A provocação ilustre
Por Diego Cuevas
O escritor britânico G. K.
Chesterton (1974-1936) ocupou um espaço importante nas estantes da história
literária graças a obras como O homem que era quinta-feira, A esfera
e a cruz, a saga do padre Brown ou O homem que sabia demais. Mas ele
também ocupou um espaço importante no mundo em geral graças ao seu metro e
noventa e três de altura e seus mais de cento e trinta quilos de peso. Porque
Chesterton era uma dessas barrigas roliças que andam orgulhosamente arrastando
um homem atrás de si. Aconteceu ainda que o escritor gostava de cutucar os
seus colegas com comentários jocosos: em uma ocasião, estando na companhia de
seu amigo, o dramaturgo George Bernard Shaw, ele contemplou o físico esquálido
daquele e ocorreu-lhe deixar escapar um rude “Ao olhar para você, qualquer um
pensaria que a fome está assolando a Inglaterra”. Uma ofensa que Shaw respondeu
com “Olhando para você, qualquer um pensaria que foi você a causa disso”. Uma
provocação entre ilustres. Provavelmente a mais elegante das ofensas.
O professor Anthony Arthur, um
homem bem versado em rusgas entre escritores famosos, observou que a sociedade
achava muito mórbido assistir dois escritores pularem na lama para lançar
insultos um ao outro à queima-roupa. E concluiu que o interesse por esse tipo
de balbúrdia intelectual nasceu como produto da derrocada do mito do escritor: “Essas cenas
nos atraem porque nos fazem pensar como é possível que pessoas capazes de
descrever tão vivamente o fracasso (e o triunfo) encontrem-se tão longe da
perfeição”.
Na verdade, há também outra razão
óbvia: supondo que, como disse Edward Bulwer-Lytton, a caneta seja uma arma
mais poderosa que a espada, é fácil deduzir que uma luta entre dois virtuosos
da palavra, empunhando canetas-tinteiro, supõe um espetáculo merecedor de sacos
de pipoca do tamanho GG. Porque os confrontos entre escritores são o
equivalente ao beef contemporâneo entre rappers, hiphopers, trapeiros e
outros trovadores modernos. Algo parecido com o que Residente disparou contra J.
Balvin na famosa sessão de Bizarrap, mas estrelado por personalidades que
empilham best-sellers, livros considerados obras-primas e ganhadores do Prêmio
Nobel de Literatura. No campo das letras, os insultos assumem todas as formas e
meios: alguns escritores dispararam contra as eminências falecidas, outros os lançaram na cara de seus rivais contemporâneos, outros os enfiaram entre seus textos e
alguns deslizaram diretamente os punhos contra o rosto de seus rivais.
A ofensa clássica
Lord Byron e John Keats, como os
bons poetas românticos que eram, já vinham carregados de arrogância e
melodrama, características que potencializavam muito o ódio. Keats costumava se
engasgar com as rimas de Byron e atribuía as boas críticas que recebia à sua
aparência e status: “Já vês o que significa ter um metro e oitenta de altura e ser
um lorde!” Por sua vez, o esnobismo de Byron costumava ter como alvo Keats, um
poeta pobre e de classe baixa, rotulando-o de “pequeno canalha sujo”,
escrevendo seu nome incorretamente para ridicularizá-lo e acusando sua obra de
ser “um estilo de masturbação mental”. Keats morreria de tuberculose com apenas 25 anos, e poetas como Percy Bysshe Shelley acusaram diretamente
as críticas brutais da Quarterly Review de terem devastado a saúde do
falecido. Ao saber da morte, Byron reconheceu que o pobre Keats tinha talento e
acrescentou em sua homenagem algumas estrofes à sua composição Don Juan,
versos que, é claro, estavam cheios de malícia: “John Keats que foi assassinado
por uma crítica / justo quando ele prometeu algo grande [...] Pobre companheiro!
O seu foi um destino adverso / É estranho que a mente, essa partícula tão ígnea
/ se deixe apagar por um artigo”.
Em 1875, um muito alegre Hans
Christian Andersen decidiu visitar as dependências de um Charles Dickens que
ele admirava profundamente. Mas esse sentimento não era recíproco, pois o
próprio Dickens já havia afirmado anteriormente que seu convidado era um pouco rude:
“Ele não fala mais línguas do que o seu próprio dinamarquês, e suspeita-se que
nem isso faça bem”. Andersen deveria ficar na villa Dickens por uma semana, mas
com todo o seu focinho dinamarquês decidiu aproveitar apenas cinco. Quando o
visitante saiu de casa, Dickens achou por bem afixar uma placa em sua
homenagem no quarto onde ficara. Um texto que dizia: “Hans Christian Andersen
dormiu neste quarto por cinco semanas, o que pareceu SÉCULOS para a família da
casa”.
Outra lenda assegura (ou pelo
menos supõe) que uma das críticas mais contundentes ao sentimentalismo da prosa
de Charles Dickens ocorreu quando Oscar Wilde, depois de ler A velha loja de
curiosidades, enunciou o comovente spoiler “Precisaria ter coração de pedra
para ler o capítulo sobre a morte da pequena Nell e não se rir.” Samuel Butler,
depois de examinar o trabalho do respeitado (e então falecido) Johann Wolfgang
von Goethe, perguntou em voz alta: “Isso é algum tipo de piada?” Gustave
Flaubert chamou George Sand de “uma fabulosa vaca recheada de tinta”. Jane
Austen nunca foi uma santa nas devoções de Mark Twain, e o homem costumava
fazer registros sobre isso, muito deselegantes, considerando que a escritora
estava enterrada há décadas quando o pai de Tom Sawyer começou a cuspir nela.
Por essa razão, os ataques de Twain contra Austen materializaram-se como
ofensas post mortem dignas de South Park: “Parece-me uma
autêntica desgraça que tenham lhe permitido morrer de causas naturais”, “gostaria
de desenterrá-la e golpear sua caveira com seus próprios ossos”, ou esse
simpático “qualquer livraria que não tenha um livro da Jane Austen já é uma boa
livraria. Mesmo que não tenha nenhum outro livro.”
No romance Boon, um H. G.
Wells escondido atrás de um pseudônimo comparou seu amigo Henry James a um “Leviatã
recuperando seus pequenos seixos. Um magnífico e doloroso hipopótamo
determinado a todo custo, mesmo à custa de sua dignidade, a pegar uma ervilha
que se escondeu em um canto de seu covil”.
A ilustre provocação
Uma das rivalidades mais populares
no mundo literário foi entre Ernest Hemingway (O velho e o mar) e
William Faulkner (O som e a fúria). Um ressentimento que começou em
1947, durante uma rodada de perguntas após uma palestra na Universidade do
Mississippi, quando um estudante pediu a Faulkner para listar os melhores escritores
contemporâneos. O escritor improvisou uma lista na qual colocava Thomas Wolfe
(falecido anos antes) à frente, ele próprio na segunda posição, John Dos Passos
em terceiro, Hemingway em quarto e John Steinbeck no final, fechando o rol. Era um
reconhecimento para o autor de Por quem os sinos dobram, mas também chegava
carregando um balde de baba ruim no ombro: ao mencionar Hemingway, o
palestrante aproveitou para destacar que “Ele não tem coragem, nunca assumiu
riscos. Ele não é famoso por usar palavras que forçariam o leitor a consultar
um dicionário”. Hemingway responderia à provocação com “Pobre Faulkner! Você
realmente acredita que grandes emoções vêm através de grandes palavras?”
Faulkner se desculpou por correio à parte ofendida, alegando que não sabia que
aquelas palavras sairiam da sala de reuniões onde foram pronunciadas. Mas isso
não impediu que voassem farpas durante as décadas subsequentes entre os dois
escritores, que se respeitavam, mas nem chegaram a se encontrar pessoalmente
mais que, supostamente, uma vez de forma efêmera.
Em meados da década de 1960, a
revista Writer’s Digest publicou uma entrevista inédita com Hemingway,
realizada meses antes de sua morte, que continha um momento encantador: “É
verdade que você traz uma jarra de martínis até La Torre [o prédio onde trabalhava]
todas as manhãs à hora de escrever?”, perguntaram. “Jesus! Você já ouviu falar
de alguém que bebe enquanto trabalha? Você deve está pensando em Faulkner. Às vezes
sim, posso apontar no meio de uma página o momento em que o primeiro gole foi
servido”, responderia jocosamente. “Além disso, quem diabos iria misturar mais
de um Martini ao mesmo tempo?”, acrescentava.
Em 1979, o popular programa The
Dick Cavett Show recebeu Mary McCarthy (O grupo) em seu set para uma
inocente entrevista. Mas o que nem o roteirista, nem o apresentador, nem a
própria cadeia chegaram a imaginar é que tal transmissão desencadearia um tremendo
confronto que quase acabaria com todos eles. Um drama que começou entre as
notas que repousavam sobre a mesa de Dick Cavett, apresentador do programa. Lá
estava, rabiscado em um pedaço de papel, um lembrete para perguntar a sua
convidada sobre os escritores contemporâneos mais subestimados. Uma pergunta
que a própria McCarthy havia concordado de antemão, para falar sobre um jovem
escritor pouco conhecido que a fascinava. Cavett olhou para a nota e decidiu
usá-la como desculpa para lançar uma isca mais palatável: em vez de direcionar
a conversa para escritores subestimados, ele escolheu perguntar a McCarthy
quais autores ele achava que eram superestimados.
Surpreendentemente, a mulher
agarrou a isca com as duas mãos e pulou na piscina, respondendo: “A única em
que consigo pensar é uma remanescente como Lillian Hellman, que me parece
terrivelmente superestimada, uma escritora ruim e desonesta […].” “O que há de
desonesto nela?”, perguntou o apresentador. “Tudo”, sentenciou a escritora, “como
disse noutra entrevista, tudo o que ela escreve é mentira. Incluindo os “e” e
os “ele/o/a/as”. E assim, com tamanha graça, ficou tão satisfeita a boa
McCarthy. O problema veio na manhã seguinte, quando os jornais anunciaram como
Lillian Hellman, depois de testemunhar o crime na televisão com fumaça saindo
de seus ouvidos, processava McCarthy, Cavett e a emissora por difamação,
exigindo US$ 2.250.000 em indenização.
Revendo o programa, Cavett
observou que sua convidada afirmou ter feito o mesmo comentário sobre Hellman
em outra entrevista publicada em papel (aconteceu um ano antes, no jornal Paris
Metro), e perguntou ao seu advogado como era possível que na ocasião
anterior, as mesmas declarações não tenham causado a mesma agitação. O advogado
respondeu: “É muito simples: quem lê hoje em dia?”.
O bom do assunto é que as
acusações de McCarthy não foram equivocadas. Porque Hellman era uma dramaturga
que assinava peças de renome como A calúnia ou A loba, mas que
também publicou uma série de suas próprias memórias em que grande parte dos
fatos foi plagiada ou inventada da vida de outras pessoas, sem permissão.
Aconteceu que Hellman, além do nariz, também tinha muita má vontade e muito
dinheiro para passar os anos seguintes incitando seus advogados a apertar o
processo. O eterno litígio dinamitou a saúde, os nervos e as
economias de McCarthy até que, em 1984, Hellman a deixou morrer e as acusações
foram retiradas. Pouco depois, McCarthy afirmaria em plano badass que “na
verdade, não queria que ela morresse. Eu preferia que ela vivesse
para ver como o seu juízo se esvaía”. Em 2002, estrearia um musical intitulado Imaginary
Friends, baseado na briga das duas escritoras. A premissa da peça era
delirante: depois de morrer, McCarthy e Hellman se reencontram no inferno e se
dedicam a continuar jogando merda uma na outra entre cantigas felizes.
Gore Vidal tinha uma opinião
curiosa sobre outro ilustre escritor que conheceu pessoalmente: “Detesto Truman
Capote, da mesma forma que se detesta um animal, um asqueroso que se infiltrou
em sua casa”. E a verdade é que Capote pensava mais ou menos o mesmo sobre
Vidal: “Estou sempre triste por Gore, muito triste, porque ele tem que respirar
todos os dias”. Em 1984, foi Capote quem parou de respirar, e Vidal descreveu a
morte como “uma passagem brilhante em sua carreira”.
Tibor Fischer era um apaixonado declarado pela prosa de Martin Amis até que decidiu resenhar o romance O cão
amarelo para The Daily Telegraph e escreveu: “Eu estava lendo meu
exemplar no metrô e me preocupava que alguém pudesse olhar por cima do meu
ombro, não pelo tema do embargo da resenha, mas porque alguém poderia pensar
que eu estava gostando do que estava acontecendo na página. O livro é como
descobrir o seu tio favorito no recreio da escola, masturbando-se”. Amis
responderia ao insulto sem se prender a modalizações: “Fischer é um asqueroso. Ah, e
um cusão”.
O autor de romance policial Peter
James também teve antipatia por Martin Amis após certos encontros. Mas ele
escolheu canalizar isso de forma criativa, propondo um personagem baseado no
odiado escritor: um sujeito nojento, seboso e desagradável chamado Amis
Smallbone que tem um pênis minúsculo. No fundo, não é que Amis tenha ido para o
mundo editorial à procura de fazer amigos, mas provavelmente o contrário: “Se
eu tivesse uma lesão cerebral grave, poderia escrever um livro infantil”,
assegurou certa vez, ofendendo subitamente a todos os autores de literatura para
crianças.
Às vias, de fato
Em 1772, o dramaturgo irlandês
Richard Brinsley abre o Bath Chronicle e se depara com um artigo em que
o capitão Mathews o acusa de ser um “mentiroso, um traidor e um canalha”. Todo
aquele ódio, apesar de tudo, teve uma explicação: Mathews, um homem casado, estava rondando
a jovem soprano Elizabeth Ann Linley, que nada lhe dera em troca porque estava
apaixonada por Brinsley, com quem fugiria e se casaria secretamente.
Considerando que o texto era uma
ofensa à sua honra e à de sua esposa, Brinsley desafiou publicamente Mathews a
travar um duelo de espadas, e ambos apareceram armados no Hyde Park. Mas é
claro que estar em um lugar tão popular fez com que dezenas de pessoas, que
haviam saído para passar o dia no parque, começassem a se aglomerar em torno
dos dois espadachins com a ilusão de ver um derramamento de sangue.
Depois de uma série de posturas e
depois de desembainhar suas espadas várias vezes, os dois rivais decidiram que
a multidão era grande demais para lutar confortavelmente, e também que sua luta
até a morte não parecia tão épica ou honrosa com tantos espectadores malcriados
gritando ao seu redor. Eles decidiram mudar a luta para uma taverna na rua
Henrietta e começaram a se esfaquear ante os frequentadores do bar. O duelo
terminou quando Brinsley desarmou Mathews e a espada dele, que havia saído voando
de suas mãos, fosse furtada por um espectador que a levou secretamente como
recordação do encontro. Finalmente, Brinsley poupou a vida de seu inimigo em
troca de publicar um pedido de desculpas no mesmo Bath Chronicle. Mas
logo depois de escrevê-lo, quando seu orgulho começou a formigar, Mathews pediu
uma revanche, e os dois cavalheiros se encontraram novamente para jogar espadas
no Kingsdom, em Box.
Nesse segundo round a coisa
foi mais poderosa; os lutadores quebraram suas espadas durante a luta, e
Mathews subjugou Brinsley, que se recusou a pedir misericórdia, à fera: ele
esmagou seu rosto com o punho da arma, esfaqueou-o inúmeras vezes no torso e
pescoço e finalmente alojou a lâmina quebrada da espada entre os ossos do
dramaturgo. Mathews, acreditando que seu rival estava morto, fugiu do lugar e
do país para se refugiar na França, temendo ser acusado de assassinato, algo
que, aparentemente, nem sempre é levado em consideração antes de se aceitar
um duelo até a morte. Brinsley acabou feito um Cristo, mas sobreviveu aos
ferimentos e durante sua recuperação se divertiu lendo as notícias
melodramáticas sobre sua condição: “Adoraria saber se estou vivo ou morto”,
explicava o homem ao virar as páginas dos jornais.
Em 1896, a pena do escritor Jean
Lorrain (A vingança do mascarado) tornou-se uma das mais temidas e melhor
pagas de toda Paris, consequência direta de sua má língua na hora de escrever
crônicas e resenhas. Lorrain, alguém que consumia éter suficiente para acumular
uma dúzia de úlceras dentro de si, era um valentão profissional e sabia que jogar
ovos no papel era a melhor maneira de conquistar leitores. Por isso, quando Os
prazeres e dias de Marcel Proust pousou em sua mesa, ele resolveu estragar
tudo. Escreveu uma crítica feroz sobre o livro em que ele não apenas rebaixava
o trabalho do recém-escritor, mas também empurrava-o para fora do armário ao
expor o relacionamento que Proust mantinha com o romancista Lucien Daudet. A crítica
maliciosa ofendeu Proust — que manteve sua homossexualidade em segredo — tanto
que ele decidiu consertar as coisas no estilo dos anos noventa. Da década de
1890, claro: com um duelo de pistolas.
Os dois homens se encontraram para
atirar um no outro num bosque de Maudon, com Proust solicitando amplamente que
o confronto fosse ao meio-dia porque “não queria acordar cedo”, mas o confronto
final não fez jus ao hype anterior. No dia do encontro, os dois
escritores, separados por uma distância de vinte e cinco passos, sacaram suas
pistolas e atiraram contra o adversário, mostrando muita pouca mira, ou muita
pouca vontade: a bala de Proust atingiu o chão a uma distância significativa dos
pés do adversário, e o tiro de Lorrain se perdeu no ar, bem acima da cabeça do
outro escritor. Surpreendentemente, foi lembrado que depois daquele tiro os
dois competidores haviam limpado sua honra. E os espectadores da infeliz
exposição voltaram para casa desapontados, mas, pelo que viram, provavelmente
muito agradecidos por não terem sido baleados por um tiro ilustre.
O combo Norman Mailer (A canção
do carrasco) e Gore Vidal (A cidade e o pilar) formam outro famoso
par de romancistas rivais. Em 1971, Vidal aproveitou a resenha de um livro
feminista, Atitudes patriarcais, de Eva Figes, para dar cabeçadas em
Mailer. No texto, Vidal destacava que a análise de Mailer sobre a política de
gênero era “lida como três dias do ciclo menstrual” e comparou o escritor com
Charles Manson, considerando que Mailer só via as mulheres “no melhor dos casos
como procriadoras, e na pior como objetos que poderiam ser espancados,
humilhados ou assassinados”.
Mailer, um homem violento que anos
antes havia ferido brutalmente sua esposa com uma caneta, sentiu-se mal com
isso e decidiu levar a treta para o campo físico. Os dois escritores foram
convidados a se ver no The Dick Cavett Show, em um encontro dialético
que a emissora promoveu quase como uma luta de boxe, e as coisas começaram da
melhor maneira: com Mailer dando cabeçada em Vidal ao encontrá-lo nos
bastidores do estúdio. A coisa não melhorou quando as câmeras começaram a
gravar, pois os dois romancistas se dedicaram a jogar várias gentilezas um no
outro durante o talk show enquanto no set a tensão do ambiente se
tornava algo que podia ser mastigado. “Esta sensação de contaminação
intelectual está se tornando dolorosa para mim”, apontava Mailer, “Bem, como
especialista na área, você sabe muito sobre isso”, respondeu Vidal. As faíscas
também recaíam sobre o apresentador do programa quando um azedo Mailer apontou
para a folha de perguntas que Cavett estava segurando em suas mãos e sugeriu: “Por
que você não dobra esse pedaço de papel cinco vezes e enfia lá onde não brilha
o sol?”
Seis anos depois, Mailer
reencontraria Vidal numa festa e o cumprimentaria novamente à sua maneira,
jogando o conteúdo de um copo em seu rosto e finalizando o movimento com um soco. “Norman,
mais uma vez as palavras falharam com você”, disse a vítima. Mas como os que
brigam se desejam, com o tempo os romancistas acabaram fazendo as pazes e
fazendo piadas sobre as rixas, os insultos e os ataques do passado.
Gabriel García Márquez depois da agressão de Mario Vargas Llosa. Foto: Rodrigo Moya. Arquivo Harry Ransom/ Universidade do Texas |
O confronto entre Mario Vargas
Llosa (A cidade e os cachorros) e Gabriel García Márquez (Cem anos de
solidão) inclui pouca prosa, mas alguns socos como resultado de um encontro
afetuoso entre os dois numa sala de cinema. Aconteceu no início de 1976,
durante a estreia do filme peruano La odisea de los Andes, documentário
com roteiro de Vargas Llosa sobre aquele famoso acidente de avião em que os
tripulantes feridos tiveram que comer seus companheiros de viagem para
sobreviver. No hall do cinema, García Márquez vislumbrou seu amigo Vargas Llosa
na multidão e se aproximou dele, exclamando “Manolito!” e abrindo os braços
esperando receber um abraço caloroso do colega, mas o que recebeu foi um
anfitrião soco. O murro de Vargas Llosa derrubaria o ferido no chão, na frente
de todos os presentes, um golpe impulsionado pelo ressentimento: García Márquez
acolheu e aconselhou a esposa do agressor, Patricia Llosa, quando o casal
sofreu uma grande crise, e isso irritou bastante o peruano. Até então, os dois
escritores eram amigos íntimos, parceiros e até vizinhos, mas a partir de então
eles não se viam mais e nem respondiam a perguntas quando alguém falava sobre
seu relacionamento.
Trinta anos após o soco, o
fotógrafo Rodrigo Moya tirou a poeira de algumas fotos que permaneceram inéditas,
alguns retratos como parte do dano daquele encontro onde é possível ver o rosto
de García Márquez com um olho roxo. Fotos que o próprio escritor, amigo de
documentar suas coisinhas, havia pedido expressamente a Moya dias depois
do murro.
Beef
Este texto inicialmente apontava
para as semelhanças entre o beef de rappers e insultos entre escritores.
E por esta razão, esta revisão deixou o melhor para o final. O precursor de todos
os beefs modernas, a verdadeira origem das brigas de galos, o tataravô
dos duelos de rappers: o grande evento William Dunbar versus Walter
Kennedy. Estamos no século XV.
Dunbar e Kennedy foram os dois
poetas escoceses que encenaram o primeiro combate público de flyting já
registrado. O flyting é a arte de insultar violentamente um ao outro usando rimas e engenhosidade como arma no que se tornaria uma espécie de justa
poética. Apareceu pela primeira vez por volta do século V, em várias histórias
e lendas, e há vestígios de flyting na literatura celta, nórdica, escocesa
ou nos escritos medievais. Obras que continham cenas em que um personagem se lançava
a humilhar verbalmente o outro com um verso. Loki puxava flyting para rir
do resto dos deuses nas rimas muito nórdicas do poema Lokasenna. E em Beowulf,
o herói do título da peça açoitava Unferð com uma lírica ofensiva.
No final do século XV, em terras
escocesas, o flyting tornou-se um entretenimento público muito popular,
incentivado por reis como Jaime IV da Escócia e celebrado pelo povo. O formato
era idêntico às batalhas de rappers mais modernas: dois poetas pulavam no palco
para insultar um ao outro em versos. E no final das intervenções o público
decidia o vencedor. Algo como no filme 8 Mile – Rua das ilusões, mas numa
versão antiga. O engraçado é que nesses combates líricos todos os tipos de
obscenidades e barbáries eram permitidos, já que oficialmente durante o evento
as pesadas multas em vigor para quem blasfemava eram completamente esquecidas,
e não demorou muito para o show virar piada de aristocratas.
O duelo entre Dunbar e Kennedy é
notável por ser o primeiro flyting público que foi documentado, impresso
e distribuído. Em sua intervenção, Dunbar acusou a aparência física esquálida
de Kennedy, insinuando que ele estava andando tão perto do túmulo como um memento
mori com patas, ele o cumprimentou com um “Salve, monsenhor! Suas bolas
saem por baixo do seu vestido” e o bombardeou com uma coleção de insultos que
incluíam sutilezas como porco insignificante, escravo por um copo, fodedor
de éguas, cordeiro verme, prostituta imunda, mendigo rancoroso, dragador de
ostras, alma trêmula, glutão saciado, cara de cachorro ou cera derretida.
Kennedy rebateu rotulando Dunbar de anão de cara suja, filho de Lúcifer, abutre
sorrateiro, sodomita insaciável, vagabundo, elfo ignorante, merda verme, idiota
nojento, Judas, basilisco amaldiçoado, laureado lollard, comprovadamente
pagão ou sarraceno jurado. E fazendo trocadilhos com palavras que insinuavam
que seu rival tinha dificuldade em controlar o trânsito de seus intestinos.
The Flyting of Dunbar and Kennedie,
título oficial da transcrição do encontro, é considerado um poema
histórico, o testemunho de uma troca maravilhosa de provocações tão ilustres
e cheias de referências cultas como tão grosseiras e carregadas de cocô. Uma
peça de virtuosismo poético, aliteração maluca e maravilhosas cambalhotas com
as rimas. Mas, acima de tudo, é uma escrita importante por uma razão
convincente: significou o primeiro registro na história do uso da palavra
inglesa “shit” (“merda”) como um insulto. Ninguém disse que a provocação além
de ilustre tinha que ser limpa.
* Este texto é a tradução livre de “La pulla
ilustre”, publicado inicialmente aqui em Jot Down.
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