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Mostrando postagens de junho, 2023

Vida de Szymborska

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Por Juan Malpartida Wisława Szymborska. Foto: Judyta Papp Wisława Szymborska (1923-2012) pertence a uma geração de poetas poloneses com nomes como Czesław Miłosz, Zbigniew Herbert, Tadeusz Różewicz ou Stanisław Grochowiak. Para entender a cultura literária que antecede e dá origem ao mundo em que Szymborska se formou, o erudito e memorável livro de Aleksander Wat (1900-1967) O meu século é extremamente útil. A este devemos acrescentar pelo menos O pensamento e Outra Europa , de Miłosz.   Anna Bikont e Joanna Szczęsna, em Quinquilharias e recordações. Biografia de Wisława Szymborska produziu um trabalho detalhado sobre a vida desta grande poeta. Não apenas investigaram suas publicações e documentos de arquivo, mas também pediram testemunhos de amigos e conhecidos de Szymborska e dela mesma. O melhor da obra tem a ver com a proximidade com a autora, além de uma pesquisa que, embora ainda incompleta, é notável. O pior, a falta de contraste e avaliação do personagem. As autoras são tão

Orhan Pamuk: a escrita oral

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Por Alberto Hernando Orhan Pamuk. Foto:  Alvaro Canovas Desde quando, em 2002, Orhan Pamuk recebeu por  Meu nome é vermelho (1998) o Prêmio de Melhor Livro Estrangeiro na França, o Grinzane Cavour na Itália e o International Impac em Dublin, a projeção internacional de sua figura e obra foi crescendo. Três anos mais tarde, um acontecimento alheio à literatura fez dele figura mediática: foi julgado na Turquia, acusado de insultar o Estado por algumas das suas declarações no jornal suíço Tages-Anzeiger , onde afirmava que negar a morte de um milhão de armênios e cerca de trinta mil curdos, perpetrada no início do século XX, constituía uma ferida aberta e um tabu injustificável para a sociedade turca.  No último caso, felizmente, ajudado pela pressão da imprensa ocidental, após ouvir o processo judicial, Pamuk seria absolvido (assim como Elif Shafak, também processada por motivos semelhantes). A perseguição política ao escritor turco — onde coincidiam militares laicos, fundamentalistas i

Império da luz: a ciência e o sonho

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Por Cristina Aparicio Todo filme cobra uma escolha. Diante da (assim espero, grande) tela, o público sempre escolhe entre a magia ou o artifício. Porque o cinema, mais do que qualquer outra arte, exige certo pacto sagrado, aquele que se faz com a ficção e que é responsável por dotar de verdade a construção de múltiplos universos. É por isso que, ao ocupar a poltrona, convivem no espectador dois estados mentais que lutam para prevalecer um sobre o outro: a vontade analítica de decifrar as complexidades científico-tecnológicas do cinematógrafo, ou a imperiosa necessidade de se deixar fascinar pela narrativa fílmica. Aqui, por que esconder, defendemos fortemente o último. E é que seria absurdo negar os esforços técnicos que tornam possível a existência da sétima arte, e mesmo assim... o como importa diante de tamanha maravilha? Porque, além disso, atentemos para o fato de que o cinema também é fruto de um erro: aquele que causa o fenômeno phi que o projecionista de Império da luz (Toby

O campus roman e o caminho de Piglia

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Por Luis Guillermo Ibarra Ricardo Piglia. Foto: García Adrasti   A esta altura, é difícil não reconhecer a existência de um campus roman como um subgênero literário. A presença de romances em que o tema e os cenários universitários se inserem no conteúdo da obra, fazem parte de uma tradição que já percorre várias gerações de narradores. A tentação de entrar na sala de aula, nos pensamentos sombrios dos pesquisadores, nas ambições e nas investidas acadêmicas, deram origem a obras magníficas. Como exemplo, poderíamos citar Pnin de Vladimir Nabokov, a saga do mestre Wilt de Tom Sharpe, A Literary Murder da escritora judia Batya Gur, Desonra de J. M. Coetzee, A marca humana de Philip Roth, Lucky Jim de David Lodge, ou A velocidade da luz de Javier Cercas, El tren de cristal José María Pérez Collados ou El temblor del héroe de Álvaro Pombo.   Essa lista é extensa e, sobretudo, abre um panorama de maior complexidade naqueles romances de escritores que tiveram experiência como profes

Poesia do instante e pensamento transitivo

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Por Adolfo Echeverría Yves Bonnefoy. Foto: France Mémoire   1. Yves Bonnefoy não foi apenas o poeta de língua francesa mais importante do nosso tempo, é também o escritor que com maior entusiasmo e consistência estabeleceu pontes entre a linguagem de uma obra poética singular e a reflexão sobre a ontologia e a história das artes. Desta estreita ligação, que Bonnefoy conseguiu concretizar numa extensa obra, destacam-se dois títulos, tanto pela sua profundidade conceptual como pelo seu notável alcance lírico: L’Arrière-pays e Les raisins de Zeuxis .   2. O primeiro, publicado pela primeira vez em edição francesa em 1972, é um amálgama de registos literários que vão desde a autobiografia ao poema em prosa, passando pelo ensaio, o relato de viagem e histórias ficcionais. O texto é acompanhado por 35 imagens que aparecem aqui e ali, como que inesperadamente, ao virar uma página. As ilustrações que, por um lado, convidam o leitor-espectador a uma aproximação reflexiva e, por outro, propõe

Oito poemas de amor do antigo Egipto¹

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Qenamun e sua esposa. Tumba de Qenamun, ca. 1390–1352 a. C. Por Pedro Belo Clara     I.   Quando me dá as boas-vindas De braços bem abertos Sinto-me como aqueles viajantes que regressam Das longínquas terras de Punt.²   Tudo se muda: o pensamento, os sentidos, Em perfume rico e estranho.   E quando ela entreabre os lábios para beijar Fico com a cabeça leve, ébrio sem cerveja.     II.   Se eu fosse uma das suas aias Sempre às ordens (Nunca afastadas mais do que um passo) Poderia admirar A resplandecência Do seu corpo Inteiro.   Se eu fosse quem lhe lava a roupa, só por um mês, Seria capaz de lhe retirar dos véus Os perfumes que se entranham.   Por menos do que isso assentaria de bom grado E seu anel seria, o selo no seu dedo.     III.   Hora de refeição: tempo de ires embora? Temo que o estômago seja a tua única amante!   Para quê a pressa? Porquê ir comprar roupa A uma hora destas? Porquê inquietares-te, meu amor, São finas as cobertas da minha cama.   Tens sede? Toma o meu seio, Ex

Boletim Letras 360º #537

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Édouard Louis. Foto: Jean-François Robert LANÇAMENTOS   A editora Todavia tem agora no catálogo a obra de Édouard Louis .   1. Lutas e metamorfoses de uma mulher é uma continuação de seu ambicioso projeto autobiográfico. Neste livro, o autor conta a história de libertação da mãe, “que lutava pelo direito de ser mulher contra a não existência que lhe impunham”. Através de uma foto, traçando a arqueologia de sua mãe, ele descobre uma mulher que sobreviveu àquilo que deveria tê-la destroçado. Você pode comprar o livro aqui .   2. Quem matou meu pai é uma narrativa breve e dilacerante, que reflete sobre a relação com o pai, fraturada pela indiferença, pela vergonha e pelo conflito. “Não tenho medo de me repetir, porque o que escrevo, o que eu digo, não atende às exigências da literatura, mas às da necessidade e da urgência, às do fogo”, é o que diz Louis. Esse é o tom de manifesto inadiável que percorre a obra e se faz sentir na figura do pai doente e moribundo, que o narrador visita par

A morte da escrita

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Por Camilo Pino   “E se depois de tantas palavras, a palavra não sobreviver.” César Vallejo Ilustração: Angus Greig   Nietzsche matou deus e Fukuyama, a história. Agora é a vez da escrita.   O New York Times publicou sua primeira resenha de um romance escrito por sistemas de inteligência artificial há algumas semanas. O romance tem um título, como diria um adolescente, literal: Death of an author , “a morte de um autor”. O autor mal esboçou 5% do texto.   Além da qualidade do primeiro romance de silício, sua mera existência anuncia a morte da escrita. É uma questão de tempo até que a literatura sintética se publique indistinguível da orgânica e não me refiro apenas aos best-sellers, mas às obras literárias em si. Goste ou não, em três anos, ou cinquenta, uma máquina escreverá tão bem quanto Shakespeare.   Desde que o Chat GPT apareceu, fiquei obcecado com a inteligência artificial. A única tecnologia que me impressionou tanto foi a internet, e mesmo assim minha compreensão de seu po

O colecionador de almas

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Por Marta Rebón Retrato de Nikolai Gógol por Otto Friedrich Theodor von Möller.   Em torno da literatura gravitam artistas da artimanha, sedutores de colarinho branco ou pequenos malandros dispostos a oferecer gato por lebre sem contemplações ou dissimulações, com a face descoberta. A essência da narração é construir castelos no ar com a matéria-prima das palavras. Existe um ilusionismo mais eficiente? Desde a década de 1980, quando os estudos cognitivos e literários começaram a convergir, se vem desvendando o que acontece no cérebro quando lemos uma obra de ficção. Por que precisamos abrir um livro para suspender nossa atenção do que está ao nosso redor e direcioná-la para um mundo intangível? Para a selva neural, a leitura é tão válida para desencadear uma tempestade eletroquímica quanto a experiência real. Ou seja, a mente não se preocupa em comprovar a autenticidade das informações que recebe, o que ela quer é que a tempestade desabe, como uma fé na vida. Nada que um virtuoso das