Sobrevivência da poesia

Por Michael Hamburger


Foto: Masao Yamamoto


 
Nas últimas décadas, houve menos controvérsias sobre “a morte da poesia” do que sobre “a morte do romance”. Uma explicação óbvia é que os romances recebem mais atenção de qualquer maneira porque podem se tornar best-sellers ou serem adaptados para o teatro, cinema, rádio ou televisão. Outra é que a poesia era considerada um anacronismo já no início do século XIX, no início da Revolução Industrial, quando Thomas Carlyle declarou que a poesia não poderia ter nenhuma função real no que ele chamou de “Era Mecânica”. Sua previsão, é claro, carecia da dialética necessária para acomodar o movimento romântico com seus ímpetos antimecânicos e antirrealistas, e seu retorno aos paradigmas não apenas pré-industriais, mas pré-literários: baladas, canções folclóricas e contos de fadas.
 
Agora, durante a Segunda Revolução Industrial — a eletrônica —, é a alfabetização e não o analfabetismo que ameaça a sobrevivência da poesia, embora não a da literatura como meio de comunicação, embora esta função tenha sido diminuída pelo domínio da mídia eletrônica. A razão é que a literatura ainda serve para fornecer informações de vários tipos que são consideradas úteis, incluindo biografias dos próprios poetas. A literatura faz parte da indústria da informação, enquanto a poesia, por sua natureza, nunca foi e nunca será. Como disse Juan Ramón Jiménez: “A literatura é um estado da cultura, a poesia é um estado de graça, antes e depois da cultura.”
 
Não pretendo defender aqui nenhum tipo específico de poesia — a hermética, por exemplo — em detrimento de outros, e estou bem ciente de que a poesia teve, e continua a ter, diferentes funções em diferentes culturas e civilizações. Serviu como ato mnemônico (Mnemósine era a mãe das musas), como um meio de contar histórias; tem estado intimamente relacionado com a ciência, a filosofia, certos ritos, celebrações, profecias e revelações. Também tem sido um jogo, entretenimento, reportagem ou sátira social, crítica e exortação moral. Também não pretendo sugerir que qualquer uma dessas funções seja inadmissível, mesmo que sejam compartilhadas por outros meios na literatura.
 
Para um poeta, a linguagem é tudo o que foi e pode vir a ser, tudo o que ele fez ou pode fazer. Em certo sentido, qualquer outro poeta de qualquer época ou lugar é seu contemporâneo, seu contemporâneo na atemporalidade.
 
Assim como é anacrônica no sentido de estar fora do tempo, a poesia também é utópica, tanto no sentido mais comum da palavra quanto no sentido mais literal de estar fora do lugar ou em lugar nenhum.
 
Costuma-se dizer que nenhum poeta poderá produzir uma obra importante e consistente se lhe faltar a identificação com sua comunidade, e que esta comunhão por si só é muito mais animadora do que qualquer prêmio ou honra que qualquer nação que tenha deixado de ser uma comunidade pode oferecer aos poetas, embora a verdade seja que desde o século XVIII os poetas aprenderam a realizar seu trabalho com um mínimo de resposta. Graças ao anacronismo e à utopia inerentes à sua arte, podem dirigir-se a qualquer homem, vivo ou morto.
 
A incerteza é inseparável não apenas do ato de escrever e publicar poemas, mas do prazer singular que será obtido ao lê-los. Por correrem o risco da incerteza, os poetas não podem estar completamente seguros de que realmente sabem do que se trata ou de que suas mensagens serão captadas. A poesia satisfaz uma necessidade que nenhuma outra linguagem pode satisfazer. O contrário dessa linguagem não é a prosa, pois há textos em prosa que correm os mesmos riscos. Tampouco é o silêncio, que sempre será a fonte e a precondição tanto da poesia quanto da música. É o barulho da literatura, com sua troca de laços de personalidade e reputação: suas escolas, tendências, frivolidades; seus contínuos altos e baixos, aclamações e rejeições. Os poetas podem contribuir para esse barulho tanto quanto críticos e jornalistas. No entanto, se esse mesmo barulho os ensurdecer, qualquer verso que escreverem será, na melhor das hipóteses, literatura; e seus leitores genuínos, não aqueles que leem por curiosidade ou vaidade, estarão cientes disso, porque esses leitores também empreenderam a busca de uma linguagem imediata e urgente que não necessariamente revela de onde vem ou para onde vai. Enquanto tais poetas e leitores existirem, a poesia sobreviverá.


* Este texto é a tradução livre para “Supervivencia de la poesía”, publicado inicialmente na revista Vuelta (n. 122, jan. 1987).
 

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