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Erasmo de Rotterdam na imprensa de Aldo Manuzio, em Veneza. Ilustração. |
O livro na base da indústria capitalista
Quando e por que o livro se tornou
a mercadoria de referência? O grande grupo editorial poderia ter sido uma
invenção antes da editora independente? É possível que o carro-chefe de uma
indústria em queda livre, como a editorial, beneficie uma gigante inovadora,
transnacional e deslocalizada como a Amazon? O que é o livro: um objeto de
transmissão cultural, um daqueles itens de consumo irracional ou uma mercadoria
sem futuro?
Ao longo da história, antes da
mudança de paradigma cultural provocado pela internet com a digitalização da
transmissão do conhecimento, houve outros terremotos que também mudaram a forma
como o saber flui entre os seres humanos. E a verdade é que são todos tão
semelhantes que podem ser analisados como um único fenômeno, que sempre leva
seus exaltados defensores a fantasiar a chegada de uma nova era de liberdade, e
seus exaltados detratores a proclamar o apocalipse.
Como sempre, tudo isso, o aumento na
fluência do conhecimento, não afeta de forma perceptível a organização do
mundo. Continuaremos a batizar crianças. Continuaremos a bombardear cidades.
Continuaremos fechando as fronteiras e deixando os outros morrerem às portas.
Entretanto, o modelo de empresa hierárquica, democrática e desdenhosa com os
seus trabalhadores mantém-se desde o nascimento daquelas que se revelam as
primeiras empresas modernas: as tipografias.
Na pendência do mercado, a fluidez
na transmissão do conhecimento não para de favorecer o aumento da ganância dos mercadores,
e o mundo continua muito insensato.
O medo de Sócrates
No início era o medo de Sócrates
do hábito de seus discípulos de anotar o conhecimento em vez de mantê-lo vivo
na memória e divulgá-lo aos outros, face a face, oral e criticamente.
O argumento de Sócrates era
contundente: o conhecimento deve ser transmitido de forma vital e dinâmica. Ao
recebê-lo por escrito, artificialmente, o receptor torna-se um ser passivo que
tende a aceitá-lo acriticamente, o que impede que a transmissão do conhecimento
perca valor como forma de acesso à verdade.
A literatura como transmissão de
conhecimento foi, então, a primeira mudança no paradigma cultural, que colocou em
competição vantajosa a cultura escrita sobre a oral — duas formas de cultura
que ainda coexistem — e levou ao nascimento do livro, em rolos de papiro ou
pergaminho.
Sócrates — já foi dito muitas
vezes — não sabia que seu modo de pensar, associado ao seu nome, iria
sobreviver graças à escrita que ele insultava. Mas, na verdade, o que ele nem
imaginava é que, uma vez escrito, seu pensamento ganhava corpo e podia virar
mercadoria.
Apesar disso, por muito tempo
ainda, o livro não foi produto, mas apenas uma forma artificial, sim, mas eficaz
de transmitir conhecimentos mais ou menos literários ou científicos. Os livros
não eram adquiridos por dinheiro: para torná-los parte da própria biblioteca, o
leitor tinha que dar um passo inevitável: copiá-los à mão, o que exigia uma
imersão profunda neles.
Já em Roma surgiram as primeiras
empresas privadas de venda de livros: livrarias em que vários escravos eruditos
copiavam o que um deles ditava, com uma produção crescente que possibilitou as
bibliotecas particulares dos patrícios.
Mas nem mesmo a invenção do
códice, o formato analógico do livro como hoje o conhecemos, desenvolvido com a
incorporação do papel como material para sua produção, transformou o livro no
objeto cultural de venda por excelência. O códice materializava, mais do que
qualquer outra coisa, a vontade de apresentar a Bíblia num único volume, o
livro de livros, cuja extensão anteriormente obrigava à sua dispersão em
demasiados rolos.
Passariam muitos anos até que o aparecimento
e a proliferação das universidades disseminassem entre os filhos dos poderosos
o gosto pelo saber e pela leitura, promovendo uma valorização dos livros e uma
demanda crescente por eles que as papelarias e os livreiros mal conseguiam
satisfazer.
A procura de uma máquina de
escrever artificial capaz de acelerar a produção de livros tornou-se uma
obsessão que levou ao aparecimento da imprensa de tipos móveis, cuja invenção
atribuímos no Ocidente a Gutenberg. Como se sabe, Gutenberg faliu, tentando
ajustar a máquina e os processos de impressão, antes de terminar sua Bíblia, e
foi seu banqueiro Fust quem ficou com os lucros do livro e com a máquina. A
mudança de paradigma estava servida: em poucos anos os impressores,
espalhando-se pela Europa, começaram a produzir livros em série até inundarem o
mercado.
A grande empresa
Como a internet de hoje, no início
as impressoras estavam nas mãos de técnicos e comerciantes. Os impressores não
se interessavam pelo conteúdo dos livros: buscavam apenas economizar custos e
aumentar os lucros. cios comerciais. Imediatamente surgiram empresários que
viajaram para diferentes cidades europeias para produzir seus livros.
Mas as tipografias exigiam uma
organização de trabalho diferente do que se fazia nas oficinas convencionais:
incorporavam especialistas que participavam de parte da produção e ignoravam o resto
— na mesma oficina onde eram fabricados os tipos e a tinta, os textos eram
montados seguindo um guia manuscrito, eram corrigidas as provas de impressão,
impressas em papel de fabricação externa e vendidas na portaria em folhas que
os compradores encadernavam em outras oficinas.
A produção do livro já era em
muitos aspectos uma verdadeira montagem industrial numa cadeia que não era
simples, da qual todos participavam, desde ourives a gramáticos, passando por
gravadores, tradutores e maquinistas, submetidos todos eles à hierarquia do
impressor. Naturalmente, além disso, os impressores se associavam às
papelarias, aos encadernadores, aos livreiros e aos comerciantes estrangeiros e
estabeleciam pequenas empresas internacionais. O latim, como língua principal da
cultura, permitia que livros produzidos num ponto da Europa fossem vendidos em
qualquer um de seus rincões.
Assim, em torno da tipografia,
nasceram as primeiras empresas modernas guiadas por poderosos que navegavam aos
sabores do vento do mercado.
Caso haja alguma dúvida de que o
livro é o primeiro produto industrial, basta dizer que logo a produção de
livros excedeu em muito a demanda, e então ocorreram as inevitáveis primeiras
crises de superprodução que arruinaram os trabalhadores, empobreceram os menos
ricos e enriqueceram os poderosos. Crises como as do nosso tempo, alimento
essencial de uma economia de exploração mercantil de produtos, baseada no
consumismo irracional. Crises que dão todo o seu sentido ao capitalismo.
Para colocar isso em números:
estimamos que nos primeiros cinquenta anos de impressão, desde sua invenção até
o ano de 1500, foram impressos entre trinta e quarenta mil títulos (os chamados
incunábulos: livros produzidos quando as técnicas de impressão ainda estavam “em
sua infância”, ou
incunabula, como se dizia em latim). Isso dá, supondo
uma tiragem média de trezentos a seiscentos exemplares, a circulação de dez a
vinte milhões de exemplares pela Europa. O número é enorme, mesmo se nos
atermos aos cálculos mais prudentes, e aumentaria em grande velocidade.
A cidade-estado de Veneza
tornou-se um império comercial na Idade Média devido à sua capacidade de
negociar em alfândegas e administrar vantajosamente a distribuição de
especiarias, sedas e escravos. O Senado veneziano favoreceu a instalação de
gráficas ali, e aquele punhado de ilhas logo se tornou o maior centro europeu
de produção de livros, para onde os mercadores alemães se deslocavam transferindo
suas tipografias.
Assim foi criado o primeiro grande
grupo livreiro em 1480, La Grande Compagnia, à frente do qual se colocaram, em
Veneza, o livreiro alemão Johannes de Colonia e o impressor francês Nicolás
Jenson, com seus respectivos sócios.
A invenção do editor
Assim, o livro é sem dúvida o
primeiro produto de consumo produzido de consumo fabricado em série por meio de
um processo industrial moderno. A sua produção deu origem à criação de empresas
deslocalizadas que, ao crescerem, tornavam-se entidades transnacionais, com
técnicas de venda que continuamos a utilizar, como os panfletos feitos pelas
próprias tipografias. A identificação dos livros com sua casa fabril por meio
de marcas tipográficas, transformadas em verdadeiros logotipos, produzia no
comprador a mesma sensação individualizadora de qualidade (no início, todos
copiavam a marca de Jenson).
Mas ainda faltava um elemento
fundamental em toda essa indústria rudimentar: a figura do editor. Até agora,
como já foi dito, os processos de edição eram feitos sem muito cuidado, ainda
que mais tarde os flyers da época cantassem sua excelência. Moralistas como o
dominicano Filippo da Senna, temendo a morte do livro aos golpes da imprensa, clamavam
que “A pena é virgem; a imprensa, prostituta”.
O tipógrafo Andrea Torresani,
formado no ambiente de Nicolas Jenson e surpreendente herdeiro das máquinas de
produção e dos colaboradores da La Grande Compagnia, foi quem encontrou a chave
para fundar aquela que consideramos a primeira editora moderna. Por um lado,
obteve financiamento para a sua tipografia graças a um acordo de sociedade de cinquenta
por cento com o patrício e papeleiro Pier Francesco Barbarigo, pertencente a
uma das famílias mais corruptas de Veneza (era sobrinho daquele que, no tempo quando
se associaram, era doge e filho do anterior). Mas o que fez de Torresani o
criador de uma editora verdadeiramente moderna foi recrutar para a causa um
professor de príncipes e gramático chamado Aldo Manuzio para elaborar o
catálogo literário das obras a serem impressas; fê-lo casar-se com sua filha de
vinte anos (Aldo tinha cerca de cinquenta, como Torresani) e colocou-o para
trabalhar em sua casa e sob a sua tutela, depois de lhe dar um quinto da sua
metade no negócio (ou seja, dez por cento da empresa), tornando-o em sua cabeça
visível.
Martin Lowry, o especialista em
Manuzio, foi quem documentou e divulgou esse processo em sua obra
The World
of Aldus Manutius, desmistificando o mito de que o tipógrafo italiano era
um empresário e mostrando-o como dependente do sogro, o verdadeiro potentado da
empresa.
O surpreendente é que Aldo Manuzio
propôs o que qualquer editor hoje chamaria de catálogo fracassado: a edição dos
clássicos gregos em sua língua original, que na época não podiam ser lidos por
mais de quatro humanistas e os imigrantes gregos do decaído Império Bizantino que
fugiam do avanço turco.
Por que um projeto criado, nas
palavras de Manuzio, “a serviço da humanidade e contra a barbárie e as guerras”
chamou a atenção do tipógrafo Andrea Torresani, que colocou à disposição de
Aldo suas máquinas, financiamentos e artesãos? Talvez ele tenha sido um
verdadeiro visionário, porque o imprevisível aconteceu: desde os primeiros
livros, Aldo surpreendeu os estudiosos como um dos seus, consolidando o
prestígio da empresa em toda a Europa. Pediram-lhe por carta obras recentemente
lançadas, no prelo e vários príncipes e nobres escreviam-lhe por edições
especiais, em pergaminho, para as encadernar com todo o luxo devido. Manuzio
não teve escolha a não ser imprimir catálogos de preços para vendas à
distância.
A aliança entre Torresani e
Manuzio, entre mercador e estudito, marcou o nascimento e estabelecimento da
primeira empresa industrial moderna, que, por estranho que pareça, tinha um
projeto cultural: o que agora chamamos de editora literária. O que é
surpreendente é que sua criação não foi o capricho cultural de um idealista
independente, mas uma marca sob o que hoje conhecemos eufemisticamente de “guarda-chuva
de um grande grupo”. A mensagem idealista do grande André Schiffrin em sua obra
A edição sem editores é refutada. O panorama é mais sombrio: desde o
início, a edição foi
sem editores. E quando os estudiosos aí entravam,
punham-se imediatamente ao serviço dos mercadores. A serviço do comércio.
Logo começaram a ser feitos
naquela tipografia livros literários também em latim e romance e aceitarem encomendas,
sem diminuir seu prestígio. O movimento ascendente de tiragens e vendas era
imparável. A literatura havia chegado ao mercado para ficar.
Talvez a descoberta fundamental da
casa de Andrea Torresani e Aldo Manuzio tenha sido a de sua marca de
impressoras, que se tornou o emblema editorial mais reconhecido de todos os
tempos (com a permissão da erótica maçãzita mordida exibem os aparelhos da Apple):
a âncora e o golfinho, que hoje conservam em seus logotipos editoras como a estadunidense
Doubleday, a espanhola Destino ou a mexicana Aldus. Trata-se de uma marca de
origem incerta (já presente em moedas do imperador Tito que o erudito Pietro Bembo,
amigo e colaborador de Aldo, preservava) que representa, pelo menos na sua
interpretação, o oxímoro “apressa-te devagar”,
festina lente em latim,
uma definição precisa da rapidez e do cuidado que caracterizam o trabalho
editorial bem-feito (e, segundo alguns, a própria vida bem compreendida). Uma
variação do emblema de flecha e rêmora. Os símbolos aqui estão invertidos: a
âncora seria o elemento de contenção e o golfinho, o animal mais rápido
—reparemos em Plínio: “mais afiado que um dardo” —, o elemento de celeridade.
A invenção do livro de bolso
O momento de maior esplendor da
casa de Aldo e Andrea surge em plena crise da imprensa e da banca veneziana, no
início do século XVI, quando revolucionaram os hábitos de leitura literária e
colocaram as suas vendas ao nível da circulação dos livros religiosos e
jurídicos: as tiragens médias passaram de trezentos para mil e quinhentos
exemplares e em muitos casos chegaram a três mil.
Trata-se da impressão de clássicos
em formato
octavo, com lombadas de menos de um palmo: um formato
portátil que até então só servia para os livros de orações diárias que se
levava para a igreja. Livros portáteis, manuais, para carregar na mão ou no
bolso, na bolsa. O que conhecemos hoje como livro de bolso.
Os
octavos aldinos
cativaram os leitores e colocaram na moda a leitura íntima como forma não de
estudo, mas de comunhão com os autores, uma espécie de oração incrédula que
ainda existe para alguns.
Os livros de Manuzio logo se
tornaram o complemento ideal para o traje de patrícios e burgueses em seus
passeios. A leitura dava prestígio humanista, então os poderosos se faziam
retratar com os livros
octavos, os moços rodeavam as moças ao pé das
sacadas com um
petrarchino (a poesia de Petrarca em edição aldina) nas
mãos, e os estudiosos enfrentavam despidos os tercetos encadeados da
Divina
Comédia, livre dos comentários escolásticos que fatigavam suas páginas com
um
horror vacui semelhante ao das páginas da internet de hoje.
A invenção do escritor
Erasmo de Rotterdam é
provavelmente o exemplo primordial de um autor moderno, conceito que talvez
tenhamos em nosso imaginário um tanto distorcido pela idealização romântica.
Erasmo era um homem com estudos, mas sem fortuna pessoal ou influências familiares
suficientes para escapar da pobreza e desenvolver uma carreira de destaque como
cortesão ou eclesiástico.
Foi professor, como Aldo Manuzio,
embora, como filho bastardo de um padre, tenha tentado em vão prosperar na
Igreja. Sobrevivia apenas com seu saber, seu domínio da língua e sua
engenhosidade, e resolveu apostar e colocar tudo isso à venda: foi um dos
muitos escritores que se aproximaram de Aldo para ganhar fama entrando em seu
catálogo. Erasmo ofereceu a Manuzio a tradução latina de duas obras de Eurípides
e, em troca de editá-las, Aldo pediu-lhe que ampliasse para ele o que acabaria
se tornando sua obra máxima, seus
Adagios, um compêndio de breves
comentários eruditos (no estilo que mais tarde seria imitado por Montaigne para
criar seus
Ensaios) construído em torno de uma compilação exaustiva de
provérbios gregos e latinos.
Seduzido pela fama dos livros
portáteis, Erasmo viajou a Veneza para trabalhar como escritor para o editor
Manuzio na ampliação de sua obra durante mais de um ano na casa de Torresani
perto da imprensa (“sem tempo nem para coçar a orelha”). Essa convivência de
editor e escritor pode ser considerada um paradigma da eterna relação entre
patrão e empregado.
Algum tempo depois, já a serviço
daquele que foi o editor de suas obras completas, Johannes Froben (“o Manuzio
de Basileia”), Erasmo zombaria da ganância e mesquinhez com que Torresani
administrava sua fortuna (ante a passividade de Manuzio) em seu diálogo
satírico
Opulencia sórdida, cujas cenas inspiraram Quevedo a traçar as
situações de miséria que seu personagem, o Buscón, passava na casa de senhores
que eram, como Torresani, opulentos e mesquinhos ao mesmo tempo.
Do livro analógico ao livro
digital
Apesar de o debate sobre o
interesse do livro digital dificulte bastante a clareza da questão, hoje são
poucos os que negam que a internet tenha mudado o paradigma de transmissão de
conhecimentos mais ou menos científicos ou literários, como fizeram
sucessivamente as invenções da escrita e da imprensa. Uma das consequências
imediatas desta mudança, nas mãos de técnicos e comerciantes desde o início, é
que quase se chegou à mesma conclusão com o advento da imprensa: “O valor dos
conteúdos tende a zero”, dizem os gurus, elogiando os terminais obsoletos que
nossa indústria de comunicação vende.
Desde essa idealização do
Renascimento que nos impede de ver o que verdadeiramente nasceu no fim da Idade
Média, a aparente revolução de Aldo Manuzio foi colocar em valor o conteúdo dos
livros impressos, que os tipógrafos depreciavam, fascinados pelos processos de produção
dos livros. Mas, na verdade, tudo isso só serviu para aumentar os lucros das tipografias,
que fomentavam o esnobismo dos consumidores de literatura e sua concepção de
que a leitura os tornava especiais diante da multidão de ignorantes.
É bastante fácil prever que com a
nova mudança de paradigma se repetirá (aliás, já acontece) o que aconteceu com
a tipografia: aumento da fluidez da comunicação, aumento das manias
consumistas, lucro para os produtores, manutenção ou aumento da exploração das
relações no trabalho.
O livro continua tendo prestígio,
o que o torna um produto interessante para experimentar e melhorar os avanços
logísticos no armazenamento e distribuição de mercadorias. E na medida em que
continuar a ser, não perecerá como objeto de consumo. Embora a imagem da Amazon
esteja intimamente ligada ao livro, as editoras estão cientes de suas vendas
extremamente baixas. A Amazon não quer vender livros, mas vender qualquer
produto. O livro interessa-lhes porque mantém o seu antigo efeito de chamada e
pelas facilidades do seu armazenamento e transporte.
Como Andrea Torresani, o homem que
contratou Aldo Manuzio, os grandes varejistas de nosso tempo, Jeff Bezos, Steve
Jobs, Larry Page ou Bill Gates, querem que suas marcas sejam associadas a nomes
de eruditos, porque isso aumentará o prestígio e as vendas de suas empresas.
Mas eles não contratarão ninguém porque sabem que, com as campanhas
publicitárias certas, eles próprios podem ser considerados eruditos. É
compreensível que, fascinadas por suas fortunas, as universidades se apressem
em nomeá-los doutores
honoris causa e a mídia recorte e cole as frases
autopromocionais de seus departamentos de marketing. E logo é essencial que
agora não existam editores, não apareçam nessas empresas figuras de intelectuais
convencidos de que o importante, o que realmente tem valor na transmissão do
conhecimento, é o próprio conhecimento, por mais óbvio que pareça.
Como Andrea Torresani, os grandes
magnatas das empresas de comunicação sabem muito bem que o que mantém suas
empresas de pé não vai mudar: a organização do trabalho, esse campo em que por
mais que flua o conhecimento, a democracia nunca entrará, pois a democracia no
trabalho poderia impedir que os lucros fluam da maneira usual: então sempre se
saberá quem está em vantagem. Enquanto isso, escritores e editores, servidores
agora como sempre de comerciantes e técnicos, continuarão a ser tão
independentes quanto permitirem suas fortunas pessoais.
E, como todo mundo, seus
benefícios raramente dependerão do seu trabalho.
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