Boletim Letras 360º #540

Albert Camus. Foto: Daniel Fallot


LANÇAMENTOS
 
Em uma reunião de 34 textos de palestras de Albert Camus, Conferências e discursos: 1937–1958 é uma excelente porta de entrada ao pensamento camusiano e uma introdução a um dos gênios filosóficos mais influentes do século XX.
 
Não há melhor forma de reconhecer a imagem que Albert Camus tinha de incansável, artífice das palavras e implacável do que em seus discursos. Além de gênio do pensamento filosófico e da escrita, Camus era mestre da oratória. Conferências e discursos reúne 34 textos de palestras de Albert Camus realizadas entre 1937 e 1958, incluindo “O tempo dos assassinos” ― preparado para ser apresentado em diversas cidades no Brasil em 1949. De uma palestra a outra, o autor argelino oferece um diagnóstico do que chama de “crise do homem”, esforçando-se para devolver a voz e a dignidade àqueles que foram privados delas ao longo de meio século pelas mais variadas formas de violência. Para ele, era a própria civilização que estava em jogo. Camus erguia a voz pela liberdade e pelo respeito à humanidade, fosse pelo fim da Segunda Guerra Mundial, fosse pela revolução de sua amada Argélia. Em todos os casos, o autor de O estrangeiro sempre foi inclemente com ideias que desejavam subjugar pessoas a qualquer forma de ideologia. Para Albert Camus, é trabalho da humanidade, de acordo com a capacidade de cada indivíduo, opor-se à infelicidade do mundo para diminuir o sofrimento que há nele. E o vencedor do Prêmio Nobel não poderia escapar desse dever e dessa honra. “Gosto mais dos homens engajados que das literaturas engajadas”, escreveu Albert Camus em seus Cadernos. “Ter coragem na vida e talento nas próprias obras já não é nada mal.” Com tradução de Clóvis Marques, o livro é publicado pela Record. Você pode comprar o livro aqui.
 
Uma antologia com a poesia de Rodrigo de Souza Leão.
 
Lowcura é uma coleção de poemas organizada de modo a permitir uma visão ampliada da poesia de Rodrigo de Souza Leão. Ela representa quase a metade de tudo que ele deixou escrito. São versos abarrotados de enigmas, jogos de palavras, neologismos, realismo, fantasia, o fascínio pelas cores, a indignação com a realidade social. Há uma predominância pelo dilema da loucura, que o poeta enfrenta com ironia, bom humor e crítica. Como se vivesse em uma corda bamba, entre o sentido e a razão. Este livro reúne poemas publicados em 20 livros (alguns, inéditos, como “Brincar de viver”, “Sabotador de infinitos”, “Dias de Leão”, “1965 & outros poemas”) e 12 e-books publicados entre os anos 2000 e 2007, no CD “Krâneo e seu neurôneo”, lançado em 2007, mixado pelo poeta Tavinho Paes e musicado por Gizza Negri; poemas assinados por Romina Conti (pseudônimo do autor no coletivo Escritoras Suicidas) e publicações feitas em seu blogue Lowcura. Organizado por Ramon Nunes de Mello, Silvana Guimarães e Jorge Lira, o livro com prefácio de Ronaldo Bressane é publicado pelo Selo Demônio Negro.
 
Obra-chave do teatro de Strindberg ganha tradução no Brasil.
 
August Strindberg (1849-1912) escreveu mais de sessenta peças de teatro, além de romances e contos, e é considerado um renovador da literatura sueca. Credores foi escrita pelo autor numa época de grande produção artística, entre os anos de 1886 e 1890, quando escreveu cinco de suas peças mais conhecidas: Camaradas, Pai, Senhorita Júlia, A Mais Forte, além desta. Sua produção literária tem fortes traços autobiográficos, e segundo Elizabeth R. Azevedo no prefácio deste livro, a originalidade de sua obra está relacionada à modernização da forma, mais do que a novidades no enredo: a peça apresenta o tradicional triângulo amoroso, caro aos textos do realismo e naturalismo. Os conflitos e as contradições entre os três personagens são amplificados pela unidade de ação e o complexo jogo de ironia dramática que se desenrola. Esta edição conta com tradução direta do sueco feita pelo diretor Eduardo Tolentino de Araújo, em cotejo com outros idiomas. O livro integra a Coleção Em Cena editada pela Edusp. Você pode comprar o livro aqui.
 
Outra vez Electra.  
 
Em Áulida, junto ao estreito de Euripo, reúnem-se os exércitos gregos para expedição contra Troia, sob o comando de Agamêmnon, durante um tempestuoso inverno que impedia a navegação. O adivinho do exército, Calcas, anuncia que a Deusa Ártemis abriria o caminho do mar mediante o sacrifício de Ifigênia, filha de Agamêmnon. Coagido pelo compromisso de chefe da expedição, o rei aceita a condição imposta pelo oráculo, imola a filha no altar a Ártemis e pode, enfim, navegar para atacar Troia. A guerra dura dez anos, os gregos alcançam a vitória e voltam a seus lares. Ao chegar em sua pátria, Agamêmnon é assassinado por sua esposa, Clitemnestra, que assim pune o marido pela morte de Ifigênia, com a cumplicidade de seu primo e amante, Egisto, que desposa a rainha e passa a exercer com ela o poder em Argos. Electra, filha de Agamêmnon, subtrai seu irmão, Orestes, da sanha dos usurpadores e o entrega a um servo fiel, que o leva em segurança à Fócida, onde se abriga e chega à idade adulta. Para Electra o passar dos anos não abranda a dor do luto, o pranto e o desejo de justiça punitiva dos matadores de seu pai e usurpadores do trono. Ela sobrevive com a esperança de que Orestes um dia regressasse a Argos para punir a morte do pai e resgatar o trono paterno. O retorno de Orestes a Argos e suas consequências constituem o entrecho da tragédia Electra, de Sófocles, agora apresentada em edição bilíngue na tradução de Jaa Torrano pelas editoras Ateliê Editorial e Mnēma associadas. Acompanham a obra ensaios analíticos e interpretativos, bem como um glossário mitológico, elaborados pelo tradutor e por Beatriz de Paoli. Electra é o quinto volume do projeto de edição completa das sete tragédias supérstites de Sófocles, precedido de Ájax, As Traquínias, Antígona e Édipo Rei, e seguido por Filoctetes e Édipo em Colono. (José de Paula Ramos Jr.).

Nova edição de um dos principais romances de Ernesto Sabato.
 
Pode-se que dizer que O túnel é um romance policial pelo avesso. O crime e seu autor são revelados na primeira frase do livro pelo protagonista e assassino, o pintor Juan Pablo Castel. Segue-se um relato angustiado das circunstâncias e engrenagens íntimas que o levaram a matar a mulher pela qual se apaixonou, María Iribarne, depois de vê-la observando atentamente, numa exposição, um quadro de sua autoria. Não há detetives, mas uma autoinvestigação que tangencia a loucura, embora recoberta por uma racionalidade aparentemente rigorosa. Breve e poderoso, O túnel foi o primeiro romance (1948) de Ernesto Sabato (1911-2011), um dos grandes escritores argentinos num século em que houve muitos. A tradução é de Sergio Molina e o posfácio, de Caio Sarack, mestre em filosofia pela Universidade de São Paulo. Físico de formação, o autor já havia publicado artigos e livros de ciência e filosofia. O túnel, contudo, o apresentou para um público amplo e conferiu a Sabato prestígio imediato, dentro e fora da Argentina. Com fortes tintas existencialistas, o romance chamou a atenção de Thomas Mann e Albert Camus — este promoveu sua publicação na França. Como os anti-heróis de Sartre e do próprio Camus, o protagonista de O túnel é um “eu” em processo de desintegração, preso num túnel que não consegue romper. Tanto assim que os demais personagens do romance — o marido cego de María, um primo e uma prima dela, alguns amigos de Castel, até a própria María — têm algo de fantasmagórico. Pois quem conduz a história é Castel, guiado por sua paranoia e sua raiva. A Castel faltam compaixão e habilidade para se comunicar e sobram niilismo e repulsa pela humanidade, sobretudo pelos críticos de arte. Nutre uma impaciência que o torna violento com frequência; sua insatisfação o leva a desejar reter a presença e a atenção de María, o que se revela impossível. A relação entre os dois se alterna entre momentos de ternura voláteis e muitas situações de atrito. Como diz Caio Sarack no posfácio, Castel “é um condenado, e não um sujeito autônomo”, e Sabato, “um autor que quer provocar instabilidades”. Para isso, o escritor aborda os labirintos da mente do protagonista com um texto de clareza exemplar. “Desejo ser seco e não enfeitar nada”, afirmou Sabato certa vez. O resultado é um texto quase hipnótico em sua rapidez, o que deve explicar parte do sucesso de O túnel entre leitores de todo o mundo. Um sinal disso é o fato de o romance ter originado três longas-metragens argentinos (em 1952, 1977 e 1988). Livro publicado pela editora Carambaia. Você pode comprar o livro aqui.
 
Entrar no universo de Khodassiévitch.
 
Esta “cidade dos mortos” é certamente o trabalho mais conhecido e traduzido de Vladislav Khodassiévitch. Poucos textos terão exercitado de forma tão consumada a arte acridoce da rememoração de personalidades literárias. Tal gênero do “retrato” é essencial à tradição literária russa, tão central lá quanto pouco explorado entre nós, pela literatura brasileira. Cruel e terno, Khodassiévitch constrói um baú de ossos de talhe próprio, cheio de figuras vivas e do colorido tão peculiar a uma intelliguêntsia russa que agora estava “dormindo profundamente”, no verso de Bandeira tornado epígrafe por Pedro Nava. Um século antes do poeta exilado, o publicista Piotr Tchaadáiev não teve dúvidas em localizar a sua famosa “Carta filosófica” na cemiterial “necrópolis” que era a Moscou de Nicolau I — note-se aqui o uso do termo grego, “bizantino”, em contraste com a forma latina, sedutora imagem da cultura ocidental. Em 1936, não sabemos se a “necrópole” de Khodassiévitch é a atraente Paris, metamorfoseadora de poetas em motoristas de táxi, ou a Moscou stalinista. (Bruno Barretto Gomide). Necrópole: memórias, de Vladislav Khodassiévitch sai pela Edições Jabuticaba com tradução de Bruno Barretto Gomide.
 
Rodrigo Casarin e os livros.
 
Com a intimidade de quem dedica a vida a escrever sobre livros, o jornalista Rodrigo Casarin circula por uma extensa e variada biblioteca, conduzindo os leitores entre clássicos, contemporâneos, quadrinhos, leituras inesquecíveis, incômodas ou empacadas. Em crônicas que exploram dilemas corriqueiros da vida entre os livros, o autor narra com bom humor e sem rodeios suas próprias experiências como leitor: as numerosas tentativas para vencer Cem anos de solidão, a relação afetiva com o Menino Maluquinho, a busca por tesouros escondidos nos sebos, a simbologia de Dom Quixote em sua vida pessoal. Convocando nomes como Umberto Eco, Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector e Murilo Rubião, Casarin também projeta a partir dos livros um olhar sobre o mundo. A biblioteca no fim do túnel é uma conversa descontraída em que a literatura é inseparável do cotidiano, da sociedade, do tempo que nos falta, das manias de cada um, da mesa de bar, do futebol, das eternas inquietações humanas e da imprescindível busca por prazer. O livro pela editora Arquipélago. Você pode comprar o livro aqui.
 
A entrada de Aixa de la Cruz no Brasil.
 
Já faz seis meses desde que Carmen cortou os pulsos na banheira e ninguém sabe o porquê. Agora, suas quatro netas voltam para a casa onde a avó morreu. Lis está se recuperando de uma crise que teve ali e só quer vender o imóvel e seguir em frente. Sua irmã, Erica, sonha em organizar retiros espirituais e passeios botânicos nos entornos. Olivia, a mais velha das netas, é cardiologista e procura em cada gaveta alguma pista que ajude a explicar a morte da avó. Nora, por sua vez, pensa em deixar que seu traficante use a casa como depósito. Quatro mulheres jovens e uma herança comum a decifrar: seria apenas uma casa ou uma maldição que corre nos genes? As herdeiras, da espanhola Aixa de la Cruz sai com tradução de Marina Waquil pela DBA Editora. Você pode comprar o livro aqui.
 
O corpo entre a história, o desejo, o afeto.
 
O corpo que protagoniza Exploração é conflagrado por questões que remontam à história e se desdobram nos incertos movimentos do desejo e do afeto. Gabriela Wiener une jornalismo e ensaio para insurgir-se contra o jugo colonial de territórios, imaginário e tesão. Wiener define o ensaio pessoal, gênero que honra na altura de uma Vivian Gornick, como “o sofrido artesanato do eu”. Não se poderia encontrar definição melhor do exercício que resulta nestas páginas espantosas. Com tradução de Sérgio Molina, o livro é publicado pela editora Todavia. Você pode comprar o livro aqui.

OBITUÁRIO 

Morreu Milan Kundera

Milan Kundera nasceu em Brno, República Tcheca, a 1.° de abril de 1929 e morreu em Paris, França, a 11 de julho de 2023, onde se exilou desde cedo escapando do regime comunista em seu país. Autor singular, um dos mais importantes do século XX, se destacou com romances como A insustentável leveza do ser (1983). No mesmo gênero, escreveu ainda títulos como A brincadeira (1967), A imortalidade (1990), A lentidão (1995), A identidade (1997) e A festa da insignificância (2014). Exímio ensaísta, escreveu, entre os ensaios, livros como A arte do romance (1986), Os testamentos traídos (1993), A cortina (2005) e Um encontro (2003).

RAPIDINHAS
 
O jardim cresceu. A Quelônio publica uma 2.ª edição de O livro dos jardins, de Ana Martins Marques com quatro novos poemas. 

José Paulo Paes, o crítico. A Ateliê Editorial e a Cepe publicam em breve dois volumes reunindo a crítica literária que José Paulo Paes dedicou a obras da literatura brasileira. O material organizado por Fernando Paixão e Ieda Lebensztayn inclui vários textos até então inéditos em livro. 

O novo romance Salman Rushdie. Quando sofreu o atentado nos Estados Unidos, um novo romance escritor estava a caminho numa campanha ousada de pré-venda. Este livro sairá no Brasil em setembro com tradução de Paulo Henriques Britto como Cidade da vitória pela Companhia das Letras.
 
DICAS DE LEITURA
 
Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
1. Os moedeiros falsos, de André Gide (Trad. Mário Laranjeira, Estação Liberdade, 424 p.) Romance circunscrito nas fronteiras da prosa metaficcional. Três protagonistas e um deles em labor do seu próprio livro que é o livro que lemos. Mas o livro que lemos pode ser também o que criamos. Um caleidoscópio. Um jogo de espelhos. Você pode comprar o livro aqui
 
2. Derrubar árvores, de Thomas Bernhard (Trad. Sergio Tellaroli, Todavia, 192 p.) O longo fluxo de consciência de um narrador sentado a um canto da sala de jantar na casa de um casal de amigos perfaz a leitura mordaz da burguesia ocidental, especificamente da classe artística que se diz intelectual. Você pode comprar o livro aqui

3. O tagarela, de Louis-René des Forêts (Trad. Pablo Simpson, Carambaia, 141 p.) O monólogo de um homem atormentado por sua presença incômoda no mundo depois de experimentar sensações ambíguas durante uma caminhada que o leva a, sob efeito do álcool, meter-se num triângulo amoroso formado por uma mulher que ele convida para dançar e o namorado dela. Você pode comprar o livro aqui
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
No passado 12 de julho celebramos o aniversário de Pablo Neruda. Do blog da Revista 7faces recordamos cinco poemas do poeta chileno Prêmio Nobel de Literatura em 1971.
 
BAÚ DE LETRAS

O leitor poderá encontrar vários textos sobre a obra e o escritor Milan Kundera. Sublinhamos alguns:

1. Dois comentários sobre dois dos seus livros de ensaios — este sobre A arte do romance; e este sobre A cortina

2. Dois textos em forma de perfil —  aqui e aqui

3. A aproximação de Milan Kundera com os escritores latino-americanos via Gabriel García Márquez. O texto está aqui

4. Algumas leituras sobre os seus romances — A ignorância, A brincadeira, A imortalidade e  A festa da insignificância.

Neste endereço encontrará um breve perfil de Rodrigo de Souza Leão, escritor que tem agora publicada parte da sua prolífica obra poética. 

No mês de junho, um dos  principais romances da literatura latino-americana do século XX, O jogo da amarelinha, de Julio Cortázar, completou seis décadas da sua primeira edição. Em 2013, no cinquentenário, publicamos esta série de textos sobre o livro.
 
DUAS PALAVRINHAS
 
Sentimos muito bem que nossa sabedoria começa onde a do autor termina, e gostaríamos que ele nos desse respostas, quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos desejos. Estes desejos, ele não pode despertar em nós senão fazendo-nos contemplar a beleza suprema à qual o último esforço de sua arte lhe permitiu chegar.
 
— Marcel Proust, Sobre a leitura

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