Vida de Szymborska

Por Juan Malpartida


Wisława Szymborska. Foto: Judyta Papp



Wisława Szymborska (1923-2012) pertence a uma geração de poetas poloneses com nomes como Czesław Miłosz, Zbigniew Herbert, Tadeusz Różewicz ou Stanisław Grochowiak. Para entender a cultura literária que antecede e dá origem ao mundo em que Szymborska se formou, o erudito e memorável livro de Aleksander Wat (1900-1967) O meu século é extremamente útil. A este devemos acrescentar pelo menos O pensamento e Outra Europa, de Miłosz.
 
Anna Bikont e Joanna Szczęsna, em Quinquilharias e recordações. Biografia de Wisława Szymborska produziu um trabalho detalhado sobre a vida desta grande poeta. Não apenas investigaram suas publicações e documentos de arquivo, mas também pediram testemunhos de amigos e conhecidos de Szymborska e dela mesma. O melhor da obra tem a ver com a proximidade com a autora, além de uma pesquisa que, embora ainda incompleta, é notável. O pior, a falta de contraste e avaliação do personagem. As autoras são tão próximas, admiram e respeitam tanto que não conseguem enxergar, não direi totalmente, seria ingênuo, mas com a amplitude e complexidade necessárias. No entanto, recomendo fortemente a leitura para quem ama poesia e o mundo de Szymborska.
 
A partir dessa atitude aproximei-me das centenas de páginas sobre uma autora que afirmava que a sua vida estava nos seus poemas, e embora esta biografia seja repleta de anedotas e por vezes minúcias, também foi alimentada, e muito, pela sua poesia. A autora está aí, embora, como sempre, nos tenha escapado um pouco. Sem dúvida a encontraremos completa em sua obra, onde a biografia foi transcendida numa vida que, em certa medida, também é nossa. Esse é o paradoxo da relação entre vida poética e biografia. A própria poeta disse certa vez estar “convencida de que as lembranças que tenho dos outros ainda não alcançaram sua forma definitiva”, apontando assim a dificuldade de ver os outros e de se conhecer.
 
Ao contrário de qualquer jovem romancista de meia-idade, até a data de receber o Nobel, aos 73 anos, Szymborska só dera apenas cerca de uma dezena de breves entrevistas. Nascida em Poznań em 2 de julho de 1923, desde 1929 foi viver na Cracóvia. Tinha dezesseis anos quando a Polônia foi ocupada pelas tropas nazistas em 1939, seguida no leste pela União Soviética. Durante a guerra, 20% da população polonesa morreu.
 
A República Popular da Polônia abrangeu o período de 1945 a 1989. Szymborska chegou a ser uma jovem stalinista, filiada ao partido (POUP) entre 1950 e 1966, quando entregou sua carteirinha em solidariedade a Leszek Kołakowski. Ele se censurou por não ter feito isso antes, mas realmente não sabemos por que não o fez. Reconheceu a confusão política da jovem que veio dedicar um poema laudatório a Stálin em 1954 por ocasião de sua morte (“Nada da sua vida será esquecido”). É verdade que nessa admiração ela foi acompanhada por respeitados intelectuais obnubilados de muitos outros países.
 
Mais adiante, Szymborska foi muito crítica com os textos de seu trabalho “comprometido”, que foram intitulados Por isso vivemos. Diz com ironia que naquela época ela, sobre o que era bom para a humanidade em termos políticos, “achava que sabia tudo melhor”. A maravilhosa poeta que conhecemos, e prosadora daquelas notáveis ​​e divertidas Leituras não obrigatórias, é outra, e em parte surge como reação àqueles tempos sombrios: um espírito cético sustentado por uma cordialidade incontornável. Adam Zagajewski disse: “Ela construiu sua obra da maturidade com base em repensar aqueles anos.”
 
Szymborska teve dois casamentos, com o poeta Adam Włodek, com quem se oficializou a união em 1948 (se separariam, mantendo uma grande amizade, em 1954), e o escritor Kornel Filipowicz, de 1967 até sua morte em 1990, embora ambos residissem em casas diferentes. Filipowicz foi uma influência decisiva na formação do olhar da poeta sobre a natureza. Deve-se notar que Szymborska sempre levou uma vida muito modesta, mesmo depois de receber o Nobel. Não precisava de muito, e seu amor pelos objetos caía no kitsch mais barato. Possuiu poucos livros e quase não viajou antes do famoso do galardão sueco, embora seja digno de nota sua estada em Paris entre 1957-58, quando foi bolsista junto com Mrożek e Nowak. Durante largo tempo ganhava a vida com suas colaborações e como editora da revista Vida literária.
 
Não tinha casa própria, nem filhos. Leitora desde criança, mas seguindo seu instinto, certeira em contribuir para o desenvolvimento de seu próprio mundo, alheia à história da literatura e às modas neste meio. Gostava de Dickens, Swift, Twain, Samuel Pepys e adorava Montaigne, sobre quem disse uma vez que seu nome era pronunciado “enfatizando a última sílaba e ajoelhando-se”. Dostoiévski não (psicológico e emocional demais para esse espírito um tanto distante da tradição romântica), mas Thomas Mann, decisivamente. Simpatizava com o personagem Sherlock Holmes, e era fascinada pelo cinema de Fellini, também por Chaplin, Orson Welles, Kurosawa, Hitchcock e Woody Allen.
 
Szymborska tinha uma queda por jogos, pelo trabalho com a colagem. Escreveu limericks durante toda a sua vida. A maior parte da sua obra é composta em verso livre, sabendo muito bem a enorme dificuldade que isso implica (“não suporta uma só palavra a mais”). Mais gostos: Rilke e Kaváfis. E na pintura, Vermeer.
 
Quase nunca escreveu ou falou de poesia e poética, e menos ainda de sua própria poesia. Não tinha cães ou gatos em casa, apenas um papagaio. Embora vivesse num país profundamente católico, Szymborska cedo se iniciou no agnosticismo não sem uma simples atitude de reverência pela vida. Via o grande no pequeno e desconfiava do grandiloquente, mesmo que fosse o cosmos. Não gostava de participar de eventos públicos, dar recitais de sua poesia ou grandes eventos; ela era uma solitária que cultivava a amizade.
 
Tanto a sua poesia como a sua prosa fala-nos de um mundo inteligente, tocado pelo humor, pela ironia e pela compaixão. É reveladora em seu olhar e em suas poses fotográficas: há perspicácia nos seus olhos e uma aproximação distanciada. É um olhar, quase sempre sorridente, que nunca compreenderemos plenamente, irredutível. Uma espécie de filósofa que, na hora de se expressar, é poeta; uma poeta que pensa a partir da poesia. Esse olhar diz-nos que a vida é dura, mas apesar de tudo existe um pouco de magia quando menos esperamos.
 
Por fim, não esqueçamos que ela gostava de cerveja, vodca e cigarros. Nas festividades do Nobel, ele saiu com o rei da Suécia para fumar um cigarro. Já não aguentava mais, e Sua Majestade agradeceu enquanto também acendia um cigarro. A sua biografia faz-nos compreender melhor a sua poesia, e esta para nós mesmos mas resolvida em momentos graciosos: “Não há vida / que pelo menos por um momento, / não tenha sido imortal.” É isso que me parece estar em sua poesia: uma vida que, por um instante, é imortal. 


* Este texto é a tradução livre para “Vida de Szymborska”, publicado inicialmente aqui, em Letras Libres.

Comentários

AS MAIS LIDAS DA SEMANA

A poesia de Antonio Cicero

Boletim Letras 360º #607

Boletim Letras 360º #597

Han Kang, o romance como arte da deambulação

Rio sangue, de Ronaldo Correia de Brito

Boletim Letras 360º #596