Boletim Letras 360º #524

DO EDITOR
 
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4. Deixamos o desejo de um excelente final de semana, com boas leituras e algum descanso.

Elizabeth Bishop. Foto: Yale Collection of American Literature.


 
LANÇAMENTOS
 
A vida de Elizabeth Bishop em uma prosa arrebatadora.
 
“A arte de perder não é nenhum mistério”, vaticinou Elizabeth Bishop em “Uma arte”, um dos seus poemas mais conhecidos. Nesta biografia fascinante, Thomas Travisano joga luz sobre a trajetória da escritora que se especializou na arte de perder desde a infância — o pai morreu quando a filha tinha oito meses, e a mãe foi internada em um hospital psiquiátrico quando a poeta tinha cinco anos. Depois de mais de três décadas dedicadas a percorrer os passos da vencedora do prêmio Pulitzer, Travisano nos apresenta a uma mulher que sempre se enxergou à margem dos padrões e que viria a se transformar em uma das vozes mais cultuadas da literatura norte-americana. Autora de uma obra concisa, com pouco mais de cem poemas publicados em vida, Elizabeth Bishop se consagrou pela notável capacidade de observação. Avessa ao tom sentimental, sua poesia alia o rigor da forma a um impressionante engenho para a descrição, sem nunca perder de vista o autocontrole. Elizabeth Bishop: uma biografia revela que a obra da escritora ilustra uma vida complexa e atribulada, feita de inúmeros percalços e desvios de percurso. Com tradução de Luiz A. de Araújo, o livro é publicado pela editora Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
A nova tradução de uma das novelas de Lev Tolstói.
 
Depois de levar a arte do romance ao seu apogeu com Guerra e paz e Anna Kariênina — amplos panoramas que desenham com nitidez espantosa tanto o que se passa no interior do indivíduo como no conjunto das forças sociais —, Lev Tolstói, no auge de sua fama, dedicou-se a buscar uma forma minimalista, capaz de condensar nas poucas páginas de uma novela toda a riqueza e a complexidade de um grande romance. Concebido ao longo de mais de uma década e publicado somente em 1911, um ano após a morte do autor, O cupom falso está estruturado em duas partes simétricas. Se, na primeira, a falsificação de um cupom (espécie de nota promissória com valor de dinheiro na sociedade russa da época) por um jovem estudante dispara uma sequência de acontecimentos catastróficos envolvendo múltiplos personagens, na segunda parte assistimos ao movimento reverso, em que as ações humanas passam do mal à redenção. Mestre da arte narrativa, Tolstói alcançou em O cupom falso aquilo que a tradutora Priscila Marques definiu com exatidão, no posfácio, como “uma forma justa” — isto é, uma forma literária capaz de expressar artisticamente sua implacável sede por justiça e verdade. Com tradução de Priscila Marques, o livro é publicado pela Editora 34. Você pode comprar o livro aqui.
 
O novo romance de de Jonathan Franzen.
 
É 23 de dezembro de 1971 e a previsão é de um inverno rigoroso em Chicago. Russ Hildebrandt, pastor associado de uma igreja protestante suburbana, está prestes a se libertar de um casamento infeliz – a menos que sua esposa, Marion, decida ser mais rápida que ele. O filho mais velho do casal, Clem, decidiu largar os estudos e se alistar para lutar na Guerra do Vietnã. A irmã de Clem, Becky, uma das garotas populares da escola, está flertando com a contracultura, enquanto o caçula, Perry, vende drogas para alunos da sétima série, mas decidiu que quer ser uma pessoa melhor. Cada um desses personagens busca uma liberdade que os outros põem em xeque. Os romances de Jonathan Franzen são aclamados pela construção de personagens e por seu olhar atento às questões americanas. Em Encruzilhadas, o autor de Pureza e As correções joga luz sobre duas gerações imersas em um mundo marcado por mudanças e contradições — e que dialoga diretamente com o presente. Com tradução de Jorio Dauster, o livro sai pela Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
Nova tradução e edição para o primeiro livro Annie Ernaux publicado no Brasil.
 
Um dos livros de Annie Ernaux mais adorados pela crítica e pelo público, Paixão simples é também um dos mais ambiciosos por sua tentativa de dar conta da radicalidade da experiência de se apaixonar. Nas breves páginas deste relato profundamente humano, publicado pela primeira vez em 1992, a vencedora do prêmio Nobel de 2022 esmiúça o estado de enamoramento absoluto que experimentou quando, já divorciada e mãe de dois filhos crescidos, viveu um relacionamento com um homem casado. Durante os meses em que se relacionou com A., toda a existência da autora foi regida por um novo signo, que ela disseca com precisão e franqueza. “Graças a ele”, afirma, “eu me aproximei do limite que me separa do outro, a ponto de às vezes imaginar que iria chegar do outro lado”. Essa proximidade do limiar, tão própria do sujeito apaixonado, assume formas variadas no relato. A primeira fronteira a ser deixada para trás é a da razão, que cede espaço ao pensamento mágico por meio do qual se manifesta a expectativa agonizante de ser correspondida. Cada evento, palavra ou pessoa ao redor só tem interesse para Ernaux na medida em que a faz pensar em A. Cada minuto longe dele é uma espera que transcorre de forma diversa do ritmo da vida real. Tema recorrente na obra da escritora, o tempo em Paixão simples não obedece à lógica ou à História. “Para mim não havia essa cronologia em nossa relação, eu só conhecia a presença ou a ausência”, eis o aspecto radical da paixão. Uma vez terminada a relação, o tempo entra em cena novamente, desta vez como índice do rastro deixado por um acontecimento marcante: “Estava sempre calculando, ‘há duas semanas, cinco semanas, ele foi embora’, e ‘no ano passado, nessa data, eu estava aqui, fazendo isso e aquilo’ […]. Pensava que era muito estreito o limiar entre essa reconstituição e uma alucinação, entre a memória e a loucura”. Verdadeira anatomia da alma apaixonada, este livro é também uma reflexão sobre o poder da escrita e um elogio ao luxo que é viver um grande amor. O livro sai pela editora Fósforo. Você pode comprar o livro aqui.
 
Novo livro de poemas da vencedora do prêmio Oceanos, Marília Garcia.

“por que você não escreve com/ emoção?/ alguém pergunta/ e eu amarro a pergunta/ na ponta desse poema/ deixo tombar até o fundo/ do mar”, escreve Marília Garcia em “Canção da linha”. Em seu novo livro, a autora do premiado Câmera lenta se concentra na figura mitológica da ninfa Eco para se dedicar à investigação de lugares, lembranças e vínculos que estabelecem entre si uma espécie de cartografia afetiva. Para Diana Klinger, que assina a orelha do volume, “Eco se torna também um princípio de composição: ecoa a voz da mãe que se foi (...), ecoa as cidades do Rio e de São Paulo, nos mapas sobrepostos dos percursos afetivos traçados por Marília, a história natural e os acontecimentos cotidianos, e também o passado e o presente, nas camadas da memória, formando um palimpsesto espaço-temporal.” Expedição nebulosa é publicado pela Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
Uma parábola sobre amor e linguagem em tempos de barbárie.
 
Na fictícia cidade de Vasenka, uma estranha guerra tem início depois que um garoto surdo é assassinado por soldados. O som dos conflitos — gritos de ordem, tiros, sirenes e bombas — não chega mais aos ouvidos dos habitantes, que passam a conviver com um silêncio ensurdecedor. Nesse cenário, regido pelo autoritarismo e pela crueldade, as palavras perdem o sentido, e o silêncio dá espaço a outra forma de comunicação. Finalista do National Book Award e vencedor do National Jewish Book Award e do Los Angeles Times Book Prize, República surda foi eleito o livro do ano pelo New York Times em 2019 e se tornou um fenômeno editorial. Misto de ficção, peça teatral e coletânea de poemas, este livro que foge das classificações fáceis tem como pano de fundo um país que, ocupado pelas forças armadas, é obrigado a conviver com os desmandos do poder ao mesmo tempo que vê surgirem novos elos afetivos. Com tradução de Maria Cecilia Brandi, o livro é publicado pela editora Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
Nova edição e tradução para um dos principais contos de E. T. A. Hoffmann.
 
O homem da Areia não me parece o conto mais representativo do maior autor fantástico do século XIX, o mais rico de sugestões e o mais forte em valor narrativo. A descoberta do inconsciente ocorre precisamente aqui, na literatura romântica fantástica, quase cem anos antes que lhe seja dada uma definição teórica.” (Italo Calvino) Inteiramente ilustrado com obras do artista Eduardo Berliner, o grande conto de Hoffmann fica ainda mais desconcertante. Obra que inspirou Freud para cunhar o conceito de Unheimlich, o livro de E. T. A. Hoffmann traz uma mistura de relato epistolar e narrativa que borra as fronteiras entre vigília e sonho, razão e loucura. Como tradução de José Sabino Feres e Marcella Marino M. Silva, o livro é publicado pela editora Ubu. Você pode comprar o livro aqui.
 
O novo livro de Julio Cortázar na Companhia das Letras.
 
Em 1960, Julio Cortázar vai de navio a Nova York e durante a viagem, “para não se entediar”, escreve Os prêmios. Este romance, o primeiro publicado pelo autor argentino e antessala do estilo que o consagraria em O jogo da amarelinha, começa de modo enigmático. Homens e mulheres de diferentes idades, profissões e classes sociais são contemplados, ao acaso, numa dita Loteria Turística: o prêmio é uma viagem num luxuoso cruzeiro com duração incerta e destino desconhecido. Ao longo do percurso, a busca por prazer e descanso dá lugar a uma série de mistérios, conflitos e intrigas envolvendo os passageiros e a tripulação a bordo do Malcolm, embarcação da companhia Magenta Star. Lançado em 1960, Os prêmios é uma combinação magnética de alegoria surrealista, reality show avant la lettre, aventura metafísica e sátira político-social da Argentina do período. Numa habilidosa construção de tipos sociais e suas relações, e de mãos dadas ao universo angustiante de Kafka e ao absurdo de obras como O anjo exterminador, de Luis Buñuel, e O deserto dos tártaros, de Dino Buzzati, a imaginação e a liberdade criativa de Cortázar nos alcançam, como uma garrafa ao mar. O livro sai com tradução de Ernani Ssó. Você pode comprar o livro aqui.
 
REEDIÇÕES
 
Reedição do primeiro romance de Luiz Vilela.
 
Os novos traça o retrato de uma juventude com aspirações literárias em meio ao turbulento período da ditadura militar de 1964. Lançado originalmente em 1971 sob elogios entusiasmadas e críticas vorazes, a reedição com novo projeto gráfico de Os novos recoloca para as novas gerações um romance de geração que trata dos sonhos, angústias e dificuldades de um grupo de jovens universitários em Belo Horizonte diante da escalada autoritária da ditadura militar no Brasil. Em meios aos encontros, os amigos produzem a revista Literatura e alimentam o desejo de iniciar-se na carreira literária, deparando-se com a necessidade de ter outras atividades, como o jornalismo, para se manter enquanto sonham com o romance que irá tirá-los do anonimato. Nei, o protagonista, tem inevitável inspiração autobiográfica, mas nem por isso Vilela deixa de fazer uma crítica ácida a uma geração que buscou na boemia e no discurso uma forma de fugir da realidade. A nova edição do romance é publicada pela editora Record. Você pode comprar o livro aqui.
 
Reedição de Memórias de um editor, Kurt Wolff.
 
Kurt Wolff (1887-1963) foi um dos mais importantes editores do século XX. A editora que levava seu nome, fundada em Leipzig em 1913 após uma breve parceria editorial com Ernst Rowohlt, foi atuante em várias frentes da cultura expressionista e mitteleuropa. Desde o início, de fato, Wolff se vê circundado, direta ou indiretamente, por personagens que terão uma influência duradoura na cultura alemã e europeia: se pense em Franz Werfel, Max Brod ou Karl Kraus. Isso o levou a ser editor de autores considerados universalmente decisivos: entre tantos podemos citar Franz Kafka, Georg Trakl, Robert Walser, Gottfried Benn. Em 1930, Wolff deixou a direção da editora para se mudar primeiro para Nice, depois para a Toscana, e finalmente desembarcar em Nova York em 1941, após um período muito conturbado em que também sofreu a experiência dos campos de internamento franceses. Nos Estados Unidos, embora já quase sem meios de subsistência, graças à ajuda de outros expatriados alemães, conseguiu recomeçar com uma nova editora: a Pantheon Books. De volta à Europa em 1960, assumiu o cargo de consultor de um importante grupo editorial norte-americano. Em 1963, durante uma visita à Alemanha na qual fez uma parada no Arquivo Marbach (santuário da literatura alemã que conserva muitos documentos relativos à sua atividade inicial como editor), morre devido aos ferimentos sofridos após ser atropelado por um camião. Publicação da editora Âyiné. Você pode comprar o livro aqui.
 
RAPIDINHAS
 
Antonio Candido. Depois de chegar os cinco primeiros títulos dos dezessete que a editora Todavia deve lançar, a previsão para o segundo semestre de 2023, inclui a reedição de mais quatro livros: Vários escritos, Um funcionário da monarquia, Teresina etc. e A educação pela noite.
 
DICAS DE LEITURA
 
Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
1. Evguiêni Oniéguin, de Aleksandr Púchkin (Trad. Rubens Figueiredo, Penguin/ Companhia das Letras, 301 p.) Considerada a obra fundadora da literatura russa, o romance em versos publicado entre os anos de 1825 e 1832 narra a vida do dândi Oniéguin, que, entediado com seu cotidiano viaja para o campo, onde conhece a bela Tatiana. Você pode comprar o livro aqui
 
2. História(s) do cinema, de Jean-Luc Godard (Trad. Joana Matos Frias, Círculo de Poemas, 192 p.) É conhecido o trabalho de Godard para o cinema, mas o cineasta francês também se aventurou pela literatura. Neste poema-ensaio costurado com referências do seu campo de criação, mas também de pinturas e livros, ele compõe um panorama ao mesmo tempo pessoal e coletivo ao tocar em algumas feridas do século XX. Você pode comprar o livro aqui.
 
3. Escalas melografiadas e Fábulas selvagem, de César Vallejo (Trad. Ellen Maria Vasconcellos, Bandeirola, 176 p.) É a primeira vez que as narrativas que compõem esses dois títulos são traduzidas e publicadas no Brasil. Situado entre a prosa e a poesia, o venezuelano converge sonho e razão, imaginário e realidade, para dar conta das múltiplas possibilidades de ver as coisas. Você pode comprar o livro aqui
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
A editora Todavia começou a disponibilizar a obra de Antonio Candido. Dos dezessete títulos previstos cinco já estão disponíveis. Com a coleção, a casa criou um espaço online para disponibilizar uma seleta de ensaios escritos por especialistas sobre cada um dos títulos. Escrevem sobre Formação da Literatura Brasileira, Iniciação à literatura brasileira, Os parceiros do Rio Bonito, O discurso e a cidade e Literatura e sociedade e, Samuel Titan Jr., Ieda Lebensztayn, Luiz Carlos Jackson, Rita Palmeira e Ana Paula Pacheco, respectivamente. É possível acessar o material aqui.

BAÚ DE LETRAS
 
Alguns materiais editados ou apresentados no Letras com e sobre Antonio Candido pode servir ao leitor que pretende se lançar a tarefa de ler e estudar a obra do crítico literário na ocasião em que se reeditam boa parte de sua obra.
 
a) Em 2014 reproduzimos uma entrevista com Antonio Candido que circulou na edição impressa da Almanaque Saraiva.
 
b)  Na ocasião em que se forma o interesse pela reedição da sua obra, talvez, o da Ocupação Antonio Candido, nosso colunista Guilherme Mazzafera escreveu este texto, uma deriva da mostra oferecida no Itaú Cultural de São Paulo em 2018.
 
c) Um dos trabalhos mais bonitos da editora Ouro Sobre Azul — ao lado da publicação da obra de seu patrono — foi a publicação de A formação de Antonio Candido, um livro em que a filha Ana Luísa Escorel passa em revista a partir de registros da memória fotográfica, mas também verbal os anos que antecedem o estabelecimento do seu pai no âmbito do pensamento cultural brasileiro. Leia sobre o livro aqui.
 
d) Felipe de Moraes escreve sobre a leitura de Antonio Candido acerca de Sagarana, de João Guimarães Rosa.

e) Aqui, um texto de Antonio Candido sobre a poesia de Vinicius de Moraes que reproduzimos no blog em 2008. 
 
f) Recordamos, por fim, este depoimento de Antonio Candido acerca de uma das obras de sua predileção, Angústia, de Graciliano Ramos.

Na ocasião quando a Cosac Naify anunciava a publicação dos contos completos de Lev Tolstói — editados em três volumes em 2015 — Alfredo Monte escreveu sobre algumas das novelas do escritor russo, incluindo o título que chega agora em abril pela editora 34.
 
DUAS PALAVRINHAS
 
O escritor às vezes se usa de modo bem cruel a fim de alcançar o que está, literalmente, mais além dele. O imitador não pode se entregar aos instintos humanos comuns que determinam o que as pessoas querem exibir e o que querem ocultar.
 
— Philip Roth, Por que escrever?

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