A escrita dos insetos
Por Mauricio Molina
À memória de Roger Caillois e Severo Sarduy
Ilustração: Jean-Michel Folon |
À primeira vista, você só pode ver
um emaranhado de rabiscos distribuídos nas folhas de papel. Pode-se dizer que a
escrita é uma selva em miniatura onde se esconde um animal mimético,
metamórfico, confundido entre as letras, raramente percebido com clareza: o
sentido.
Ler palavra após palavra envolve
seguir um rastro na paisagem em miniatura da página, como se o olho decifrasse,
ao longo das fileiras de manchas, pontos e rabiscos, uma cadeia de formigas ou
o contorno de uma borboleta confusa mais além, mimetizada na escrita.
Um lugar comum faz do escritor um
matador de insetos que ele esmaga na página em branco, mas milagrosamente,
graças à percepção distante do olhar, essa série de manchas adquire significado.
Ou pode-se dizer também que a escrita é o rastro de um inseto que escapou do
frasco do tinteiro e laboriosamente escapa pela página. É um inseto invisível,
que apenas deixa seus rastros para colocar o enigma de sua existência. Inseto
em fuga permanente que ninguém viu e que seria o deleite de um entomologista.
Escrever (e ler) seria uma metáfora para a busca desse inseto indescritível.
Escrever é esmagar insetos meticulosamente
em páginas em branco.
A selva é para o homem o que a
grama é para o inseto.
Alguns idiomas são especialmente
propensos a esse tipo de confusão. O árabe, com suas sinuosidades, lembra as
ondulações de uma larva. O hebraico ou sânscrito lembram um exército de cupins
distribuídos pela página. Esse formigueiro produz um efeito vibratório no
olhar, um zumbido mudo (se é que existe): o texto ondula e canta. Os ideogramas
chineses lembram o voo das borboletas ou a silhueta estilizada de um
louva-a-deus escondida entre os galhos de um arbusto.
A frieza, a distância, a
metamorfose são características que nos fascinam no inseto; a meticulosidade, o
senso de observação e o culto ao detalhe são características do entomologista;
a fusão de ambas as qualidades é característica do escritor. O universo do diminuto
é o próprio da escrita. (E aqui vem a memória da obsessão de Walter Benjamin por
escrever páginas de cem linhas).
Não é coincidência que escritores
como Ernst Jünger e Vladimir Nabokov sejam entomologistas ao mesmo tempo, que
Franz Kafka tenha dado tanta importância aos insetos, ou que Roger Caillois
tenha dedicado a eles ensaios memoráveis. Embora as perspectivas desses
escritores sejam completamente diferentes, muitas vezes opostas, há uma
profunda unidade em seu trabalho. O estilo gélido de Jünger, o senso de
observação meticuloso de Nabokov, a habilidade taxonômica de Caillois ou a
distância em preto e branco da escrita de Kafka não são apenas traços
estilísticos, que os tornariam em mera retórica: são pontos de partida.
Esse ponto de vista deve ser
chamado de perspectiva do inseto. A metáfora banal do homem transformado em
inseto pelos estados totalitários, oriunda da clássica Fábula das abelhas
de Bernard de Mandeville — cuja ideia fundamental é que o egoísmo e não a
virtude são os fundamentos da sociedade —, não é mais que um princípio. A
presença do inseto na literatura vai muito além.
No século XIX, os insetos passaram
a habitar algumas páginas da literatura através da obra de dois precursores da
modernidade: Edgar Allan Poe e Lewis Carroll. A conto de Poe “A esfinge”, que
descreve uma alucinação característica do delirium tremens, nos introduz
no mundo do gigantesco, do desproporcional. O personagem-narrador descreve um
enorme monstro peludo que possui asas metálicas e uma caveira tatuada no corpo.
No final, o pretenso monstro é revelado como um inocente lepidóptero, a Sphinx
Crepuscularia. No entanto, a revelação da existência deste espécime, que
por um mistério casual possui efetivamente uma caveira tatuada nas costas, é o
que dá à história uma ambiguidade especial. Não é tanto a revelação do
mistério, mas a existência desse inseto que constitui o enigma da narrativa. O
conto de Poe, em sua aparente simplicidade, encarna sobretudo uma das questões
básicas que percorrem o mundo de escritor estadunidense: a legibilidade do
mundo. A ideia (que o simbolismo deixaria como legado) de que o universo contém
uma mensagem que deve ser decifrada pelo artista. Assim poderiam ser interpretadas
as montanhas e cânions que aparecem no final de Arthur Gordon Pym e que
são uma mensagem “gravada sob a poeira, dentro da rocha”, as civilizações de
Eureka, as Correspondances de Baudelaire ou o mapa astral de Un Coup
de Dés de Stéphane Mallarmé.
Em O escaravelho de ouro,
Poe usa o besouro como pretexto para elaborar uma complicada construção
analítica de decifração baseada na descoberta fortuita de um pedaço de papel
que, por sua vez, contém uma mensagem criptografada. Na imaginação de Poe, o
inseto serve tanto para entrar no mundo do gigante quanto no frio universo da
análise.
Alucinação e raciocínio, ocultismo
e análise pura se fundem na perspectiva do inseto. Essas características seriam
retomadas quase um século depois por Kafka para a realização de A metamorfose.
A meticulosa frieza da prosa kafkiana para descrever as reações de Gregor Samsa
transformado em inseto lembra o trabalho do cientista e principalmente do
entomologista ao descrever os hábitos do inseto-personagem.
Em A mulher das dunas, do
inevitável autor japonês Kōbō Abe, um entomologista está perdido em um mundo
arenoso, onde os homens habitam buracos dos quais não podem sair, exceto em
ocasiões de sorte. As imensas dunas, impossíveis de cavar, lembram o universo
denso dos insetos que o protagonista pretendia capturar. Os insetos se movem no
universo do gigante. Nenhum ser vivo percebe melhor do que eles o verdadeiro
tamanho de um sapato, o campo granulado de uma folha de papel ou a textura da
pele de uma menina (por exemplo, os pelos invisíveis que emergem do campo
minado dos poros). O mundo dos insetos diante do mundo humano é, de fato,
semelhante ao dos humanos diante do mundo que os cercam, onde o gigante
coexiste com o minúsculo.
Essa mistura entre o titânico e o
diminuto faz parte da percepção da modernidade. Cidades imensas, miniaturização
das máquinas, desproporção semelhante à percebida por um besouro sobre uma
mesa: copos enormes como prédios, crostas de pão gigantes como meteoritos numa
paisagem lunar.
Gregor Samsa, o inseto mais famoso
da literatura, é um besouro que não sabe que tem asas sob a carapaça e que,
portanto, poderia voar para fora daquele quarto opressivo que o encerra como uma
redoma. Desde então, os insetos não pararam de aparecer para os escritores e
colonizar suas páginas. Autores aparentemente tão diferentes como Vladimir
Nabokov, Ernst Jünger (renomados entomologistas), Roger Caillois, Robert Musil
ou Cyril Connolly dedicaram-lhes páginas memoráveis e até livros inteiros.
Qual é o motivo desse fascínio pelo inseto? É uma mania entomológica, uma
obsessão em miniatura, uma constante gratuita, ou realmente tem um efeito
profundo na imaginação moderna?
Nenhuma escrita consegue o
distanciamento da de Kafka. Essa percepção de afastamento dotou seu trabalho de
um significado especial: o do estranhamento. Kafka olha o mundo pelos olhos do
outro, parte de uma alteridade radical. A transformação de Gregorio Samsa em
besouro é o início de uma série de investigações sobre a percepção do inseto.
Em sua obra é sempre a alteridade que nos observa de além. Em suas Conversas
com Kafka, de Edvard Janouch, o autor nascido em Praga afirmou que a
fotografia oferecia a visão fabulosamente ampliada de uma mosca. Essa ampliação
da perspectiva, esse destaque do pequeno para torná-lo imenso, pode ser visto
em muitas de suas obras.
Tomando como modelo o olho de um
inseto, foram realizados experimentos com câmeras especiais onde se reproduz a
perspectiva do inseto; os resultados foram surpreendentes. O inseto percebe o
mundo a uma velocidade muito maior do que a nossa e, portanto, tudo ao seu
redor fica mais lento, e é por isso que muitas vezes escapa do mata-moscas. O
espaço que o cerca é muito mais espesso do que o ser humano percebe: o inseto “mergulha”
no ar da mesma forma que os peixes na água. O ambiente deles é mais denso,
diferente do nosso, que é mais leve e aparentemente vazio. O inseto, enquanto
voa, deve evitar partículas de poeira, ou turbulência do ar derivada de um tapa
malsucedido ou das correntes de ar. Quem já viu uma mosca lutando
laboriosamente em uma gota de água até se afogar, perceberá que o líquido para
ela é uma substância espessa, pegajosa, pesada, e o mesmo acontece com a luz:
sob a lupa o inseto pode queimar.
Como nas fantasias de Lewis
Carroll — um dos pioneiros da perspectiva do inseto —, também nos romances e
contos de Kafka o tempo tende a avançar ou retroceder até se tornar um
pesadelo, como aquele capítulo de O castelo em que K., depois de se
levantar muito cedo e mal andar algumas ruas em direção ao Castelo, percebe que
começa a escurecer. K. entrou na duração do inseto. Cada dia que passa para um
inseto é um prazo muito maior do que para nós (há até uma coleoptera, as efêmeras,
que vive apenas um dia). O seu é um tempo compacto que, paradoxalmente, é “mais
longo” (Rulfo). Nossos segundos são suas horas. O deles é um “tempo enorme”
(Beckett).
Roger Caillois estudou o fenômeno
do mimetismo em dois ensaios memoráveis: Medusa et Cie e Le mythe et
l'Homme. Para Caillois, os insetos e os homens estão relacionados no fato
de ambos fazerem uso da máscara para simular a alteridade. Duas borboletas com
a mesma aparência podem ser de espécies muito diferentes e até mesmo habitar
regiões geograficamente distantes uma da outra. Certas larvas são dotadas de
desenhos que simulam olhos gigantescos — ocelli — para fazer parecer que são
cabeças de cobras e assim afugentar seus predadores. No entanto, esse uso da
máscara não é bem-sucedido, é uma ostentação, um excesso, pois os predadores
costumam devorá-las sem nenhuma comiseração.
Severo Sarduy, por sua vez, viu na
maquiagem, nas tatuagens e em todas as formas de transformação da aparência, um
profundo parentesco com os insetos. A modelo que se maquia para realçar os
olhos, o travesti que aparenta uma mulher, o homem que tatua um escorpião no
braço para parecer mais agressivo, não fazem nada além de repetir a atuação dos
insetos, embora estes — infinitamente superiores — fazem-no graças a um
conhecimento genético obscuro e enigmático.
Os insetos atraem e horrorizam. O
Louva-a-deus, em cujo olhar Cyril Connolly viu um dos maiores enigmas da
natureza (o que ele olha quando se vira para nos ver?), é capaz de ficar horas
confuso nos arbustos, balançando para simular a passagem do vento ou a queda de
uma gota de água sobre uma folha (já até os vi balançar dentro de uma jarra, o
que indica que esse movimento é mais um mecanismo de simulação do que uma
reação a um estímulo externo). Quando uma presa desavisada chega perto o
suficiente, o Mantis se lança sobre ela, induzindo uma paralisia hipnótica em
sua vítima que a impede de se mover e permite que seu predador a capture com
suas pinças e a devore. Esse jogo de aparecimento e desaparecimento, por mimetismo,
é característico dos insetos.
Além de um significado simbólico,
há uma dinâmica do inseto na imaginação humana.
Os insetos estão entre nós e não
há nada a fazer. Eles olham para nós esperando por uma mutação evolutiva e nos
mostram a natureza muitas vezes irrisória ou francamente limitada da percepção
humana. Quando o homem desaparecer da face da terra, eles vagarão entre as
ruínas, serão donos de um mundo sem consciência, e repetirão seus simulacros,
seus jogos miméticos, escrevendo ideogramas e hieróglifos sobre a terra: a
escrita de um mundo que se recusa à interpretação.
Ligações a esta post:
* Este texto é a tradução
livre para “La escritura de los insectos”, publicado aqui em Nexos.
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