Marcel Proust: o aroma dos meninos em flor
Por Luis Antonio Villena
A ideia terá aparecido — certamente — a partir de um homem apaixonado pelos
jovens que pagava e frequentador assíduo de bordéis masculinos, alguns
ligeiramente camuflados como banhos turcos, onde chegava a cenas
sadomasoquistas. Tudo isso foi negado por Céleste Albaret, sua última e
dedicada empregada e cuidadora, mas seu testemunho, nisso, valeu muito pouco. O
Barão de Charlus, como personagem, tem algo do próprio Marcel Proust no mais íntimo.
Jupien, aquele que comanda o bordel no romance, era na verdade Albert Le
Cuziat, a quem o escritor deu a grande mobília da casa de seu pai, e que tinha dois
estabelecimentos com prostituição masculina em Paris, o famosíssimo Hôtel
Marigny e os Banhos du Ballon d’Alsace.
O nome de Le Cuziat — amigo de Marcel, se quiserem, um amigo secreto —
aparece em numerosos relatórios da polícia parisiense, que fiscalizava esses
estabelecimentos, muitas vezes com clientela distinta, até que foram fechados —
os que permaneceram — após 1956. Em um desses documentos sobre o Hôtel Marigny
(Rue de l’Arcade 11), datado de janeiro de 1918, o nome de um dos
frequentadores assíduos aparece com muita clareza: “PROUST Marcel, 46 anos,
rentista, 102 Boulevard Haussmann.” Céleste poderia não atestar, mas aí estava
e ainda está o relatório... Então foi só o romancista que foi atrás do chofer
Agostinelli, aquele que retirou do Ritz um garçom suíço durante a guerra,
chamado Henri Rochat, ou apenas o visitante das casas dos meninos?
Isso nos leva a aceitar a frase de William C. Carter em seu livro Proust
in Love [Proust apaixonado, em tradução livre]: “Olhando para sua vida
amorosa, parece justo dizer que Proust nunca teve um relacionamento sexualmente
satisfatório com um parceiro o qual amasse”. O Proust dos vários amores venais
não é incerto, mas o jovem que amou e desejou, desde cedo, seus amigos da
melhor sociedade, o jovem daquelas “jeunes filles en fleur”, mais como meninos
em flor, foi plenamente real e efetivo, como também o demonstra uma riquíssima
correspondência que nunca deixou de aparecer. Vale uma rápida revisão.
Desde os tempos do curso de Filosofia no notável Liceu Condorcet (1888),
Proust começa a buscar amigos que compartilhassem de seu sentimento e
sensibilidade homoeróticos. Em alguns só encontraria a amizade, provavelmente
não isenta de flertes, não raro entre os jovens sozinhos, mas em outros — dois
em particular — encontrou uma resposta óbvia, embora a partir de hoje devamos
considerar que não era o que Marcel, no fundo, desejava.
Um dos primeiros que conhecemos foi Jacques Bizet (1872-1922), que
morreu tragicamente um mês antes de Proust. Jacques — existem cartas muito ternas
escritas para ele — acabou por ser médico e homem de negócios, mas também
viciado em ópio e morfina, o que o levou talvez ao suicídio. Ele era filho de
Georges Bizet, autor da ópera Carmen. Sua relação sentimental com Proust
é certa, embora não saibamos se avançou além disso. Bizet era primo de
Daniel Halévy, outro dos rapazes pretendidos por Marcel sem sucesso. O conde
Robert de Billy (1869-1953) se tornaria embaixador da França no Japão.
Marcel também não teve sorte amorosa, mas por um tempo ele foi um amigo
próximo daquele que o apresentou a Ruskin e daquele que — pelo seu título — marcou a entrada de Marcel no “beau monde”,
isto é, na aristocracia dos Guermantes. O amigo aristocrata foi Robert
Pellevé, Marquês de Flers (1872-1927). Robert de Flers será outro dos amados e
desejados de Marcel, mas pouco mais.
Apenas dois amigos dessa época — já na década de 90 do século XIX — eram
realmente mais que amigos, embora a relação verdadeira não pareça ter
preenchido a mais profunda e um tanto obscura sensualidade de Marcel: Reynaldo
Hahn e Lucien Daudet, ambos mais jovens que Proust. Ligeiro compositor e
admirado, Reynaldo Hahn (1874-1947) nasceu em Caracas, filho de pai alemão e
mãe venezuelana de origem espanhola. Discípulo de Massenet, Reynaldo, que chegou
a morar em Madri durante quase um ano, foi amigo e confidente de Marcel ao
longo da vida, quase o único que teve livre acesso ao apartamento do fechado
escritor asmático, mas a relação sentimental consumada mal chegou a dois anos.
Uma foto de Reynaldo (1894) jovem com bigode é dedicada “À mon petit
Marcel”. Proust chamava Hahn de “Mon cher petit Binibuls”. Mas, sem dúvida, a relação
amistosa-sentimental mais completa — e conhecida — de Proust (um ano depois do
famoso retrato de Blanche, com a gardênia na lapela) ocorre com Lucien Daudet
(1876-1946) de suave ar afeminado. Jean-Yves Tadié diz “rosto terno e um tanto
efeminado”. Lucien era filho do escritor Alphonse Daudet e irmão mais novo do
político nacionalista Léon. Parece que Lucien se apaixonou pela “palidez lunar”
de Proust com quem teria amizade e sexo, embora também não parecesse ser o que
Marcel almejava.
Amigo do pintor Whistler e depois de Jean Cocteau, Lucien teve uma
carreira literária ocasional, que termina em 1941 com uma biografia de seu pai.
A relação Proust-Daudet fica tão clara que o cronista (homossexual) Jean
Lorrain a comenta. Proust, cavalheiresco, desafia-o para um duelo que nunca foi realizado. A famosa foto de 1893
que mostra Marcel sentado no meio de Flers e um delicado Daudet em pé, diz
quase tudo. Mas não terminou.
Os mais impossíveis (mas amigos) “meninos em flor” seriam os
aristocratas de um pouco mais tarde, desde o príncipe romeno Antoine Bibesco ao
visconde Robert d’Humiéres, o marquês Boni de Castellane (gay) ou o belo Armand
de Gramont, Duque de Guiche, em cujo casamento em 1904 um discreto Proust é
descoberto. Todos esses elegantes e refinados são modelos possíveis para
Saint-Loup e aqueles desejados em vão por Marcel. Os rapazes em flor preenchem,
de uma forma ou de outra, a vida sentimental do romancista entre 1888 e 1905.
Mas faltava a Proust algo que o conduzisse a um mundo, vimos, menos dizível.
O primeiro poema sobrevivente de Proust (um soneto), dedicado ao
impossível Daniel Halévy, entre cujos papéis foi encontrado, intitula-se, não
por acaso, “Pédérastie” — falamos à maneira grega, é evidente — e data de
novembro de 1888.
Pederastia
Se tivesse uma grande bolsa cheia de
ouro ou dinheiro de cobre
com coragem em minha mente, lábios
ou mãos
deixando minha vaidade — cavalo,
livro ou senado —,
Fugiria, ontem, esta noite ou
amanhã
para um campo de framboesa — esmeralda
ou carmim.
Sem rústicos tédios, vespas, geadas
ou orvalho
Gostaria de sempre mentir, viver
ou amar
com uma doce criança, Santi, Pedro
ou Fermín.
Fora com o tímido desprezo dos
homens prudentes!
Neve, pombas! Cantem, olmos!
Amarelo, maçãs!
Até minha morte eu quero respirar
seu perfume!
Sob o ouro dos sóis vermelhos, sob
a madrepérola das luas
Quero... desaparecer e pensar que
estou morto
longe das sentenças fúnebres de importunas
virtudes!
* Este texto é a tradução livre para “Marcel Proust: el aroma de los
muchachos en flor”, publicado aqui, em El Cultural.
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