Um antídoto contra a solidão, de David Forster Wallace

Por Bruno Botto





Livros de entrevistas podem ser mais sinceros e verdadeiros do que uma biografia. No jogo jornalístico de perguntas e respostas as coisas são o que são. Claro, é curioso ver a figura do escritor recluso ser colocada na prova de fogo de responder sobre sua vida, rotina de trabalho, sua arte e o que pensa do mundo. Normalmente, essas formalidades não passam de um pequeno compromisso editorial, publicitário ou matar a fome de curiosidade de alguns leitores. Entrevistas significam muito para o jornalista e o veículo, mas talvez o escritor, esqueça das perguntas ou suas respostas no momento que tudo acaba. 
 
Claro, Truman Capote e Tom Wolfe organizaram coisas impressionantes no jornalismo literário, matérias e reportagens que mudaram o jeito de escrita e a concepção de matérias e reportagens. Se a gente for levar para a grande mídia televisiva, as entrevistas exclusivas de Oprah Winfrey devem ter milhões de views no YouTube. Existe a herança do sensacionalismo, espetáculo e um texto tão cativante e detalhista que coloca aqueles que criam a ficção como parte de uma própria ficção. A escola americana de jornalismo literário é toda presente em Um antídoto contra a solidão, livro de entrevistas feitas com o autor David Foster Wallace, organizado por Stephen J Burn e lançado no Brasil pela editora Âyiné.
 
David Foster Wallace foi um escritor prodígio, acadêmico e com uma passagem meteórica pela literatura e pela vida. Desde cedo, a crítica e a academia acompanhavam os seus passos e acreditavam que poderia se tornar uma das principais vozes do pós-modernismo americano, se colocando nas prateleiras de autores como Don Delilo e Thomas Pynchon. São quase duas décadas de entrevista com um autor que publicou apenas três livros (um deles póstumo) alguns ensaios e livros de contos. A língua afiada de Wallace recompensava a bibliografia tímida. Suas entrevistas carregam humor, filosofia, arrogância, desespero e uma vontade louca de compreender a ficção. Não é como se estivéssemos lendo um autor prometido ao estrelato, mas um amigo acanhado e que por acaso achou um microfone para falar.
 
Wallace chegou à fama com Graça infinita, romance lançado originalmente em 1996. O calhamaço com mais de mil páginas e inúmeras notas de rodapé é uma odisseia pós-moderna e o livro definidor da geração X para os americanos. Filho de um professor de filosofia e uma professora de inglês, o escritor cresceu no meio acadêmico e com sua vasta formação também foi um produto criado pela crítica americana, não que Wallace não correspondesse às expectativas, mas percebe-se que o autor sempre teve um namoro não oficial com o jornalismo cultural americano. O livro começa com Wallace com vinte e cinco anos, recém-formado e sendo professor assistente na faculdade de Arizona.
 
Já nesse primeiro perfil traçado por William K. Kastovsky para a revista Arrival em 1987, Wallace parece ainda tentar procurar o seu lugar dentro da vida profissional e luta para compreender melhor sobre o papel de ficcionista. 
 
“Ficção ou move montanhas ou é uma coisa chata, ou ela move montanhas ou não faz nada”.
 
Pode se dizer que essa procura do significado e do trabalho da ficção permeia a maioria das entrevistas do livro. Publicado e obtendo sucesso de venda e público, as entrevistas pós lançamento de Graça infinita, por sua vez, tentam articular e cutucar a genialidade de Wallace que a princípio parece incomodado com tanto frenesi. Suas entrevistas falando da sociedade americana, marketing, política e da indústria do entretenimento guardam o brilho de sua oratória.
 
O autor acreditava que a literatura e a ficção eram o antídoto para a solidão, tema que é sempre destacado em sua obra, assim como sentimentos conflitantes, tais como a angústia, a alienação e o medo. Por mais que poucos olhassem o que fosse dito em sua entrevista, Wallace era um observador solitário, eternamente entediado, tanto que seu último livro inacabado, O rei pálido, se desenrola a partir das situações cotidianas mais tediosas possíveis.
 
Um antídoto contra a solidão é um bom compilado de entrevistas, às vezes tedioso, às vezes arrogante, mostra as várias facetas de um autor questionador, perdido e falante. David Foster Wallace faleceu em 2008 e esse livro não apenas o homenageia, mas traz a caminhada intelectual e pessoal de um escritor corajoso e atormentado.


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Um antídoto contra a solidão, David Foster Wallace
Stephen J. Burns (org.)
Sara Grünhagen e Caetano Galindo (Trads.)
Âyiné, 2021
312 p.

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