Oscar Wilde contra a parede

Por Mercedes Alvarez

Oscar Wilde e Alfred Douglas, 1893. Arquivo: British Library


 
Em 1895, sob a Lei de Sodomia que vigorava na Inglaterra desde os tempos de Henrique VIII e no auge da popularidade de sua carreira, Oscar Wilde foi julgado por conduta indecente. Não há necessidade de se deter em reflexões sobre o puritanismo hipócrita que a rainha Vitória converteu em marca registrada de sua monarquia. Em 1885, a mulher que reinou sessenta e três anos havia ajustado os cravos sobre o comportamento impudico. Nesse ano, não só a sodomia, mas qualquer ato de afeição entre homens era passível de condenação. As penas continuaram de pé após sua morte, e alcançaram o discípulo mais brilhante de Wittgenstein: Alan Turing escolheu o suicídio aos 41 anos, após ser submetido à castração química.
 
Décadas antes, em 1891, um já renomado Oscar Wilde conheceu Lord Alfred Douglas, e começou o que mais tarde e da prisão, em um texto de inusual beleza intitulado De Profundis, o escritor chamaria sua “infeliz e miserável amizade”. Bosie (apelido carinhoso de Lord Douglas) era jovem, bonito e, pode-se dizer, culto. Ele também era dândi e um gastador compulsivo, tanto do dinheiro da família quanto do próprio Wilde, de quem obteve mais do que altas somas.
 
As relações de Bosie com seu pai, John Douglas, Lord Queensberry, eram desdenhosas. Nas cartas que são apresentadas no primeiro processo contra o escritor — com Bosie, aliás, longe, morando em Paris — frases como: “Se você é meu filho, isso é uma prova que me confirma, se eu precisei de alguma, o quão bem-sucedido fui em enfrentar toda miséria e horror que cometi, em vez de arriscar trazer ao mundo mais criaturas como você.” Essas cartas, no entanto, são usadas no julgamento como prova das tentativas desesperadas de Queensberry para salvar Bosie do opróbrio das relações com Wilde.
 
Para chegar a este julgamento, Lord Queensberry deixou a Wilde um cartão com um nota ofensiva: “Para Oscar Wilde, que se gaba de ser um sodomita.” “Ser é tão ruim quanto parecer”, insistirá em esclarecer o filho desviado. A mensagem, como o juiz responsável pelo terceiro processo trata de apontar, só deixava duas opções: “ou acusar criminalmente Lord Queensberry ou marcar, publicamente, como um homem que ele não podia negar uma acusação infame.” A escolha pelo primeiro termo marca o início da queda do escritor.
 
Os processos contra Oscar Wilde se produzem quando o autor, já famoso por O Retrato de Dorian Gray, triunfava no Haymarket Theatre com sua peça Um marido ideal, como aponta o prólogo da primeira edição do livro que publicou os documentos do caso, de 1967.
 
Oscar Wilde, o dândi, o esteta para quem não há obra moral ou imoral, mas apenas boas ou más ações, comparece ao tribunal e faz do seu julgamento uma obra de arte onde a honestidade intelectual pode mais do que o sentido prático ou o instinto de sobrevivência.
 
Seu próprio gênio cava a cova para ele. Interrogado durante o primeiro julgamento por Carson, advogado de defesa de Queensberry, sobre suas relações com jovens, as respostas se mostram uma e outra vez incríveis golpes de humor:
 
“Carson: Você teve intimidade com um garoto chamado Alphonse Conway, em Worthing?
Wilde: Sim.
Carson: Ele vendia jornais na banca de jornais do cais?
Wilde: Nunca ouvi dizer que sua ocupação naquela época era vender jornais. É a primeira vez que ouço sobre sua relação com a literatura.”
 
Embora Oscar Wilde passe no primeiro teste e consiga não ser julgado pelo conteúdo homoerótico de sua literatura, mais dois processos determinarão sua culpa no terreno da vida. Jantares e passeios com jovens de vinte e poucos anos, cigarreiras de prata como presente, cartas pelas quais queriam chantageá-lo (lembre-se que na era vitoriana, a extorsão estava tanto na ordem do dia que até mesmo um personagem de Stevenson em O médico e o monstro deixa cair que se Jekyll está envolvido com Hyde, pode ser “um caso de chantagem”).
 
O resultado trágico é bem conhecido: dois anos de trabalhos forçados na prisão de Reading, que destroem moral e fisicamente Wilde, mas falham em matar sua literatura: no confinamento, ele produzirá um poema, The Ballad of Reading Jail, e De Profundis, uma longa confissão em forma de carta endereçada a Bosie.
 
No prólogo da nova edição dos processos, Claudia Aboaf, neta de Ulyses Petit de Murat¹ e também escritora, destaca a importância de reler a transcrição deste julgamento histórico em tempos de “cultura do cancelamento”, quando as pessoas são novamente julgadas pelo conteúdo de sua escrita. Talvez você também tenha que lê-los para pensar esse outro conceito muito duvidoso de “responsabilidade afetiva”, para entender que as relações entre as pessoas, por mais desastrosas e prejudiciais que possam ser, elas não podem ser predeterminadas ou dirigidas.
 
Diz-se que Wilde morreu — logo após sua libertação da prisão, destruído e falido — abraçando o cristianismo. Em De Profundis ele fala longamente sobre Jesus Cristo como o primeiro romântico. De qualquer forma, o que sabemos é que ele chegou “possuir sua alma”. “É trágico”, escreve, “ver quão poucas pessoas possuem sua alma antes de morrer. Nada é mais raro no homem, diz Emerson, do que um ato próprio. É bem verdade. A maioria das pessoas são outras pessoas. Seus pensamentos são as opiniões dos outros, sua vida uma imitação, seus sentimentos uma aura.” Talvez essa leitura também possa ser uma forma de nos aproximarmos desse objetivo cada vez mais difícil.

 
Notas da tradução
1 Ulyses Petit de Murat é o autor da tradução para o espanhol da edição que reúne os processos do julgamento de Oscar Wilde, publicada na Argentina em 1967 e reeditada em 2022.


*Este texto é a tradução livre para “Oscar Wilde contra la pared”, publicado aqui, na Revista Ñ.

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