On Empson, de Michael Wood: um grande crítico acerca de outro
Por Stefan Collini
Em uma época de nossas vidas,
escreve Michael Wood sobre William Empson, “quando em nossa maior parte estamos
tentando entender o que o sistema educacional quer de nós, ele estava
reinventando a crítica literária.” Empson era graduando em Cambridge quando
escreveu um ensaio para seu supervisor, I. A. Richards, mostrando como versos
poéticos poderiam ser construídos de forma a produzir múltiplos sentidos até
então despercebidos. Richards era um professor astuto o bastante para ver que não
havia outra coisa a fazer senão dar carta branca a seu aluno escandalosamente
original, então exortou-o a ir embora e trabalhar no ensaio de modo a
expandi-lo um pouco. O resultado foi que, em 1930, com vinte e quatro anos,
Empson publicou Seven Types of Ambiguity [Sete Tipos de Ambiguidade], um
livro que efetivamente traz consigo certa reinvindicação plausível de ter
“reinventado” a crítica literária.
É um livro estranho, sem
propriamente introdução ou conclusão, e sem argumentação sistemática; mesmo os
sete “tipos” do título parecem, na prática, arbitrários e indistintos. Contudo,
ele permanece como uma das mais inteligentes, sagazes e empolgantes
demonstrações da arte da crítica compreensiva jamais escritas. Empson também
escreveu outros dois livros que igualmente podem reivindicar o lugar de
obras-primas menores do ofício: Some Versions of Pastoral [Algumas
Versões de Pastoral], publicado em 1935, e The Structure of Complex Words
[A Estrutura das Palavras Complexas], em 1951. No apogeu da proeminência da
crítica literária em um âmbito cultural mais amplo na Grã-Bretanha e nos EUA (a
grosso modo, dos anos 1940 aos anos 1960), apenas T. S. Eliot rivalizava com
Empson em termos de posição e influência entre os críticos de língua inglesa.
Empson foi ainda mais precoce como
poeta do que como crítico. Não apenas publicou diversos dos seus melhores
poemas enquanto ainda era graduando, como efetivamente completou sua magra obra
poética com trinta e poucos anos; ainda assim, seu verso intensamente
intelectual e formalmente hábil lhe conferiu um lugar de destaque entre os poetas
do meio do século. Nem todo crítico, infelizmente, pode ser acertadamente
classificado como “escritor”, mas Empson fez por merecer o rótulo diversas
vezes. De todo modo, foi uma ideia arrojada incluí-lo enquanto tema na série
“Writers on Writers” [Escritores sobre Escritores], e uma ideia brilhante delegar
a Wood a tarefa de escrever sobre ele.1
Seu pequeno livro não é
propriamente uma introdução a Empson: presume-se muita coisa e provavelmente
ajuda se o leitor tiver uma visão geral da carreira e das realizações de
Empson. É mais uma “introdução” em sentido social, uma recomendação que nos
permite tomar conhecimento dele e apreciá-lo de forma muito mais rápida do que
nos seria possível por outros meios. E se trata, acima de tudo, de uma
introdução apropriadamente sutil e contudo espirituosa ao poder sedutor de uma
forma particular de crítica literária — uma forma escrita com uma linguagem
enganosamente em tom de conversa, por vezes coloquial, quase completamente
destituída de um arcabouço teórico visível ou aparelhagem acadêmica de peso.
Um dos aspectos mais distintos da
prosa crítica de Empson é o modo como ela abarca passagens inteiras que não
são, a rigor, de análise ou avaliação, mas uma espécie de substituição
narrativa, uma paráfrase estendida do que o autor está dizendo. Diferentemente
da maior parte das paráfrases, porém, as de Empson aprestam-se a não apenas
resumir o sentido literal mas também a vocalizar o tipo de impacto sobre o
leitor que o original almejava causar. Wood descreve o capítulo sobre Rei
Lear em The Structure of Complex Words como “uma das obras-primas da
crítica literária de todos os tempos”, do tipo “que nos deixa excitados e
exauridos de um modo que lembra os efeitos da própria peça”. Ele então
acrescenta: “aqui e em outras partes de sua obra, o estilo de crítica tanto
performa quanto enuncia uma interpretação.” Isso está de todo certo e aponta
para o que torna a crítica de Empson tão empolgante de ler e tão difícil de
emular. Sua escrita altamente performativa vai do discernimento lapidar ao
pastiche despudorado. Wood não tenta arremedar seu objeto, mas sua própria
prosa mais serena passa notavelmente bem no teste de escrever, tal como ele
chama, acerca da “verve e provocação” da prosa de Empson.
Muito da arte da crítica não está
no “julgamento”, no sentido de colar rótulos avaliativos em peças literárias,
mas nas formas mais ramificadas de julgamento envolvidas em sustentar um
diálogo cativante — julgamento quanto a que tom adotar, o grau de intimidade a
ser presumido, quão explícito se pode ser, e por aí vai. Decisões sobre tais
assuntos são decisões referentes a quem se quer ser e sobre quem presumimos que
o interlocutor é. É mais uma forma de tato do que de enunciar frases. Parte da
destreza da própria linguagem crítica de Wood está no uso de recursos do
registro coloquial para dizer apenas o suficiente, para que então completemos o
pensamento e ruminemos sobre ele. Sua brevidade estilística evita o dogmatismo
implícito em toda tentativa de converter uma observação em teoria.
Wood consegue até mesmo fazer Milton’s
God [O Deus de Milton] (1961), o livro mais carrancudo e obsessivo de
Empson, parecer atraente. Sua fixação na crueldade do Deus cristão se torna, na
versão complacente de Wood, mais como uma leve desaprovação diante de um
exemplo de depravação cotidiana, como se Empson suspirasse: “Eu sei que os
deuses são assim, mas, caramba, isso vai um pouco além da conta.” Wood
parafraseia de forma elegante a paráfrase de Empson do famoso verso de Milton
sobre “justificar para os homens os caminhos de Deus”2 como: “Milton
não pensa que Deus escreve certo por linhas tortas e que ele fará o possível para
explicá-las, mas sim que Deus é um arquicriminoso que precisa conseguir o
melhor advogado que puder.”
Ou ainda, discutindo o muito
debatido verso do Paraíso perdido cuja sintaxe pode talvez sugerir que
Deus de fato buscava tornar os seres humanos “imperdoáveis”,3
Empson calmamente observa que o verso “pode muito bem ser visto como um ato
falho freudiano”. Wood de pronto acrescenta: “Da parte de Milton, ele quer
dizer, mas é atraente pensar que Deus também pode ser capaz de tais coisas.” A
própria sintaxe de Wood aqui4 captura o aspecto ativo de uma
conversa, para em seguida lançar um pensamento sedutor ainda mais blasfemo.
Percebendo uma mudança na forma
como Empson se dirige ao interlocutor em sua obra tardia, Wood escreve que “de
modo geral, e diferentemente do que fazia antes, ele faz o que pode para
resolver as questões em vez de complicá-las”. Isso é verdade, mas é também um dos lugares
onde a própria prosa de Wood chega perto de ecoar a nobre franqueza da de
Empson: em vez de lançar mão de abstrações ou pesar a mão nos jargões, o vívido
“ele faz o que pode para resolver as questões” de Wood aponta para o exasperado
oficial de distrito5 tentando solucionar uma fastidiosa disputa
entre os nativos, um bom encapsulamento do modo tardio de Empson.
Wood termina o livro com uma
discussão cética, porém indulgente, de uma das obras tardias de Empson, deixada
incompleta quando da morte do crítico em 1984, sua extravagante reescrita
especulativa do Dr. Fausto de Marlowe. Ele não engole a teoria da
conspiração de Empson, nem a alegação de que o texto tinha originalmente um
final feliz anticristão, mas frase final do seu livro ainda consegue dizer
exatamente o que precisa ser dito: “Se Marlowe não inventou a morte mais feliz
do teatro, Empson o fez, e no ato, na escrita, nos convidou a pensar outra vez
sobre felicidade, morte e drama de formas que não teríamos conseguido sem ele.”
É um belo tributo, de juízo refinado — no ato e na escrita —, sugestivo de que
Empson e Wood deveriam compartilhar os louros nesse caso. Eles estariam,
afinal, em boa companhia.
* Este texto é a tradução livre de Guilherme Mazzafera para “On Empson by Michael Wood review — a great critic on great critic”, publicado aqui, em The Guardian.
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