima que conta a inesperada e circunstancial amizade de um militante de
esquerda com um membro do Esquadrão da Morte numa prisão militar. Páginas
adiante, porém, o leitor encontra o felliniano “Vestidos de palha”, confirmando
que, neste como nos outros livros, a situação política e a desigualdade social
dividem espaço com momentos em que o humor toma a cena, conferindo leveza e
gravidade a seus conjuntos de histórias. A prosa de Vilma Arêas é tão saborosa quanto inclassificável: vai do
teatro à crônica, da descrição de aparente objetividade à narrativa de amor.
Assume às vezes uma feição clariceana, outras vezes faz lembrar o riso
cotidiano de Martins Pena, não por acaso dois autores a que ela dedicou anos de
pesquisa como professora de literatura. Se sua prosa afiada herda traços desses
e de tantos outros autores que estuda, traduz ou de que gosta, ela não deixa de
construir para si um estilo próprio de quem olha para o mundo sem
naturalizá-lo. Os narradores atravessam a cidade com os olhos abertos e os ouvidos
atentos à dicção do outro — parente, colega de universidade, pedinte, policial,
taxista ou um homem que amou; todos são criados com a mesma dignidade. No amplo
e democrático universo de personagens, anônimos e sumidades se esbarram e se
deixam afetar pelo encontro, numa construção generosa da cena (e da vida) que
vale a leitura de cada página e que desperta no leitor o desejo de perambular
por aí até encontrar Vilma Arêas. Com organização de Samuel Titan Jr. o livro
sai pela editora Fósforo. Você pode comprar o livro aqui.
Uma peça a mais na infinita
obra de Hermann Hesse a sair no Brasil.
Publicado em 1914, e com evidente
teor autobiográfico, este é o quarto romance de Hermann Hesse. Nessa época, o
autor (e também pintor) alemão acabara de voltar de viagem, impactado por uma
crise conjugal. Por meio do microcosmo de Rosshalde, Hesse expõe a falência dos
ideais de casamento da classe média e formula uma questão universal: existe,
enfim, equilíbrio possível entre uma vida em conformidade com as expectativas
sociais e uma que honre sonhos de liberdade? Com tradução de Julia Bussius, Rosshalde
é publicado pela editora Todavia. Você pode comprar o livro aqui.
Nova edição do último romance de Luigi Pirandello, conhecido por
revolucionar a literatura italiana do século XX.
Vitangelo Moscarda, filho de um banqueiro, tem sua vida pacata
perturbada por uma simples observação da esposa: seu nariz parece um pouco
caído à direita. Esse comentário leva o protagonista a refletir que cada pessoa
nos enxerga de uma forma diferente, e quem pensamos ser talvez não passe de uma
ilusão criada para nós mesmos. A ferida desta crise identitária, anunciada
desde o começo do romance, logo se converte em um abismo vertiginoso, ao passo
que Vitangelo busca dinamitar sua persona pública de usurário e fundar uma nova
identidade para si, numa jornada tanto de autodescoberta quanto de
autodestruição. Luigi Pirandello — autor da brilhante peça metalinguística Seis
personagens em busca de um autor — nos conduz com maestria por esse percurso
labiríntico em um romance filosófico que questiona os pilares mais básicos do
que significa ser humano na modernidade avassaladora da vida na cidade. Tradução
de Maurício Santana Dias. Um, nenhum e cem mil, saído pela extinta Cosac
Naify está agora na Penguin/ Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
Na primeira grande biografia de Oscar Wilde publicada em trinta anos,
Matthew Sturgis se apoia em vastas novas fontes e pesquisas recentes para, com
sólida fundamentação, situar firmemente o homem no contexto de seu tempo.
A vida de Oscar Wilde — a exemplo de sua inteligência — foi marcada por paradoxos.
Ele foi ao mesmo tempo um precoce expoente e uma vítima da “cultura da
celebridade”: célebre por ser famoso, ele foi enaltecido e ridicularizado em
igual medida. Suas realizações eram frequentemente minimizadas, seu sucesso,
recebido com ressentimento. Ele tinha talento para a comédia, mas almejava
escrever tragédias. Oscar era um esnobe ousado que, no entanto, sentia prazer
em expor os defeitos da sociedade. Demonstrava um desdém afetado, mas era dado
a grandes atos de bondade. Embora tivesse um casamento feliz, tornou-se um
apaixonado amante de homens e, no auge do sucesso, provocou a própria desgraça.
Depois de levar uma vida de prazeres no seio da alta sociedade, Wilde morreu
praticamente sozinho: menos de uma dúzia de pessoas o acompanharam à sepultura.
Na primeira grande biografia de Oscar Wilde publicada em trinta anos, Matthew
Sturgis se apoia em vastas novas fontes e pesquisas recentes para, com sólida
fundamentação, situar firmemente o homem no contexto de seu tempo. Ele dá vida
ao distinto espírito e aos personagens do fin de siècle no mais rico e
convincente retrato de Wilde até hoje. Oscar Wilde: Uma vida sai pela
editora Amarylis. Você pode comprar o livro aqui.
Depois do premiado Lincoln
no limbo, o mestre do conto contemporâneo está de volta com uma nova coleção
de fantasias sombrias e narrativas cheias de humor e absurdo.
Em Dia da libertação, George Saunders volta a empregar seu
talento elástico para criar composições ficcionais incomuns. São nove textos de
estilo e arranjo variados, que tratam de quem somos nós nesse mundo
incompreensível em que vivemos. Tal os personagens deste livro, somos aqueles
incapazes de perceber as construções sociais e familiares que nos obrigam a
cumprir tarefas que nunca se completam, vivendo numa espécie de atuação
permanente para uma suposta audiência que nunca chega. Somos também aqueles
que, ao tentar fazer o que é certo, descobrem que a cada ação embrenha-se mais
e mais numa cadeia de efeitos que só nos afasta da certeza e da correção. Vivemos
num mundo onde as relações estão contaminadas pelo uso inescrupuloso e
automatizado da linguagem, em que todos os dias se viola “mais uma norma de
decoro” a ponto de não restar “nenhuma forma de indignação”. Somos
trabalhadores lobotomizados para a satisfação de uma “companhia”, escravizados
num parque de diversões, ou então temos nossas memórias apagadas e nos tornamos
zumbis extremistas. Mas somos também mães e pais de família protetores, com
histórias de trabalho, de traição, ganância e ciúmes. Ao percorrermos estes
contos, Saunders nos faz sentir um prazer estranho, como o de “um fantoche que,
apanhado no chão, desfruta das mãos que repentinamente o manipulam”. Um livro
desconcertante e libertador. Com tradução de Jorio Dauster, o livro sai pela Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
Poesia é risco, o novo livro de Diego Pansani.
Já na primeira metade do século passado, Mário de Andrade celebrava que
os poetas posteriores ao Modernismo haviam conquistado o “direito de errar”, ou
seja, a possibilidade de investigar novos caminhos, mesmo que acidentados,
longe de segurança da tradição. Estar sujeito ao erro, longe de ser uma
deficiência, é uma virtude do poeta, o que há de ter, décadas depois, inspirado
Augusto de Campos, ao transpor seus poemas para o suporte musical, a
acrescentar de maneira sintética, poesia é risco. Atento à polissemia dessa
expressão, Pansani intitula seu novo livro justamente de Poesia é risco,
o que não apenas nomeia um conjunto de poemas, mas insere seu autor nas
fileiras dos poetas que desafiam a convencionalidade. Ele próprio aponta o caminho ao sinalizar: “preto riscando o mundo
branco: propondo uma coisa nova”. Aí está a síntese de sua poética, extrair
novos poemas de poemas prévios. Trata-se de um procedimento conhecido como
blackout, que consiste em ocultar partes de um texto, fazendo com que as palavras
poupadas se destaquem e formem uma nova obra. Se os primeiros exemplos de blackout esmiuçavam escritos do cotidiano,
os de Pansani vão além, pois sua matéria prima são outros poemas, o que
evidencia sua postura diante da poesia: “é o canto contra o canto que procuro”.
E aí talvez esteja um toque sacrílego para uns, iconoclasta para outros. [...]
Quando passamos pelos blackouts de Poesia é risco fica nítido que não estamos
no plano da citação, mas sim no da colagem, na qual o original deve
simplesmente desaparecer, e mesmo quando não desaparece completamente, seja
porque o poeta empregou uma tinta com alguma transparência, seja porque o
modelo é bastante conhecido, o que importa é a escolha, o corte, a rasura e a
montagem; o que importa é o novo texto, o poema de sua autoria. Essa operação
posta em prática por Pansani, que consiste em apagar em parte o texto alheio e
apropriar-se do restante (“por debaixo da roupa me habitam páginas de
literatura alheia”), nos permite concluir que, enquanto nosso padrão habitual é
escrever por adição, acrescentando palavras após palavra, a poética de Pansani
se faz por subtração, pelo corte, pela exclusão. Como escrever se contrapõe a
apagar, com Poesia é risco nos vemos diante de uma tinta secreta que
talvez possa ser compreendida como uma poética negativa ou uma antipoética.
(Trechos do posfácio, de Paulo Ferraz). O livro é publicado pelas Edições
Jabuticaba.
Um dos principais expoentes da
literatura em língua francesa escrita no Caribe chega aos leitores brasileiros.
Protagonizado por Télumée Lougandor,
Chuva e vento acompanha quatro gerações de mulheres caribenhas
esperançosas e determinadas, à despeito das condições históricas e sociais que
as afetam. Rica em detalhes, a obra traz descrições exuberantes e imaginativa
de Guadalupe, revelando um ambiente permeado por reivindicações ancestrais,
sonhos e os desafios da experiência colonial e patriarcal. Trabalhadora rural
sob o julgo de grandes proprietários de terra, Télumée Lougandor é criada pela
avó Toussine (a Rainha Sem Nome), de quem extrai toda serenidade e compreensão
do mundo. Ao passar pelo cotidiano de cada geração que antecede a protagonista,
o livro evidencia o valor dos complexos conhecimentos acumulados ao longo do
tempo, reforçando uma sabedoria que tem alicerce nas experiências comunitárias.
Sob perspectivas que valorizam os papeis de mulheres negras frente ao legado do
colonialismo, Chuva e vento é capaz de permitir uma leitura sensível e
também violenta da história, sempre oferecendo perspectivas de vida
propositivas. É por isso que ao longo de todo o texto Telumée tem consciência
para afirmar que seus “ancestrais foram escravos nesta ilha de vulcões,
ciclones e mosquitos, de mentalidade perniciosa”, ao mesmo tempo em que refuta
com a certeza de que “atrás de uma dor há outra dor, a miséria é uma onda sem
fim, mas o cavalo não deve te conduzir, é você que deve conduzir o cavalo”. Marco
na literatura em língua francesa, Chuva e vento sobre Télumée Milagre se
filia como uma obra de uma importante tradição de escritores negros do Caribe e
da América. Ao abordar temas como
ancestralidade, fé e violência, o livro de Simone Schwarz-Bart mescla denúncia social e realismo
mágico, sempre com fortes tons poéticos e líricos. O romance foi traduzido por
Monica Stahel e conta com
ensaios de Itamar Vieira Junior e Vanessa Massoni da Rocha. Publicação da
editora Carambaia. Você pode comprar o livro aqui.
REEDIÇÕES
A Nova Fronteira reedita Romance negro e outras histórias, de Rubem Fonseca.
Publicado pela primeira vez em 1992, este livro traz às vistas do leitor
contos que investem na problemática do homem moderno e sua consciência. Como
sempre, Rubem Fonseca nos envolve do início ao fim com seu estilo único e
fascinante. Nestas sete narrativas que trazem o tom inconfundível de Rubem
Fonseca, o leitor encontrará, além do submundo dos seres marginalizados, as
angústias e prazeres que fazem parte do processo da escrita e da leitura. No
primeiro conto do livro, “A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro”,
acompanhamos Augusto/Epifânio, um aspirante a escritor, ex-funcionário de uma
companhia de águas e esgotos, que passeia pelas ruas do Rio de Janeiro anotando
em um caderno tudo o que vê. Já na última história, que dá título ao livro, uma crítica repleta de
sarcasmo é feita ao próprio romance noir e ainda ao universo literário,
sem livrar editores, autores e críticos. Uma excelente escolha para leitores
apaixonados ou que querem conhecer o estilo brutalista característico ao autor. Você pode comprar o livro aqui.
Inédito de Milan Kundera. A Companhia das Letras publica em novembro texto em que o escritor apela ao Ocidente as idiossincrasias da Europa Central.
Todo Píndaro 1. A editora
Mnēma, especializada na publicação de clássicos, começará a publicar a tradução
completa de todas as obras de Píndaro: as Odes olímpicas, as Odes nemeias, as
Odes píticas e as Odes ístimicas.
Todo Píndaro 2. O primeiro volume a ser disponibilizado reúne
as Odes olímpicas. A tradução e estudo dos textos é de Robert de Brose.
DICAS DE LEITURA
Na aquisição de qualquer um dos
livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a
manter o Letras.
1. Onde pastam os minotauros,
de Joca Reiners Terron (Todavia, 184 p.) O escritor continua a investigação
começada em A morte do meteoro e continuada em O riso dos ratos, sobre
um tempo selvagem circunscrito entre o mito, o poético e o trágico. Um dia
marcado minuto a minuto num matadouro isolado no interior do Centro-Oeste
brasileiro constitui o tempo e o espaço deste thriller labiríntico em que a
realidade é violência, solidão e miséria. Você pode comprar o livro aqui.
2. Dicionário de artistas:
breves notas, de Gonçalo M. Tavares (Dublinense, 160 p.) Que os livros
poucos convencionais deste escritor nada convencional cheguem aos leitores
brasileiros é um feito de qualidades impublicáveis. Neste livro, Tavares
continua seu projeto de subversão das formas: um dicionário que nada explica ou
define coloca o leitor em contato com um universo de pura invenção. Como em Atlas
do corpo da imaginação, o verbal dialoga com o visual, a partir das
fotografias do grupo Os Espacialistas. Você pode comprar o livro aqui.
3. Homem de papel, de João Almino (Record, 416 p.) Recuperado o conselheiro
Aires da literatura de Machado de Assis e feito protagonista num tempo
totalmente outro mas em que os gestos do ciúme, da traição, do medo, do orgulho
e da vaidade ainda continuam os mesmos. Você pode comprar o livro aqui.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
Daqueles momentos raros que as efemérides fazem com que
pesquemos na infinita web. Dois minutos e meio de uma entrevista com Ernest Hemingway. O registro feito em Havana em 1954 pela empresa de fundição National
Broad mostra o escritor explicando por que não poderá viajar para a Suécia para
receber o Prêmio Nobel e sobre um novo livro em que está trabalhando, sobre a
África.
BAÚ DE LETRAS
Sublinhamos o 130.º ano de
nascimento de Vladimir Maiakóvski relembrando este texto de Francis Combres
copiado para o arquivo do Letras em 2008: “Maiakóvski: o farol que era
um poeta”.
A menção à publicação de Paterson
no Brasil, nos fez recordar o filme de Jim Jarmusch. O dia-a-dia de um
simples motorista de ônibus que nas horas livres encontra na poesia à maneira
do seu autor-referência William Carlos Williams outra maneira de ver o
cotidiano. Leia sobre o filme aqui.
DUAS PALAVRINHAS
Um escritor pode ser comparado a
um poço. O importante é ter-se boa água no poço, e é melhor tirar-se dele uma
quantidade regular de água do que bombear o poço até secar e esperar que ele
torne a encher.
— Ernest Hemingway
...
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