Território Lolita
Por Ana Clavel
Vladimir Nabokov. Foto: Horst Tappe |
“É impossível saber se foi um feliz acidente ou um objetivo deliberado,
mas é claro que em algum momento do passado remoto alguém criou a representação
de um objeto de desejo erótico, provavelmente um corpo ou parte dele, e ao
contemplá-lo descobriu que tinha um poder incomum.”
— Em Pornografia, de Naief Yehya.
Todo objeto de desejo torna-se na imaginação, na fantasia, um fetiche.
Fetiche, do latim facticius: artificial, e facere: fazer.
Contradição aparente: não é o objeto, mas é o mesmo — ou até mais. Sinédoques
do desejo. A parte pelo todo, ou o todo pela parte. Não é essa a essência de
Lolita ou do próprio desejo? São encarnações ou substitutos do objeto de amor
perdido, desse inefável prazer que jamais será recuperado? O mito da filha de
Butades que explica a origem da pintura, segundo Plínio, como um ato amoroso
para preservar o rastro do amante que partia, mas também a origem e a essência
do desejo, segundo nós.
Uma pulsão no tempo e o suposto plágio
Em 1953, quando Vladimir Nabokov colocou um ponto final em Lolita,
ele tinha 54 anos, emigrara para os Estados Unidos há treze, colaborava como
voluntário no departamento de Lepidopterologia do Museu de Zoologia Comparada
da Universidade de Harvard e era professor de Literatura russa e europeia na Universidade
de Cornell, Ithaca. O romance será publicado dois anos depois em Paris pela
editora Olympia Press, famosa por colocar em circulação obras polêmicas, já que
nenhuma editora estadunidense quis publicá-lo. Juan Villoro comenta em
“La piedad del asesino” (Letras Libres, maio de 1999):
“Em 1948 começou a escrever Lolita. Alguns meses depois, duvidou
de seu material; talvez inspirado por Gógol e sua incerteza diante de Almas
mortas, ele quis queimar o manuscrito. Sempre atenta aos seus textos, Vera
evitou o auto-de-fé. Em 1953 pôs fim à história de amor de uma ninfeta de doze
anos com um homem de 42 anos, mas não havia como publicá-la nos Estados Unidos.
A primeira intenção de Nabokov era assinar com um pseudônimo, mas o editor
Roger Strauss o convenceu a usar o nome verdadeiro: se o romance fosse levado a
julgamento, o nom de plume seria visto como um reconhecimento tácito de
sua indecência; por outro lado, protegê-lo com o sobrenome de um professor universitário
ajudaria a demonstrar que o autor buscou superar um tema repugnante com
recursos artísticos. Nabokov seguiu o conselho. Em 1955, Lolita apareceu
com seu nome em Paris na editora Olympia, que havia publicado Miller, Genet,
Durrell e toneladas de pornografia.”
Conhecida é a história da gênese do romance. Segundo o próprio Nabokov
no epílogo do livro, a ideia surgiu a partir do final de 1939 ou início de
1940, quando leu em Paris um artigo jornalístico sobre um chimpanzé que, preso numa
jaula no Jardin des Plantes, desenhava as barras de sua jaula. O especialista na
obra de Nabokov, Michael Juliar, destaca que naqueles anos foi publicado um
artigo na revista Life sobre um macaco chamado Cookie que, treinado por
um cientista, tirou várias fotos a partir da sua gaiola, e que Nabokov na
memória pode tergiversar como desenhos feitos com carvão. Seja o que for, como
destaca Alberto Chimal, é aí que surge a imagem do “prisioneiro que olha de
dentro da jaula”, que inspirou o ponto de vista de Humbert Humbert, quem conta
sua história na prisão e aguardando sentença. Mas, mais do que uma
circunstância jurídica, é uma imagem que é metáfora do delírio, da paixão em
que o protagonista está aprisionado, possuído por seu desejo pederasta.
A ideia era tão poderosa — Nabokov fala de uma “pulsão” que vibrou nele
ao longo do tempo — que levou o autor a uma primeira tentativa em que o
triângulo Lolita já está presente com algumas variações: O feiticeiro.1
A história se passa em Paris e Florença. Arthur, um homem mais velho da Europa
Central, também se casa com a mãe doente de uma menina pré-adolescente por quem
está apaixonado; quando sua mãe morre, ela viaja com sua enteada para um hotel
onde tenta tocá-la enquanto ela dorme. A menina acorda e reagindo com surpresa
e horror, o protagonista sai em pânico e é atropelado por um caminhão.
A ninfomania estará presente em toda a obra do escritor russo, embora coube
a Lolita ser a obra que desenvolve especialmente o tema em profundidade.2
Polêmico, mas ao mesmo tempo censurado pela estreiteza de critérios em torno da
palavra “plágio”, é a questão do antecedente de Lolita no conto homônimo
de 1916, de escassas dez páginas, escrita por Heinz von Lichberg, pseudônimo de
o alemão Heinz von Eschwege (1890-1951), lançado por Michael Maar em março de
2004 na revista Frankfurter Allgemeine Zeitung.3 É preciso
recordar que Nabokov, depois de se formar em Cambridge, mudou-se para Berlim em
1922. Permaneceu na cidade até 1937, quando emigrou para os Estados Unidos.
Assim, é possível que Nabokov tenha lido a coletânea de contos de Lichberg, Die
verfluchte Gioconda (A Gioconda amaldiçoada), e até a tenha
esquecido como efeito uma peculiar criptomnésia.4
Mas se lermos o conto em questão, uma história fantasmagórica de
natureza gótica, perguntamo-nos como Nabokov, se é verdade que leu o texto de
von Lichberg, foi capaz de transformar aquela mal delineada jovem espanhola de
Alicante, também chamada Lolita, sobre quem pesa uma maldição ancestral, na dourada
ninfeta de seu romance. Que magia poderia ter afetado a ele a partir desta
breve — e única — descrição que o autor alemão faz de sua Lolita?
“Ela era terrivelmente jovem para nossos padrões do norte, com olhos velados
do sul e cabelos de um incomum vermelho-dourado. Seu corpo era magro e flexível
como o de um menino, e sua voz era cheia e profunda. Mas havia algo mais em sua
beleza que me atraiu: o estranho mistério que a cercava e muitas vezes me
perturbava naquelas noites de lua cheia.”
Porque aquela terna Lolita, por quem se apaixona o estudante alemão que
viaja para a Espanha para continuar seus estudos, é herdeira de uma profecia
que matou todas as mulheres de sua família por gerações, desde um antecedente distante, uma mulher diabólica por quem
os homens lutam e se matam, é claramente mais uma personagem na trama de um
conto fantástica onde o inusitado anda de mãos dadas com o sinistro, muito ao
estilo das histórias deste tipo. Nada a ver com a criação nabokoviana. A menos
que aquela Lolita distante, fiel à lendária natureza maligna herdada pelas
mulheres de sua família, tivesse enfeitiçado o autor russo, despertando
vagamente nele a promessa de um ser não humano, ninfomaníaco, demoníaco... a já
mencionada criptomnésia, Nabokov teria encapsulado em algum lugar de sua psique
para, muitos anos depois, dar à luz a letal e perturbadora ninfeta de seu
romance.
Ninfeta ou nínfula?
Etimologicamente “ninfa” vem do latim nympha e esta do grego νύμφη:
noiva, aquela que usa véu. Dos seis significados que o Dicionário da Real
Academia confere, o primeiro é, naturalmente, o mitológico (“Cada uma das
fabulosas divindades das águas, florestas, selvas etc., chamadas por vários
nomes, como dríade, nereida etc.”). A segunda e a terceira têm uso coloquial: “bela
jovem” e “cortesã (mulher de costumes livres)”. Outra definição é
surpreendente: “pl. Pequenos lábios da vulva”. A quarta definição, do campo da
zoologia, refere-se a “insetos com metamorfose simples, estágio juvenil menor
que o adulto, com desenvolvimento incompleto das asas”,5
curiosamente, em relação à idade precoce, um significado mais próximo do
conceito de “ninfeta” nabokoviana:
“Entre as idades de nove e quatorze anos, surgem donzelas que revelam a
certos viajantes enfeitiçados, duas ou mais vezes sua idade, sua verdadeira
natureza não humana (ou seja, demoníaca); proponho chamar essas criaturas
escolhidas de ‘nínfulas’.
Advertir-se-á que substituo termos espaciais por temporais. Na verdade,
gostaria que o leitor considerasse os ‘nove’ e os ‘catorze’ como os limites — praias
cintilantes, rochas rosadas — de uma ilha encantada, habitada por aquelas
minhas nínfulas e cercada por um mar vasto e enevoado.”6
Nabokov usa a palavra inglesa nymphet no original de seu romance,7
razão por que os estudiosos de língua espanhola que leram a obra em seu idioma
original costumam usar o termo “ninfeta”8 em vez de “nínfula”, que é
assim como aparece na tradução que circula em espanhol desde 1959, editada pela
editora Sur9 e posteriormente reproduzida pela Grijalbo e Anagrama,
feita por Enrique Tejedor, pseudônimo do argentino Enrique Pezzoni.
Em uma maravilhosa nota, “Lolita censurada” (Letras Libres,
dezembro de 2001), Ernesto Hernández Busto consigna uma amostra de omissões e
distorções devido à censura de Tejedor, especialmente em matéria de sexo,
frases sugestivas e outras nem tanto com as quais Humbert Humbert, o narrador e
protagonista do romance, refere-se à sua amada e suas belas partes, aos sentimentos
e reações de excitação que provoca nele, às situações ambíguas em que está
imerso por sua exaltada paixão, entre outros.
Mas, quanto à decisão de como a pequena ninfa foi nomeada em espanhol,
exceto por aqueles que rejeitam o termo usado pelo tradutor e que se referem a
Lolita com o anglicismo “ninfeta” transferido do original, ninguém parece notar
a descoberta da palavra “nínfula”.
Vamos por partes. Quando Nabokov decide usar a palavra nymphet
para designar aqueles seres de “graça letal”, aquelas pequenas ninfas de
natureza daimônica, ele usa um termo já consignado pelo The Century
Dictionary e atribuído ao poeta Michael Drayton em 1612, data em que ele
publicou seu extenso poema Poly-Olbion, no qual escreve: “Of the
nymphets sporting there In Wyrrall, and in Delamera”. A expressão “nínfula”,
por outro lado, parece ser uma derivação criada por Enrique Tejedor, da palavra
“ninfa” e do sufixo latino -ula, diminutivo feminino. Esta adaptação,
que não desrespeita as regras da castelanização, goza, a meu ver, de
aumentar o grau de sonoridade doce de uma consoante líquida como o “l” que
Nabokov conhecia muito bem quando dizia nas linhas iniciais da sua obra: “Lo-li-ta:
a ponta da língua faz uma viagem de três passos céu da boca abaixo e, no
terceiro, bate nos dentes. Lo.Li.Ta.” Assim, embora alguns leitores e críticos
que frequentam o original em inglês se incomodem com o fato de o tradutor não
ter usado a palavra “ninfeta” — apesar do tom depreciativo que esse anglicismo
sugere em espanhol —, a verdade é que o uso de “ninfeta” foi estendido na
designação das ninfitas nabokovianas — quero acreditar — devido a seus
resquícios de língua materna e à doçura de sua fonética que a aproxima da essência
sutil, palatal e volátil de Lo-li-ta, “light of my life”. Uma daquelas ocasiões
em que o tradutor não é um traidor.
Vladimir Nabokov. Foto: Horst Tappe |
Lições de Entomologia Aplicada
I
Acasos incríveis ou
estranhas coincidências ocorreram na vida de Nabokov. Talvez seja assim em
qualquer existência, mas só fica evidente quando o assunto é colocado sob uma
lupa porque a fama o transformou em uma borboleta com desenhos iridescentes que
o espanto ou a morbidez procuram decifrar. É sem dúvida uma ironia que o
próprio autor se torne objeto de estudo microscópico quando ele próprio era
especialista em lepidópteros, essa ordem de insetos que inclui borboletas e
mariposas.
Conforme relatado no capítulo 9 de Fala, memória (1967), o “morbus
et passio aureliani” foi herdado de seu pai Vladimir Dimietrich Nabokov. “Aureliano”
é um termo arcaico para designar especialistas no estudo das borboletas, vindo
do grego aurelia que significa crisálida porque pouco antes de ressurgir
como borboleta, a antiga ninfa tem um esplendor dourado (latim aurum:
ouro). Aurelianos eram seu pai e Nabokov desde criança a tal ponto que quando o
Sr. Vladimir foi preso em 1908 por alguns meses por publicar com um grupo de
amigos um manifesto revolucionário que atacava o czar, da prisão ele pergunta à
mãe de seu filho: “Você já pegou alguma Egeria [borboleta de parede]
neste verão?… Diga-lhe que no pátio da prisão só vejo limoeiros e repolho branco”.
Assim, a paixão aureliana era um dom que o pai havia conferido ao filho,
mas até que ponto essa paixão também era doentia para o próprio Nabokov
chamá-la de morbus et passio em suas memórias? Em todo caso, revelação e
memória, ilhas de brilho dourado, paraíso resplandecente, parecem estar
inextricavelmente ligadas na oficina do artista Nabokov quando ele nos diz:
“Parece que durante toda a minha vida e com o maior zelo venho
realizando o ato de recordar viviamente algum fragmento do passado, e tenho motivos
para acreditar que esse aguçamento quase patológico da faculdade retrospectiva
é um traço herdado. Havia um certo canto da floresta, uma pequena ponte sobre
um riacho marrom, onde meu pai parava piedosamente para lembrar da rara
borboleta que, em 17 de agosto de 1883, seu tutor alemão capturou para ele. A
cena de trinta anos atrás foi revivida várias vezes de ponta a ponta. Ele e
seus irmãos pararam de repente, indefesos e excitados com o aparecimento do
cobiçado inseto, que se instalou em um tronco morto e subia e descia, como se
respirasse em alerta, suas quatro asas vermelho-cereja com uma mancha ocular
pavoniana em cada um deles. Num silêncio tenso, sem se atrever a lançar ele
próprio a rede, entregou-a a Herr Rogge, que a alcançou enquanto o seu olhar
permanecia fixo na esplêndida borboleta. Minha vitrine herdou aquele espécime
depois de um quarto de século. Um detalhe tocante: as asas haviam ‘encolhido’
porque tiraram da mesa de secagem antes do tempo.”
As borboletas e a literatura foram, sem dúvida, as grandes paixões de
sua vida. Pouco depois de imigrar para os Estados Unidos em 1940, Nabokov foi
voluntário no Museu de Zoologia Comparada da Universidade de Harvard, onde
realizou pesquisas e publicou seu primeiro artigo dedicado às borboletas Cartherocephalus
canopunctatus, espécie que antes dele não era considerar única e diferente.
Em 1951, quando escrevia Lolita e lecionava na Universidade de Cornell
University, Ithaca, fez uma viagem ao Colorado, às Montanhas Rochosas, e a mais
de 12 mil pés, capturou a primeira Lycaeides argurognomn sublivens10
mais tarde chamada Lycaeides sublivens Nabokov em sua homenagem. Foi
também nessa viagem que ele fez anotações sobre o panorama de uma cidade
vizinha, Telluride, que acabaria fazendo parte das linhas finais de Lolita.
Essas linhas sublimes onde, admirando o “abismo amigo” do vale que se estende
aos seus pés, de onde lhe chega uma azáfama de vida, de mulheres à espera de
homens, de crianças que brincam entre risos e peladas de futebol, sente
saudades de Lolita, desapareceu pela influência de Quilty, o fauno depravado
que arrebata seu amor.
“À medida que me aproximava do abismo amigo, adquiria consciência de uma
unidade melodiosa de sons subindo, como vapor, de uma pequena cidade mineira a
meus pés, numa dobra do vale. Dava para ver a geometria das ruas, entre
quarteirões de telhados cinzas e vermelhos, e os tufos verdes de árvores, e um
riacho sinuoso e o rico brilho mineral do lixão da cidade, e além dele,
estradas que se entrecruzavam sobre a absurda manta de campos pálidos e
escuros, e além de tudo isso, grandes montanhas arborizadas... Fiquei ouvindo
aquela vibração musical da minha encosta suave, aquelas explosões isoladas de
gritos, com uma espécie de murmúrio tímido ao fundo. E então eu soube que o
mais pungente não era a ausência de Lolita ao meu lado, mas a ausência de sua
voz nesse concerto.”
Telluride, em cuja vizinhança descobre e consegue várias exemplares da Sublivens que mais tarde
levaria seu nome, é uma cidade situada na base de um cânion na Serra de San
Miguel, a mais de 9 mil pés. Em seu relatório entomológico, Nabokov o descreve
de forma ambígua: fala dele como um lugar decepcionante, um barranco incomum e espetacular
— no qual um arco-íris prodigioso se erguia pelas tardes —, onde duas estradas
convergiam, “uma vindo de Placerville, a outra de Dolores, ambas atrozes”. Se
você procurar Dolores, Colorado, em um atlas da América do Norte, descobrirá
que também é uma cidade antiga no condado de Montezuma, aninhada no vale de
Dolores, atravessada por um rio também chamado Dolores, e com um pico de
montanha do mesmo nome. Nabokov, que trabalhava em Lolita há pelo menos
dez anos, deve ter sorrido com a coincidência fantasiosa. Bem, até então ele já
havia feito a taxonomia completa da borboleta Lolita, embora só precisasse dar
os retoques finais em seu estudo.11
II
Mas as coincidências e acasos não param por aí, pelo menos no que diz
respeito à figura do pai. De acordo com Nabokov no capítulo 9 de Fala,
memória, seu pai foi o autor de uma coletânea de artigos sobre direito
penal, publicada em São Petersburgo por volta de 1904. É surpreendente, para
não dizer uma questão de destino pelo menos literária, que em um artigo dessa
coleção, escreva sobre alguns casos de meninas que foram abusadas sexualmente.
“Num deles (‘Delitos carnais’, escrito em 1902) o meu pai refere-se,
bastante profética num certo sentido estranho, a alguns casos (ocorridos em
Londres), ‘de menininhas à l'age le plus tendre, isto é, digamos de oito
a doze anos, que foram vítimas de alguns libertinos”. No mesmo artigo, ele
mostra uma atitude muito liberal e ‘moderna’ em relação a vários tipos de
práticas anormais, o que lhe permite acidentalmente cunhar uma palavra russa
muito apropriada para ‘homossexual’: ravnopolïy.”
É claro que Nabokov usa a expressão discreta “de forma bastante profética
num sentido estranho” para se referir à óbvia coincidência com o tema de Lolita,
pois quando ele finalmente leu o livro de seu pai, ele já havia publicado seu
romance há pelo menos seis anos. O livro havia sido dado a ele, como relata em
suas memórias, por “um gentil viajante, Andrew Field, que o comprou em uma
livraria de segunda mão durante sua visita à Rússia em 1961”. Talvez o destino
tivesse sido outro se seu pai não tivesse sido assassinado em 1922 em Berlim, a
cidade onde a família Nabokov buscou refúgio após os tumultos da revolução
bolchevique. As possibilidades de vida teriam sido outras, como o próprio autor
confessa em entrevista de 1967 publicada na The Paris Review:
“Os prazeres e recompensas da inspiração literária não são nada
comparados ao deleite de descobrir um novo órgão ao microscópio ou uma espécie
desconhecida em uma montanha no Irã ou no Peru. Não é improvável que, se não
houvesse uma revolução na Rússia, eu tivesse me dedicado inteiramente à
lepidopterologia e nunca tivesse escrito nenhum romance.”
Ligações a esta post:
Notas
1 O feiticeiro é uma novela que Nabokov escreveu na segunda metade da
década de 1930 e foi publicada após sua morte. Segundo o próprio Nabokov, foi
originalmente escrita em russo, como ele menciona no epílogo “Sobre um livro
chamado Lolita”, mas lá ele afirma que destruiu o original em 1942 porque o
livro não o convenceu.
2 Para uma revisão abrangente dos personagens com tintas de nínfulas na
obra de Nabokov, veja o ensaio de R.H. Durán, “Ninfas y otros lascivias, especies
de dorada pubescencia” na Revista Colombiana de Psicología, Universidad
Nacional de Colombia, no. 4, 1995.
3 Um estudo dedicado ao assunto pelo próprio Maar foi publicado sob o
título D’une “Lolita” l’autre: Heinz von Lichberg et Vladimir Nabokov,
Librairie Droz, 2006.
4 “New Lolita Scandal! Nabokov Suffer from Cryptomnesia?”
no The New York Observer, 4 de abril de 2004.
5 No Diccionario del uso del español de María Moliner, o estágio
larval da definição zoológica é mais acentuado: “Forma jovem de um *inseto de
metamorfose incompleta, caracterizado por sua semelhança com o adulto no qual
se transformará e do qual só difere por ser menor, sem asas e imaturo sexual”.
6 A edição de referência é V. Nabokov, Lolita, Anagrama,
Compactos, 9a. ed., 1999, p. 23.
7 A referência original em inglês diz: “Now I wish to introduce the
following idea. Between the age limits of nine and fourteen there occur maidens
who, to certain bewitched travelers, twice or many times older than they,
reveal their true nature which is not human, but nymphic (that
is, demoniac); and these chosen creatures I propose to designate as ‘nymphets’” (Alfred
Appel, ed. The Annotated
Lolita. Random House, 1991).
8 Entre nós, o Escritores
mexicanos Juan García Ponce e Parménides García Saldaña.
9 Sobre a proibição e polêmica desencadeada na Argentina pela publicação
de Lolita na editora Sur, ver o interessante artigo de Guillermo Mayr,
“El caso Lolita. Lo que pasó en Argentina”, em seu blog “El jinete
insomne”, em 23 de julho de 2010.
10 É possível ler a descrição de tal aventura entomológica relatada pelo
próprio autor como “The Female Lycaeides argurognomn sublivens” em Lepidopterist's
News, 1952, p. 35-36.
11 O escritor R. H. Moreno Durán diz em “Ninfas y otros lascivias, species
de dorada pubescencia”, Revista Colombiana de Psicología: “Como se se
tratasse de elaborar uma nomenclatura do mais clássico rigor entomológico,
Vladimir Nabokov determina em sua escrita gêneros, fixa variedades, classifica
filiações, vivissecta espécies e analisa a estrutura e os hábitos de algumas
criaturas que nada mais são do que certas deliciosas meninas em pleno trânsito
para a puberdade. Não é, portanto, por acaso que a primeira fêmea conhecida da
variedade Lycaeides subviva Nabokov caia na rede do escritor —
transmutado em lepidopterista — em um ponto indeterminado da complexa geografia
pela qual, da carícia à brincadeira, Lolita Haze e o ‘vilão’ Humbert Humbert,
no romance mais famoso do autor russo”.
* Este texto é a tradução livre para
“Territorio Lolita”, publicado aqui, em Confabulario.
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