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Mostrando postagens de fevereiro, 2023

Houellebecq, o clone

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Por Juan Francisco Ferré Michel Houellebecq. Foto: Celeste Sloman   Michel Houellebecq é o primeiro escritor clonado da história. Ou o primeiro clone do escritor, se preferir. O primeiro romancista que adota a perspectiva do clone sobre o humano para narrar os últimos dias de sua existência no planeta Terra. Talvez este seja o desígnio final de sua literatura. E alguns de seus romances o iluminam com uma perversa autoconsciência, como A possibilidade de uma ilha , o mais incompreendido de todos, em parte por isso mesmo. Por nos mostrar em toda a sua crueza elementar a verdadeira evolução de Houellebecq desde a palhaçada ainda humana (o ângulo clown da sua literatura) ao riso pós-humano (o ângulo clone da sua vida e obra), finalmente dominante. Suas máscaras narrativas transitam, assim, entre avatares e clones, réplicas virtuais e duplos biológicos do carismático escritor.   Por outro lado, todos os romances de Houellebecq constituiriam o “inconsciente político” da hipermodernidade eu

Um ponto no mar

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Por Bárbara Ayuso Juan Goytisolo, uma pessoa não identificada, Italo Calvino, Monique Lange, Luis Goytisolo e Jesús López Pacheco. Formentor, 1959.   Nasceu numa ilha, escreveu quase tudo em outra — que na realidade não era — e morreu numa península. A vida de Italo Calvino pode ser contada de várias maneiras, e quase todas incluem o mar. Mesmo que esteja ausente.   Começou trocando o Caribe pelo Mediterrâneo, de sua Cuba natal para San Remo. Também foi da resistência, mas isso já sabem. Em 1959 havia escrito A trilha dos ninhos de aranha , e ainda estava por vir a fronte límpida com que é lembrado e as obras que o tornariam um autor essencial do Novecento. Na época, Calvino, com 36 anos, sonhava em publicar O visconde partido ao meio na Espanha. Nunca havia pisado no país, mas era o que queria. Contou sobre a alguns amigos por carta. No final, aconteceu. De mãos dadas com Carlos Barral. Ele reservou o voo que trouxe o escritor italiano de Milão a Barcelona: pousou de madrugada numa c

Dez poemas de Wang Fan-chih

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Por Pedro Belo Clara (Seleção e versões)*   Ilustração: Ma Yaun     I. vento e poeira entram por esta cabana adentro, pequena e de palha há uma manta rasgada sobre a cama se alguém vier, será convidado a entrar posso fazer dois montes de terra para nos sentarmos     II. não tenho carvão para me aquecer com um sopro, avivo o fogo alimentado por hastes de salgueiro e cânhamo tenho sake no jarro e o pote de três pernas ainda tem uma para se apoiar     III. muitos são os que desejam altos cargos um trabalho que pague o suficiente para encher duas tigelas de arroz é o quanto me basta o fogo que ferve o arroz no pote também aquecerá os meus pés     IV. sou pobre, então riem de mim sou tão pobre que o riso alheio encanta-me nenhum boi, nenhum cavalo nenhum ladrão me preocupa     V. ando há tanto tempo esfomeado caído no buraco do próprio estômago uma criança perdida, sofrendo — oh, mãezinha, como pudeste dar-me vida?     VI. aquele homem e a sua mulher, tão românticos ao crepúsculo… sem

Boletim Letras 360º #520

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DO EDITOR   1. Queremos realizar o próximo sorteio entre os apoiadores do blog no próximo dia 7 de março de 2023. Até lá é possível se inscrever para concorrer a um dos dois livros disponibilizados: Lições , de Ian McEwan (Companhia das Letras) e Aniquilar , de Michel Houellebecq (Alfaguara).   2. Para registrar seu apoio é simples. Basta enviar a partir de R$20 através do PIX blogletras@yahoo.com.br e em seguida fornecer o comprovante por este mesmo endereço de e-mail. Se quiser outros detalhes, acesse aqui .   3. Outra forma de apoio a este projeto é a aquisição de qualquer um dos livros apresentados pelos links ofertados neste Boletim ou mesmo qualquer produto que você adquirir online, use este link .     4. Um fim de semana excepcional e com boas leituras. Juan Pablo Villalobos. Foto: David Ramírez.   LANÇAMENTOS   No novo romance de Juan Pablo Villalobos dois imigrantes precisam lidar com uma dura crise existencial em meio a burocracias, teorias da conspiração e uma doença term

William Faulkner foi um mau carteiro

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Por Rafael Ruiz Pleguezuelos William Faulkner. Foto: Henri Cartier Bresson.   Uma batalha entre Hemingway e Faulkner, na minha imaginação, é como um daqueles blockbuster que coloca Godzilla contra um bando de zumbis. Algo atraente, mas também ridículo. Muito já foi escrito sobre a animosidade de Faulkner contra aquele ilusionista de frases curtas chamado Ernest Hemingway. Saber a origem da rivalidade é fácil: Hemingway representa tudo o que Faulkner não é, e vice-versa. Suas duas escritas, quando comparadas, tendem a se odiar. E temos que assumir isso como leitores. Você está de um lado ou de outro. Eu gosto dos dois, mas se você realmente quer encontrar seu caminho na literatura, não é uma escolha lógica.   Hemingway começou a trabalhar para um daqueles jornais cujo nome parece destinado a aparecer em algum filme de Hollywood dos anos 1950: o Kansas City Star , e começou a colaborar com eles quando tinha apenas dezessete anos, porque seu tio Tyler o apresentou a esse mundo uma vez que