Boletim Letras 360º #495

DO EDITOR
 
1. Caro leitor, a seguir encontrarão as notícias que fizeram a semana no Letras fora destas linhas. Aproveito a ocasião para convidá-lo a continuar apoiando o blog. O mês para quitar as despesas com domínio e hospedagem de 2023 se aproxima e toda ajuda é bem-vinda.
 
2. Há várias formas de ajudar. Você se inscrever no clube de apoios e concorrer a sorteios exclusivos de livros todas as informações aqui. Ou na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste Boletim — você compra, ganha desconto e não paga nada mais por isso.
 
3. Bom final de semana com descanso e boas leituras!



 
LANÇAMENTOS
 
Dois livros recuperam a voz de José Saramago.
 
1. Literatura e Compromisso: Textos de Doutrina Literária e de Intervenção Social. Em diferentes momentos da vida José Saramago refletiu sobre o próprio fazer literário — como autor e obra se inserem no tempo e no espaço — e explicitou seu posicionamento político e consciência social. A coletânea reúne doze textos de Saramago e está dividida em duas partes. Na primeira, o escritor retoma temas rotineiros em suas obras e palestras, como a História e a memória, para indicar a seus leitores e ouvintes caminhos (não respostas) que levem a compreender seu trabalho e a importância (ou não) de seus romances, crônicas e diários para a transformação social. Os seis textos que compõem a segunda parte mostram um Saramago que não se limita a contemplar a realidade, mas vai além, “interpela o mundo e os homens que o desfiguram, e bate-se por uma justiça muitas vezes adiada e não poucas ausente”, como sublinha Carlos Reis, organizador da coletânea. O livro sai pela Editora da Ufpa com a Fundação José Saramago.
 
2. José Saramago: 6 de novembro de 1985. No dia que subtitula o livro agora publicado, José Saramago, um romancista de prestígio crescente, e o poeta Horácio Costa, à época um estudante de pós-graduação na Universidade Yale, sentaram-se para conversar no Café des Artistes, no Greenwich Village, em Nova Iorque. A entrevista que surgiu desse encontro até agora manteve-se inédita, pelas circunstâncias que Horácio menciona em seu prólogo a esta primeira edição. Na conversa que se tece, muitos caminhos se cruzam: a importância do período barroco na língua portuguesa e em sua literatura; o que é o romance histórico; segredos e projetos de romances a haver; e as muitas leituras que Saramago fez para que se compusesse como escritor. Como ele fala na entrevista: “Nós somos uma intertextualidade em movimento”. Publicação da Ateliê Editorial. Você pode comprar o livro aqui.
 
Livro reúne contos inéditos e o fragmento de um romance inacabado de João Gilberto Noll.
 
São 26 contos e o fragmento de um romance inacabado. Os textos trazem situações bem caras à literatura de Noll, como o aspecto trágico da vida e as possibilidades de transfiguração do corpo, retratando de maneira poética personagens que estão sempre à deriva, desgarrados, esquecidos ou ansiosos por esquecer. Em uma das narrativas, um homem entra na casa de uma mulher no meio da noite para reaver a memória de um amigo desaparecido; em outra, um homem atormentado agoniza no chão sujo de um banheiro público, enquanto rememora sua glória indesejada. Nestes textos póstumos, organizados por Edson Migracielo, tudo parece estar por um triz, entre o delírio e o prazer, entre a vida e a extinção. Sobre a obra de Noll, Migracielo questiona: “não serão, precisamente, aquelas disposições ― bizarras, vitais e insubmissas ― as que devêm revolucionárias, as que despertam na cultura criações e produções que apontam para o que o mundo ainda não foi e desencadeiam, no mundo, o seu ainda? Este volume, que reúne material inédito, mas conservado e organizado com primor para publicação, assim como a emersão de um romance infelizmente inacabado, supõe o exultante reencontro, talvez o último, com a literatura de um autor imprescindível e um pioneiro no trato das questões de gênero na literatura brasileira. Educação natural sai pela editora Record. Você pode comprar o livro aqui.
 
Marilene Felinto e o regresso à literatura pelo conto.
 
Como podemos comparar um homem que deixou de ser escritor para se dedicar ao ofício de mecânico com uma mulher que viaja em um trem de Berlim para Munique enquanto observa outra passageira comer um ovo, e ainda, com uma menina que não aceita o fato de não ser notada por um colega de classe? Como esses e outros personagens tão diversos podem confluir? Aparentemente, não há nada que nos faça pensar que histórias tão banais possam se interligar, mas, nos dez textos de Mulher feita e outros contos, Marilene Felinto usa a simplicidade cotidiana para mostrar ao leitor que a complexidade da vida está ligada de modo íntimo ao ordinário. A certa altura, uma senhora se surpreende ao ser questionada por uma jovem a respeito de formigas tanajuras servidas como iguarias no interior do país. Aquela pergunta tão singela, sobre algo tão prosaico, recria “na memória da velha senhora o alarido de crianças e adultos, a gritaria, a correria alegre de gente abatendo com redes finas e pedaços de pano as tanajuras que esvoaçavam baixo, voando e revoando em nuvens, enxames pretos, cheias de asas, sobre as cabeças das pessoas”. De uma conversa quase retórica em uma mesa de café da manhã, Marilene Felinto revolve áreas há muito desativadas da memória social, apresenta um choque de gerações e, consequentemente, carrega o leitor ao mais profundo dos Brasis. Nesta volta da consagrada autora de As mulheres de Tijucopapo ao conto, as confluências e separações acontecem ao acaso, de forma leve, mas impactante. O leitor que mergulhar nesse microcosmo sairá dele com a sensação de que se encontrou com um amigo, com a infância, ou a própria velhice, como se um pouco de cada um de nós estivesse descrito nas linhas desse livro. Mulher feita e outros contos é uma reunião desse tipo de acontecimento, com personagens majoritariamente femininas que nos permitem refletir sobre a inconstância dos dias, como se fosse “um comentário qualquer desses, do lugar da nossa arrogância inútil” que nos faz rir “feito adolescentes sem compromisso”. São as linhas que costuram os nossos dias, os traços que, como desenhos imperfeitos, atingem a beleza que buscamos no comum. O livro sai pela Fósforo Editora. Você pode comprar o livro aqui.
 
Billy Wilder nos tempos do jornal.
 
Como se tornar um bom dançarino profissional e ganhar gorjetas no hotel? O que faz uma “bruxa moderna” da cidade grande? Quais são os pontos de encontro mais disputados de Berlim? Tem como dirigir um filme com orçamento mínimo e convencer alguém a bancar a empreitada? Para todas essas perguntas, Billy Wilder tem a resposta. Se não a possui, pode ter certeza de que se jogará em busca dela. Antes de se tornar um dos diretores de cinema mais celebrados e míticos de Hollywood, autor de clássicos inescapáveis como Quanto mais quente melhor, considerado a obra-prima de Marilyn Monroe, e Crepúsculo dos deuses, espelho crítico da própria indústria cinematográfica, Billy Wilder era um mero repórter para diferentes jornais de Berlim e Viena nos anos 1920. Nessas cidades fervilhantes de cultura, pôde acompanhar os desvarios que marcaram a República de Weimar como um período de liberdade e descoberta, que logo viria a ser esmagada pela ascensão do nazismo. A capital alemã, em especial, era uma grande farra, ponto de encontro de intelectuais e artistas que perseguiam a liberdade irrestrita. O sonho, como a história nos ensinou, pouco durou — os nazistas chegaram ao poder e Wilder, de origem judaica, precisou fugir da Europa. Em Billy Wilder: um repórter em tempos loucos, os textos reunidos por Noah Isenberg, de qualquer maneira, oferecem um testemunho único e pessoal de um artista que se arremessou no olho do furacão para capturar os tempos loucos encapsulados entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, além de dar um vislumbre de como se desenvolveu a mente de um dos maiores cineastas da história. Com tradução de Tanize Mocellin Ferreira, o livro é publicado pela DBA Editora. Você pode comprar o livro aqui.
 
A biografia de um dos principais líderes indígenas do século XVI.
 
A partir de uma vasta pesquisa em fontes históricas diversas, desmitificando imaginários equivocados que se perpetuaram no tempo, Rafael Freitas da Silva reconstitui a vida de Arariboia em uma biografia que apresenta a trajetória espetacular desde que foi o principal líder indígena do século XVI. Chefe da tribo dos teminimós, que ocupavam o litoral brasileiro, de início a região da baía de Guanabara e depois o Espírito Santo, Arariboia foi figura decisiva nas batalhas entre portugueses e franceses em meados dos anos 1500, em um contexto de conflitos que definiria a fundação da cidade do Rio de Janeiro e o próprio destino da colonização no Brasil. Aliado da força portuguesa, que combatia tropas francesas apoiadas pelos indígenas tamoios, inimigos ancestrais de seu povo, Arariboia foi um exímio guerreiro e estrategista, figura central para a vitória dos portugueses na região. Também foi catequisado e ganhou o nome Martim Afonso de Sousa. Mas não se tornou por isso uma marionete de Portugal. Pelo contrário. Cobrou pela sua participação nas lutas, ganhando terras e poder, e ajudando, desse modo, outros grupos indígenas, protegidos por ele contra o extermínio e a escravização. De traidor a herói, do mito ao homem, o autor reconstrói de maneira lúcida e inédita a vida de Arariboia, tendo como pano de fundo um dos momentos mais relevantes e emocionantes de nossa história. Arariboia: O indígena que mudou a história do Brasil - Uma biografia sai pela editora Bazar do Tempo. Você pode comprar o livro aqui.
 
Livro vencedor do Pulitzer de Poesia em 2021 ganha tradução no Brasil.
 
Poema de amor pós-colonial é o segundo livro de Natalie Diaz, poeta mojave norte-americana. Em sua paisagem lírica, os corpos das mulheres latinas e indígenas são corpos políticos e, ao mesmo tempo, corpos em êxtase. Os versos de Diaz desafiam as condições a partir das quais se escreve num país cuja fundação rasurou e rasura corpos como o dela e das pessoas que ela ama. A seguir, uma pequena apresentação do livro feita por Julie Dorrico, poeta do povo Makuxi e pesquisadora de poesia indígena: “Quando nós, indígenas de Abya Yala (como chamamos politicamente as Américas), pudemos escrever com o alfabeto latino, fomos perscrutados, enquadrados e até ameaçados de trair nossa tradição oral. A escrita, um direito universal apregoado, chegou de modo tardio para nós. Enquanto nosso canto era represado no silêncio, testemunhamos imagens serem construídas e, logo, assumidas como naturais. Assim vimos nossas crenças serem tratadas como mitos. Mas vivemos outros tempos, graças às lutas de nossos antepassados. Agora falamos, pelos livros, sobre experiências ausentes em literaturas nacionais, tais como nossas famílias; amores conjugais, fraternos e territoriais; espiritualidades; e de como fomos, absolutamente todos, atravessados pela experiência colonial-imperial. Poema de amor pós-colonial, de Natalie Diaz, corre com as águas ‘Aha Makav, o verdadeiro nome Mojave, e deságua aqui, em nosso pluripaís, em nós, trazendo angústias jamais pronunciadas: o direito ao nosso nome ancestral de povo, em vez de apelidos tratados como legítimos em documentos oficiais; os nossos nomes individuais, antes dados pelo Criador, mas que agora são obrigados a espelhar nomes de colonos que nos subjugaram; os relacionamentos interracial e de gênero a partir de um viés não romântico, contestando a tradição de Estados-nação que inscreveram nosso direito de amar ao desejo inacessível e à morte; o racismo e a violência estrutural que se empenham em nos extinguir. Natalie Diaz traz a esta pele de papel (expressão de Davi Kopenawa para se referir aos ‘livros’) uma cosmovisão indígena comum aos povos originários quando afirma ser areia, água, cobra. Com tradução de Rubens Akira Kuana, o livro é publicado pelo Círculo de Poemas, Fósforo Editora/ Luna Parque Edições. Você pode comprar o livro aqui.
 
A voz de Guy Girard revela suas afinidades poéticas e revolucionárias.
 
Por meio destas projeções surrealistas, Guy Girard — um dos nomes mais atuantes do movimento surrealista desde a década de 1990 — revela seu fulgurante umor e sua crítica radical, acompanhados de suas afinidades poéticas e revolucionárias: Charles Fourier, Bakunin, Lautréamont, André Breton, entre outros. Reivindicando o pensamento utópico, anarquista e surrealista, munido da mais realidade e da potência inesgotável do sonho, o autor combate a pouca realidade dada, recusando e desnudando as normas e os sistemas de nossa civilização que, mecanizada e capitalista, aprisiona o espírito e, consequentemente, desencanta o mundo. Onde houver sombras, haverá perguntas. As respostas? O leitor encontrará algumas delas nesta obra, explorando a floresta negra que é a aventura surrealista, cuja exteriorização parte do coração e se manifesta no olhar selvagem, em sua revolta e exaltação permanentemente insubordinada. Sombra e pergunta: projeções surrealistas é publicado pelas Edições 100/Cabeças. 
 
RAPIDINHAS
 
Granta Brasil outra vez te revejo 1. A doação do braço brasileiro da editora Tinta-da-China ao grupo que administra a revista Quatro Cinco Um favorecerá o reaparecimento no país da Granta em Língua Portuguesa.
 
Granta Brasil outra vez te revejo 2. O próximo número da reconhecida revista tem como tema “Rússia”. Os escritores jogam luz sobre o czarismo, a revolução, o stalinismo, o fim da União Soviética e também sobre as missões espaciais e as vanguardas artísticas.
 
Em Portugal. Sai em outubro o próximo romance de António Lobo Antunes. O tamanho do mundo. O livro é publicado pela Dom Quixote, casa que cuida da sua obra há anos, e assinala os oitenta anos do escritor português, celebrados neste mês de setembro.
 
REEDIÇÕES
 
Nova edição de um dos romances mais impactantes sobre a luta armada contra a ditadura militar no Brasil.
 
Início dos anos 1970. De sua cela no presídio Tiradentes, o jovem paraense Renato Tapajós, que cumpria pena pelo envolvimento em ações de resistência à ditadura militar, escrevia, em letras miúdas sobre papel de seda, os capítulos daquele que se tornaria um dos romances mais impactantes sobre a luta armada, a repressão e a tortura durante o regime militar. Dobrado em pequenos retângulos envoltos em fita adesiva, o romance Em câmara lenta foi dessa forma sendo levado, aos poucos, para fora da prisão — pelos pais do autor, que os colocavam sob a língua, durante suas visitas.  Quando todos os pedaços puderam ser finalmente reunidos em um volume, o romance foi publicado em 1977, três anos depois da saída do autor da cadeia. No entanto, semanas depois do lançamento, Renato Tapajós, foi reconduzido à prisão pelo DEOPS, sob acusação de incitar a subversão, e uma ordem policial determinou a apreensão dos exemplares à venda. O romance teve outra edição em 1979, quando a ditadura ensaiava uma abertura política, e só agora volta a ser publicado. A nova edição traz, entre os aparatos, um posfácio de Jayme Costa Pinto, uma entrevista com o autor, o parecer do crítico Antonio Candido utilizado nos trâmites do processo e o relatório da seção de análise e inteligência do Exército, que tenta simular uma crítica literária para chegar à conclusão de que o livro é subversivo. Em câmara lenta se desenrola num fluxo de memória: o presente é de desencanto e autocrítica, e as lembranças voltam sempre para as atividades clandestinas do grupo semidesmantelado ao qual pertence o narrador. Há outros tempos, contudo, nesse prisma literário: a recepção das notícias do golpe militar de 1964 numa cidade do interior, os conflitos violentos entre estudantes de esquerda e de direita na rua Maria Antônia, relatos da guerrilha do Araguaia e cenas de uma fuga da prisão. A narrativa, como sugere o título, é cinematográfica e não faltam momentos eletrizantes, entre eles uma ação traumática reconstituída aos poucos.  O pedido de perícia a Antonio Candido para integrar a defesa no processo gerou uma brilhante e elogiosa descrição do arcabouço de Em câmara lenta: “A narrativa, muito moderna, é descontínua, fragmentada, procede por flashes que adquirem certo tom de irrealidade e entra por vezes na dimensão atemporal, que nos arranca do quotidiano presente para entrar no universo da fábula realista”. A conclusão de Antonio Candido, como era previsível, foi de que o livro não é um convite à subversão. E vai além: o romance de Tapajós pode ser lido até como uma crítica à atividade guerrilheira. Não é por acaso que o narrador do romance insista que aqueles setores a que os revolucionários pretendem representar — os operários, os trabalhadores do campo — não compreendem as ações nem os argumentos dos que optaram pela luta armada. Mesmo assim, o personagem tem consciência de que escolheu um caminho sem volta. “Quem conheceu a morte sabe que o único crime é permanecer na superfície da vida”, constata.  Jayme Costa Pinto considera, em seu posfácio, que “além de abordar de forma incomum os acontecimentos políticos que marcaram o país numa época de recrudescimento da repressão, Tapajós revela uma tendência algo visionária, prenunciando ainda no calor da hora os dilemas que os movimentos de esquerda viriam a enfrentar no período pós-ditadura”. Na entrevista que acompanha o romance, o próprio autor reflete como vê, hoje, a situação das esquerdas brasileiras, e reavalia a importância da obra, quase cinco décadas depois de ser escrito. Tapajós envolveu-se na resistência à ditadura militar, militando no grupo maoísta Ala Vermelha, uma dissidência do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Foi preso em 1969 e ficou detido até 1974. Durante a detenção, escreveu Em câmara lenta. O autor embalava trechos do romance em pacotes minúsculos que eram levados para fora da cadeia pelos pais do autor. Quando o livro foi publicado, Tapajós foi reconduzido à prisão, e a tiragem, apreendida. O livro sai pela editora Carambaia. Você pode comprar o livro aqui.
 
Nova edição de um romance que se destacou na cena literária brasileira contemporânea.
 
Vencedor do prestigioso Prêmio Casa de las Américas e incluído na lista da Folha de São Paulo como o sétimo entre 200 livros mais importantes para entender o Brasil em seus 200 anos de independência, Um defeito de cor conta a saga de Kehinde, mulher negra que, aos oito anos, é sequestrada no Reino do Daomé, atual Benin, e trazida para ser escravizada na Ilha de Itaparica, na Bahia. No livro, Kehinde narra em detalhes a sua captura, a vida como escravizada, os seus amores, as desilusões, os sofrimentos, as viagens em busca de um de seus filhos e de sua religiosidade. Além disso, mostra como conseguiu a sua carta de alforria e, na volta para a África, tornou-se uma empresária bem-sucedida, apesar de todos os percalços e aventuras pelos quais passou. A personagem foi inspirada em Luísa Mahin, que teria sido mãe do poeta Luís Gama e participado da célebre Revolta dos Malês, movimento liderado por escravizados muçulmanos a favor da Abolição. A edição especial agora publicada pela editora Record com novo projeto gráfico inclui obras de Rosana Paulino — artista visual que participou da Bienal de Veneza e tem obras expostas nos principais museus do mundo, como o Metropolitan, de Nova York, e a Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa — e o conto afrofuturista inédito “Ancestars”, a primeira narrativa de Ana Maria Gonçalves publicada desde o lançamento de Um defeito de cor. O texto de orelha é assinado por Cidinha da Silva. Você pode comprar o livro aqui.
 
Reedição de Martin Eden, de Jack London.
 
“Sei perfeitamente que se estabeleceu para as várias artes uma complicada evolução, mas essa evolução me parece demasiado mecânica. Não se considera nela o elemento humano.” É o elemento humano que palpita o tempo todo no romance semiautobiográfico Martin Eden, que Jack London publicou em 1909. É a história de um jovem idealista, que abandona sua vida de marinheiro e vagabundo para conquistar o amor e a fama. Acaba alcançando seus objetivos, mas sofre uma decepção amarga. Jack London foi um homem que transportou a vida para sua arte. Quase tudo em Martin Eden é reflexo de sua biografia. A tradução de Aureliano Sampaio é reeditada pela Nova Alexandria.
 
Ambientado no final do ciclo seringueiro da Amazônia, um romance breve e inesquecível de um dos maiores autores brasileiros do nosso tempo ganha nova edição.
 
Numa cidade à beira do rio Amazonas, um passante vem procurar abrigo à sombra de um jatobá e, incauto ou curioso, dispõe-se a ouvir um velho com fama de louco. É o que basta para Arminto Cordovil começar a contar a história de Órfãos do Eldorado, num vaivém entre a miragem e a matéria: a história de seu próprio amor desesperado por Dinaura, em primeiro lugar, mas também, em círculos concêntricos que se expandem e se contraem, a crônica de uma família, de uma região e de toda uma época que, à base de seiva de seringueira e crédito inglês, quis encarnar os sonhos seculares de um Eldorado amazônico. Com as figuras admiráveis de Arminto e Dinaura, Florita e Estiliano, Juvêncio e Denísio Cão, Milton Hatoum concentra numa novela de sonho e pesadelo a vasta matéria romanesca que vem explorando, cada vez mais fundo, desde Relato de um certo Oriente. O livro é reeditado na coleção de bolso da Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
 
Nova edição de uma tradução singular de um dos trabalhos mais marcantes de Oscar Wilde.
 
Poucos souberam falar sobre a dor, a solidão e o inferno dos condenados como Oscar Wilde em A balada do Cárcere de Reading. Testemunho autobiográfico e libelo contra a injustiça, esta pequena obra-prima representa a mais dramática expressão de seu gênio poético. Última de suas obras publicada em vida, retrata os horrores por que passou o poeta, romancista e dramaturgo irlandês, quando cumpriu pena por homossexualismo e violação dos princípios morais da rígida Inglaterra vitoriana. A convivência com a morte, a violência e a desumanização dos prisioneiros são cantadas, no entanto, em versos de extrema sensibilidade e beleza poética. A tradução rigorosa e a apresentação de Paulo Vizioli fornecem ao leitor a oportunidade de conhecer mais a fundo este texto que, por sua singularidade, é único na literatura inglesa, constituindo a derradeira manifestação de um escritor que buscou expressar a autonomia artística com a própria vida. Em edição bilíngue, o livro é publicado pela editora Nova Alexandria.
 
Livro reúne Trilogia Brasil, de Antônio Torres.
 
Em comemoração aos 50 anos de sua obra literária, Antônio Torres, imortal da Academia Brasileira de Letras, reúne em Trilogia Brasil as obras que contam etapas diferentes da vida de um retirante, com décadas de distância, e que aqui completam o seu curso. Essa terra (1976) é um dos romances mais marcantes da literatura brasileira contemporânea. A história se inicia com o relato da lembrança de Totonhim sobre o retorno do irmão ao Junco, uma pequena cidade do interior da Bahia onde moravam. O irmão havia fugido para São Paulo em busca de melhores condições de vida. Depois muitos anos de fracasso na cidade grande, decide voltar sua cidade de origem, no interior do sertão nordestino. Lá chegando, desilude-se com tudo que encontra e reencontra e acaba se enforcando no gancho de uma rede. O suicídio do irmão mais velho gera impacto em Totonhim e em toda a sua família. Essa terra, primeira obra da trilogia, é também sucesso no exterior, com traduções na França, Alemanha, Itália, Holanda, Inglaterra, Estados Unidos, Israel e Cuba. Por décadas, manteve intactos seu vigor e frescor iniciais, conquistando lugar de destaque na cultura brasileira. Vinte anos após ter partido para São Paulo, Totonhim, em O cachorro e o lobo (1997), refaz a viagem em sentido inverso: regressa ao Junco, numa visita relâmpago ao pai que acaba de completar 80 anos. É o mesmo pai que deixou vinte anos antes, mas mais sereno, talvez, e mais solitário. Nas três etapas de um dia que segue o trajeto do sol — manhã, tarde, noite —, o narrador tenta recuperar a posse de um lugar onde estão suas raízes. Um lugar onde histórias se confundem, ritmadas por músicas e melodias antigas.  Cerca de uma década mais tarde, em Pelo fundo da agulha (2006), Totonhim está sozinho no mundo. Aposentou-se, separou-se da mulher e dos filhos, perdeu o melhor amigo e faz uma outra viagem de volta — totalmente interior. Embalado pela imagem da mãe velhinha, mas ainda com visão boa para enfiar a linha pelo fundo da agulha, sem usar óculos, ele repassa vários lances de sua vida, como se a olhasse por esse orifício. As figuras agora existem só na memória de Totonhim, que revela o lado paulista de sua história. Ao retratar o impacto da cidade grande sobre o retirante — o imigrante nordestino —, a Trilogia Brasil é representativa da população brasileira que migra em busca de melhores condições de vida, mas encontra uma realidade hostil nos meios urbanos. Entre encontros e desencontros, afeto, desenraizamento e retorno às origens, a história de um retirante e suas dores é também a história do Brasil. A nova edição é publicada pela editora Record. Você pode comprar o livro aqui.
 
DICAS DE LEITURA
 
A obra de António Lobo Antunes está numa página essencial da história do romance contemporâneo. Na passagem das celebrações pelo seu 80.º aniversário, a edição deste Boletim recomenda não três mas quatro livros para começar a entrar no rico universo criativo e experimental desse escritor que, repetimos, se faz indispensável. Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
 
1. Os cus de Judas. Talvez seja o romance mais conhecido de António Lobo Antunes. Está situado entre os seus primeiros trabalhos e é um registro singular sobre a grande tragédia que foi a invasão e presença portuguesa em África durante a ditadura do sanguinário Oliveira Salazar. Com Memória de elefante e Conhecimento do inferno, forma um tríptico sobre o trauma da guerra colonial. Você pode comprar o livro aqui.
 
2. As naus. Neste livro, o escritor renova o romance parodístico. Imagina o regresso de uma série de figuras calcinadas na história oficial portuguesa, dentre elas, Camões e Pedro Álvares Cabral, à Lixboa (tal como se escreve) em plenos anos da ditadura; num Portugal sem qualquer esplendor, à míngua e incapaz mesmo de reconhecer os nomes que o projetaram para um futuro.
 
3. Eu hei-de amar uma pedra. Um dos romances que entrega um escritor em sua plenitude. Iniciado numa maneira única de narrar — feito que se vislumbrara derradeiramente com a ficção de William Faulkner. É quando António Lobo Antunes trata sobre temas que se tornarão sua obsessão, os do indivíduo numa sociedade autocentrada e por isso marcada pela solidão. Você pode comprar o livro aqui.
 
4. Não é meia noite quem quer. Novamente, estamos diante do limiar da condição humana — território sobre o qual tão bem a literatura antuniana tem se construído. A voz que domina esse complexo labirinto de idas e vindas da memória ou esses lapsos que surgem numa e desaparecem noutra vez do pensamento é de uma mulher marcada por uma diversidade de perdas; o conjunto de iluminações nasce do seu reencontro com o passado através da visita à casa onde viveu até antes do casamento. Você pode comprar o livro aqui.
 
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
 
1. Em 2015 o site Literatura Br veiculou uma série de textos com leitores de vários estratos e partes do Brasil que buscava continuar a frase Quando eu li. Na ocasião, nosso editor escreveu sobre o seu contato com a obra de António de Lobo Antunes.
 
BAÚ DE LETRAS
 
1. Nesta semana recordamos o texto de Pedro Fernandes sobre o romance A resistência, de Julián Fuks, título que lhe valeu o Prêmio José Saramago. Leia aqui.
 
2. E este texto de Javier Ozón sobre Moby Dick, que traduzimos em outubro de 2019. O texto é apenas uma pequena ponta para vários outros materiais sobre o romance de Herman Melville já apresentados no blog.
 
DUAS PALAVRINHAS
 
Também não há muita gente que saiba ler. Queremos abrir a porta do livro com a nossa chave, mas temos de usar a chave do autor. Temos tendência para transformar as nossas opiniões pessoais em verdades universais e rejeitar tudo o que não encaixa na nossa grelha de valores. Penso que a crítica devia servir apenas para ajudar a ler e nunca para adjectivar e hierarquizar. O acto de ler é criativo e implica humildade.
 
― António Lobo Antunes

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