“O Poderoso Chefão”, como Francis Ford Coppola transformou um romance comum numa obra-prima do cinema

Por Winston Manrique Sabogal

Al Pacino e Marlon Brando em cena de O Poderoso Chefão. Paramount Pictures.



O filme O Poderoso Chefão, de Francis Ford Coppola, é um dos melhores exemplos de uma grande versão literária. Como o sucesso de uma adaptação não costuma estar em seguir à risca a obra escolhida, mas em captar sua essência, que o diretor a leva para o seu campo, se é mesmo infiel à história, ao romance ou à peça, para encontrar a versão indicada para a linguagem cinematográfica. Um escritor cria um mundo em palavras escritas, dá vida a algumas criaturas e escreve algumas histórias para elas e as dota de biografias que o leitor completa com sua leitura. Um diretor de cinema recria essa narrativa e geralmente dá ao espectador um mundo fechado, mas Coppola o faz um participante da história.
 
Mario Puzo (Nova York, 1920-1999) publicou seu romance O Poderoso Chefão em 10 de março de 1969, e logo se tornou um êxito de vendas. Um livro sem maiores aspirações do que se tornar um Best-seller. Para isso, continha os elementos que poderiam garantir essa posição: com uma redação eficaz, entrou no mundo da máfia e suas atividades em negócios, crimes, violência, círculos fora desses núcleos e outras atividades paralelas, como as, entre outras, relacionadas ao sexo. Puzo conta a vida de Don Vito Corleone, o mafioso mais respeitado de Nova York, de todas as suas estratégias e os caminhos do filho que o sucederá, de quem herdará seu império.
 
Três anos após a publicação do romance, Francis Ford Coppola estreou sua versão cinematográfica em Nova York em 15 de março de 1972, estrelada por Marlon Brando. O sucesso foi quase instantâneo e, desde o início, o filme teve o privilégio atribuído a poucos de se tornar um clássico do cinema.
 
O jovem e pouco conhecido diretor Coppola (Detroit, 1939) apropriou-se de parte da essência do mundo puziano, em um olhar mais shakespeariano, digamos: tentou captar o que habitava nos corações de seus personagens, procurou em suas sombras. No romance, as pessoas só veem o que fazem, o que são capazes de fazer e os estragos gerados por suas ações mafiosas; mas Coppola foi mais longe, deteve-se nos indivíduos, suas motivações, suas humanidades. Buscou uma espécie de épica no horror, nas pessoas envoltas no perigo que a corrupção e a morte geram.
 
Francis Ford Coppola admitiu sua decepção ao ler o livro, mas quando se deteve com mais calma descobriu a chave do que se tornaria sua obra-prima: “Por trás de tudo, havia uma grande história, quase clássica em sua natureza; a de um rei com três filhos, cada um dos quais herdara um aspecto de sua personalidade. Entusiasmei-me com extrair isso da história e traduzi-lo para o filme.”
 
O roteiro foi escrito por Coppola e pelo próprio Mario Puzo. “É preciso entender que entender que como cineasta, eu realmente não sabia como fazer O Poderoso Chefão. Aprendi a fazer O Poderoso Chefão fazendo”, reconheceu em entrevista este ano ao The New York Times.
 
O resultado foi algo inesperado e, desde o primeiro minuto, essencial para o cinema. A partir, digamos, da cor, do vertiginoso e do diverso do romance, se passou para o filme as sombras, tanto na imagem quanto na construção e ação de seus personagens; eles e sua história em um ritmo sem pressa que, como o efeito despertado por uma leitura, permite que o espectador se envolva na vida que acontece na tela, convida-o a completá-la em sua cabeça, a se maravilhar e se relacionar com as criaturas em que desvendam as nuances sombrias da condição humana a partir: da família como pilar e dos afetos dos amigos defendidos com mortes e crimes. “Não é nada pessoal, Sonny, são apenas negócios”, diz o rápido aprendiz Michael Corleone, interpretado por Al Pacino, ao explicar sua ordem de assassinatos por vingança.
 
Francis Ford Coppola fez um filme literário. Desmistificou muitas das coisas que dizem que não se deve fazer no cinema. Ele faria algo semelhante seis anos depois com Apocalypse Now, baseado outra vez numa obra literária, o romance O coração das trevas, de Joseph Conrad.
 
É como se antes de filmar O Poderoso Chefão Coppola já tivesse lido O coração das trevas e estivesse impregnado de parte daquela atmosfera e alma sombria de Kurtz, daquela viagem ao coração e aos tormentos humanos criados por Conrad.
 
Puzo e Coppola em momentos diferentes
 
A criação do romance O Poderoso Chefão e do filme estão em lugares opostos dos momentos vitais de seus criadores. Têm em comum que os dois, Puzo e Coppola, a princípio não estavam muito convencidos do que estavam fazendo. Muito menos que terminariam o livro e o filme.
 
O romance Mario Puzo, filho de imigrantes napolitanos, é resultado de um escritor que naufragava porque, embora alguns de seus romances tivessem uma certa recepção, as vendas eram muito regulares e sua situação financeira beirava à falência. Seus editores sugeriram que ele escrevesse uma história sobre a máfia, os gângsteres. Assim o fez. E foi um sucesso; esteve na lista dos mais vendidos do The New York Times por 57 semanas consecutivas. E depois voltou à mesma posição quando o filme saiu. Desde então, é um long seller.
 
O filme de Francis Ford Coppola, de pais estadunidenses, é o resultado de um diretor de apenas 30 anos que está no começo da carreira, possui apenas alguns filmes não muito marcantes (quatro), ainda que conte um Oscar como roteirista por Patton. Coppola se mostrou relutante no início, mas a produtora criada com George Lucas, projetada para outros tipos de filmes de maior qualidade, não estava indo bem e seu amigo lhe disse para seguir em frente.
 
Coppola chegou à decisão final depois que outros diretores rejeitaram o projeto, que basicamente buscava fazer caixa. Assim, desde o início os problemas se acumularam, começando pelo casting. No final, ele filmou em 52 dias, ganhou três premiações no Oscar (Melhor Filme, Melhor Ator para Marlon Brando e Melhor Roteiro Adaptado), e por muitos anos se tornou o filme de maior bilheteria da história. Todo aquele mundo narrativo visual sereno em sua tragédia e horror, com elipses e sugestões cheias de sentimentos, saudáveis ​​e envenenados, ficou inesquecível envolto na trilha sonora de Nino Rota, compositor de mestres como Federico Fellini ou Luchino Visconti.
 
Dois anos depois, Coppola lançou O Poderoso Chefão II, para muitos melhor do que o primeiro, e isso é dizer muito (aqui Robert De Niro se juntou ao elenco como Vito Corleone quando jovem). Ganhou outra vez três premiações no Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado. E, em 1990, encerrou a história de Corleone com O Poderoso Chefão III.
 
Este é também uma sessão operística sobre o mal, a forma como este agarra as suas presas, como as convence e mostra a sua descida aos infernos visível e interior mascarado com álibis de sentimentos e emoções. “Eu não queria isso para você, Michael”, diz o pai ao filho; um glorioso Marlon Brando passando o bastão para o grande Al Pacino.
 
Vida longa a Francis Ford Coppola e a O Poderoso Chefão.

 
* Este texto é a tradução livre de “El padrino, cómo Francis Ford Coppola convirtió una novela corriente en una obra mestra del cine”, publicado aqui, em WMagazín.

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