O emoji nasceu nos cascos de uma tartaruga: em busca da origem da escrita
Por David Barreira
Pedra Roseta (detalhe). Descoberta foi essencial para entender os hieróglifos egípcios. |
A escrita mais duradora e estável da história foi inventada na China. O
chinês de hoje é quase o mesmo que as primeiras inscrições de 3.200 anos atrás
e é o único sistema no mundo que ainda é usado para registrar o idioma para o
qual foi criado. Esses primeiros testemunhos foram documentados em cascos de
tartarugas, omoplatas bovinas e objetos de bronze enterrados em uma série de
túmulos concentrados na capital da dinastia Shang, em Anyang.
A mais rica de todas foi descoberta em 1976 e pertencia a uma mulher
formidável: Fu Hao, uma das sessenta e quatro esposas do rei Wu Ding. Mas não
qualquer uma: pelas inscrições e pelas armas encontradas intactas na sua
sepultura, sabe-se que ele foi comandante-chefe do exército e liderou 13.000
soldados em várias campanhas. Ainda mais importante foi seu papel como adivinho
para o soberano, e esse é precisamente o contexto para o nascimento da escrita
chinesa. As datas, os protagonistas e os resultados das práticas divinatórias
da corte real e da mais alta camada da sociedade foram gravados nas carapaças.
Mas a escrita, segundo a versão oficial, nasceu na Mesopotâmia, na Idade
do Bronze, no final do quarto milênio a.C., e era feita de seixos antigos — “tokens”,
símbolos de várias formas geométricas — que remontam 10.000 anos. Foi em Uruk,
a cidade mais antiga da história, que o protocuneiforme e seus símbolos
combinados surgiram através de esquemas iconográficos, que alguns séculos
depois, já no período de Jemdet Nasr, mais ao norte, se misturaram com números.
Sua função era manter a maquinaria burocrática mesopotâmica, a administração do
palácio. A língua como poder de controle.
O Egito pré-dinástico, antes dos faraós, também tem algo a dizer nesta
corrida. Na necrópole de Umm el Qaab, perto de Abidos, foi descoberta uma série
de símbolos que aparece em vasos, selos ou em cerca de trezentas etiquetas de
marfim perfuradas para serem amarradas com cordões. Eles são semelhantes aos
hieróglifos egípcios, mas anteriores: datados por volta de 3320 a.C. O sistema
parece ter sua própria racionalidade e coerência, e muitos especialistas veem
nele um esboço de linguagem que poderia alterar a classificação e destronar a
Mesopotâmia do ponto mais alto do pódio.
Ainda falta um continente na equação, a América. No Istmo de
Tehuantepec, no sul do México, o “istmeño” desenvolveu-se no final do período
pré-clássico, a primeira escrita do Novo Mundo, complexa, que codificava textos
longos, mas um sistema que permanece indecifrável. Era uma espécie de
precedente dos maias — os signos são muito semelhantes — e de seus glifos
esculpidos em estelas de pedra, altares, painéis etc., que até apenas meio
século atrás eram vistos como desenhos planos, sem fonética.
Silvia Ferrara, professora de Filologia Micênica da Universidade de
Bolonha, tenta responder a perguntas como quantas vezes a escrita foi inventada
e como isso pode ser estabelecido com certo grau de probabilidade em La gran
invención [A Grande Invenção]. Se o título já revela a importância que a
autora atribui a essa criação na escala das revoluções da humanidade, a leitura
do ensaio informativo, escrito com coloquialidade surpreendente, mas sem perder
o pulso erudito, confronta descobertas marcantes, questões inquietantes e paradoxais
cenários futuros: a tirania do emoji nada mais é do que um retorno às
origens icônicas da expressão escrita.
Ferrara, que é diretora do INSCRIBE, um projeto que investiga a invenção
da escrita combinando linguística, arqueologia, antropologia, percepção visual
e estudos cognitivos, lembra que há cerca de uma dezena de escritas antigas no
mundo que ainda não conseguimos ler ou entender, indecifrável.
A ilha de Creta, onde concentra parte de seu trabalho, esconde quatro
deles: o hieróglifo cretense, “as primeiras inscrições na Europa”, documentadas
em uma necrópole de 4.000 anos atrás; a linear A, um silabário com
aproximadamente noventa sinais e uma série quase infinita de logogramas; a
linear B, que registra um dialeto grego muito arcaico; e o disco de Festus.
Este misterioso pedaço de barro cozido, encontrado entre os restos de um grande
palácio minoico, foi interpretado como uma falsificação ou uma espécie de jogo
de ganso, mas tem duzentos e quarenta e dois sinais impressos em sequências de
palavras bem separadas e não arbitrárias. É uma verdadeira linguagem escrita,
um unicum que até agora leva a um beco sem saída.
As páginas dedicadas a sistemas ainda não decifrados são as mais
fascinantes do livro, que também homenageia descobridores como Jean-François
Champollion e sua Pedra de Roseta, um marco que acaba de cumprir dois séculos.
A lista de quebra-cabeças vai do manuscrito Voynich, um livro de
duzentas páginas cuidadosamente ilustrado com imagens fantásticas — flores e plantas quiméricas, silhuetas de
mulheres nuas, uma grande exibição de diagramas alquímicos —, com a aparência
de uma enciclopédia criptografada da ciência do século XV; ao rongorongo da
remota Ilha de Páscoa, talvez o mais misterioso. São tabuletas de madeira
entalhadas com uma série heterogênea de sinais que podem ser lidos em
ziguezague por intervalos — a segunda linha tem os sinais de cabeça para baixo
em relação à primeira e deve ser virada. Trata-se de um logossilabário
certamente relacionado com a atual língua rapanui e cuja razão de ser parece
ser o substrato da ilha, os petróglifos de criaturas marinhas e figuras de
homem-pássaro.
* Este texto é a tradução livre para “Los ‘emojis’
nacieron en los caparazones de tortuga: en busca del origen de la escritura”,
publicado aqui, em El Cultural.
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