Boletim Letras 360º #488
DO EDITOR
1. Caro leitor, este é o segundo Boletim
Letras 360.º do mês de julho de 2022 e 488.º desde quando a publicação foi criada
para reunir notícias sobre literatura e com interesse em trabalhos em sintonia
com nossa linha editorial. Aproveite as informações, as recomendações e boas
leituras.
2. Relembro que na aquisição de
qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você ganha desconto
e ainda ajuda ao Letras sem pagar nada mais por isso. E indo neste endereço, você encontrará outras maneiras de colaborar para que o blog consiga
custear suas despesas com domínio e hospedagem online. No final do mês,
acontecerá um sorteio entre os apoiadores: alguém ganhará a edição especial do Ensaio
sobre a cegueira, de José Saramago, recém-publicado pela parceira Companhia
das Letras.
3. Desejo um excelente fim de
semana e agradeço o apoio, a companhia neste projeto!
Lucia Berlin, Oakland, 1975. Foto: Jeff Berlin |
LANÇAMENTOS
Uma reunião de histórias sobre
encontros e desencontros, fins e recomeços de vida, escritas com a vivacidade,
a agudez de observação e o humor que consagraram Lucia Berlin como voz
fundamental do conto estadunidense no século XX.
Uma rifa sendo vendida durante a
Segunda Guerra. Um Natal em cima de um telhado. Um acidente de moto. Uma
primeira experiência sexual desastrosa. Em tramas passadas no Texas, no Novo
México, em Nova York ou no Chile — lugares onde Lucia Berlin morou — os contos
de Noite no paraíso parecem contrariar o título sob o qual foram reunidos. Aqui
tudo é solar nas descrições dos ambientes, nos desvios anedóticos que os textos
fazem para marcar o próprio ritmo, e ao mesmo tempo há algo de inadequado, às
vezes de trágico, na psicologia dos personagens. Trata-se da mistura que
consagrou a autora, capaz de equilibrar leveza e densidade no modo como lida
com temas recorrentes e também autobiográficos — alcoolismo, solidão, traumas
familiares. Noite no paraíso traz essa sabedoria múltipla, fundada na mais fina
técnica narrativa e numa experiência distante do mundo intelectual: conhecida
por um pequeno público literário durante o tempo em que viveu, Berlin teve uma
trajetória ricamente atribulada, trabalhando como enfermeira, telefonista e
assistente num consultório médico enquanto criava quatro filhos de três
casamentos. Na esteira do sucesso de Manual da faxineira, coletânea
póstuma que firmou o nome de Berlin na moderna tradição do conto americano, Noite
no paraíso nos mostra como a familiaridade é sempre uma aparência. Basta
olhar para tudo com atenção e um novo mundo se revela. Nele, a urgência da vida
é uma “massa trêmula” cheia de “beleza e amor”, mas que cobra um preço quando
se caminha no escuro produzindo “ecos altos, nostálgicos”, como “num velho
ginásio vazio ou numa estação de trem tarde da noite”. A tradução é de Sonia
Moreira e o livro é publicado pela Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
A poesia que recebeu o Pulitzer
em 2021.
O livro Poema de amor
pós-colonial, vencedor do prêmio Pulitzer de poesia em 2021, é o segundo
livro de Natalie Diaz, poeta mojave estadunidense. Em sua paisagem lírica, os
corpos das mulheres latinas e indígenas são corpos políticos e, ao mesmo tempo,
corpos em êxtase. Os versos de Diaz desafiam as condições a partir das quais se
escreve num país cuja fundação rasurou e rasura corpos como o dela e das
pessoas que ela ama. Com tradução de Rubens Akira, o livro publicado pela
Fósforo e Luna Parque chega primeiro aos leitores do clube Círculo de Poemas e
depois às livrarias.
Nova edição e tradução de um
dos livros-chave de Bakhtin.
Problemas da obra de
Dostoiévski, lançado em 1929, é a primeira versão de um dos livros-chave de
Bakhtin, Problemas da poética de Dostoiévski, de 1963. É também o
primeiro livro publicado pelo autor e guarda estreita relação com a produção do
Círculo de Bakhtin nos anos 1920. Organizado em duas partes, “O romance
polifônico de Dostoiévski” e “A palavra em Dostoiévski”, o estudo analisa as
principais obras do escritor russo, atentando para a multiplicidade de vozes e
discursos que ele põe em cena — o que representou uma importante inovação na
forma do romance. O presente volume inclui ainda um ensaio introdutório que
historia a gênese do texto e suas influências, e um posfácio que analisa a sua
recepção na União Soviética da época — ambos redigidos por Sheila Grillo,
tradutora da obra com Ekaterina Vólkova Américo —, além de um glossário com os
principais conceitos utilizados por Bakhtin. O livro é publicado pela Editora
34. Você pode comprar o livro aqui.
Novo romance de Lourenço
Mutarelli.
Pompeu Porfírio Júnior ganha a vida
contando histórias: as pessoas lhe pagam para que sente ao lado delas e conte o
que viveu. Como um intermediário-inventor, Pompeu arquiteta mundos para que
elas os habitem. Ali, se apaixonam, se decepcionam, gozam e sofrem. Contudo,
Pompeu tem seus demônios particulares e, ao ser denunciado ao tribunal da
inquisição, passa a responder por crimes que não conhecia. Sem saber quem o
acusara, o contador de histórias relembra sua vida e dela monta um
caleidoscópio, revisitando, na companhia do leitor, desde a infância até a
maioridade e ao infarto que quase o matou. Misto de autoficção e narrativa
insólita, própria de Mutarelli, O livro dos mortos retoma o estilo que o
consagrou em O cheiro do ralo e aprofunda uma das questões mais
importantes de sua obra: quais os limites da narrativa (seja ficcional seja
histórica) e até onde ela nos constrói. Você pode comprar o livro aqui.
Duas peças de Marguerite Duras
inéditas no Brasil.
Um casal separado há não muito
tempo se reencontra na pequena cidade francesa de Évreux por ocasião da
formalização de seu divórcio. Reunidos no salão de um hotel que evoca a
lembrança de sua vida de casados, eles sabem que se veem pela última vez. De
início, Anne-Marie Roche e Michel Nollet se dirigem um ao outro com muitas
formalidades e certo pragmatismo. Pouco a pouco, no entanto, abandonam a segurança
protocolar e adentram o terreno obscuro, amedrontador e irrepresentável de um
amor que se reaviva e, ao mesmo tempo, vai se revelando insustentável. A tensão
entre os protagonistas cresce pouco a pouco, atingindo seu ápice em momentos
explosivos, o que torna ainda mais palpável e densa a ligação entre o antigo
casal. Escrita inicialmente sob encomenda da televisão britânica para compor um
dos episódios da série Love Story, a obra La Musica estreou como
peça de teatro em 1965 e ganhou, ainda no mesmo ano, sua primeira versão em
livro, num conjunto com outras duas peças de Marguerite Duras. Em 1967, o texto
foi adaptado para o cinema, sob direção da própria autora. Vinte anos depois da
publicação, em 1985, enquanto eram ensaiadas leituras de alguns textos de Duras
— dentre os quais, La Musica —, Sami Frey, um dos atores presentes,
propôs à autora a montagem da peça com algumas variações. Dessa proposta
originou-se La Musica segunda, que poderia quase ser considerada uma
nova peça — segundo a própria autora: “E mais ou menos durante esse tempo todo
eu desejei esse segundo ato”. Mais do que uma repetição variada do original, La
Musica segunda é formada por dois atos muito diferentes: o primeiro
baseia-se em um diálogo mais tradicional, enquanto o segundo tende a ofuscar a
individualidade dos dois personagens e a acentuar o lirismo do texto,
intensificando tanto as faíscas de amor quanto as sutilezas entre os
protagonistas. La Musica segunda estreou em 1985, após um mês e meio de
ensaio, sendo pouco depois publicada. Pela primeira vez, as duas peças são
lançadas em livro no Brasil, num esforço de apresentar ao público brasileiro a
faceta de Marguerite Duras como dramaturga, destacando sua contundente relação
com o teatro. O livro é publicado pela editora Temporal com tradução de Angela Leite Lopes; a tradutora assina ainda um texto de prefácio e a edição inclui prefácio de Arnaud Rykner.
O livro decisivo para que
Deleuze desenvolvesse o conceito de dobra.
Chama-se Retrato dos Meidosems
e compõe a coletânea La vie dans les plis. Em A dobra (1988),
Deleuze anota: “O tema da dobra está presente em toda a obra de Michaux, na
escrita, na desenhada, na pintada, como testemunha a coletânea La vie dans
les plis”. Assim, a arte irradia na filosofia e a filosofia na arte
contemporânea, dialeticamente, em uma aura artística que se percebe na
importância que o conceito deleuziano teve e tem para a performance e a música,
para as instalações visuais e os livros de artista. Em Retrato dos Meidosems,
a parceria entre a imagem e o texto, nas litografias e nos fragmentos, segue
junto para uma infinidade de vidas totalmente inventadas, antropomorfizadas,
uma pequena cosmologia. Com tradução de Ricardo Corona, o livro em edição
bilíngue é publicado pelas editoras Cultura e Barbárie e Medusa. Você pode comprar o livro aqui.
Nove contos que mostram outra
face de Margaret Atwood.
Aposentada sexagenária, Verna
resolve embarcar em um cruzeiro luxuoso pelo Ártico depois da morte nada
acidental do seu quarto marido, aproveitando sozinha todo o dinheiro que
recebeu dos falecidos companheiros. O inesperado acontece quando ela reconhece
entre os passageiros o homem que, na adolescência, a prejudicou e humilhou de
forma cruel. Discreta, astuta e estratégica, ela planeja cautelosamente uma
vingança nas camadas rochosas conhecidas como colchões de pedra. “Colchão de
pedra: uma almofada fossilizada, formada de camada após camada de algas
verde-azuladas que criam um monte ou domo. As mesmas algas verde-azuladas que
criaram o oxigênio que eles agora respiram. Não é espantoso?” Nesta coletânea de contos
inspirada nas tradições góticas clássicas, Margaret Atwood revela facetas
grotescas e perversas da humanidade no seu melhor estilo, evocando vidas e
enredos emocionantes. Constance Starr criou uma série literária, Alphinland,
que a tornou famosa e respeitada pela crítica. É por essa paisagem fantasiosa,
em meio a uma tempestuosa noite de inverno, que ela é guiada pela voz do
falecido marido, Ewan, e começa a fundir a realidade com o universo imaginário.
Nesse mesmo fio narrativo, acompanhamos o antigo e conturbado relacionamento da
escritora com Gavin, passando pela velhice desse poeta boêmio até o momento do
seu funeral, em que algumas das mulheres que fizeram parte de sua vida discutem
o passado. A partir daí, aberrações da natureza, presenças fantasmagóricas,
mãos desencarnadas, rancores, sonhos frustrados e um astuto plano de vingança
engendrado pela maldosa viúva Verna permeiam a narrativa, a um só tempo sombria
e irreverente, com a notória habilidade de Atwood e sua abordagem destemida
sobre as agruras da violência, a mortalidade iminente e os mitos da velhice. Com
tradução de Maira Parula, Colchão de pedra é publicado pela Editora
Rocco. Você pode comprar o livro aqui.
Uma coleção com catorze contos de Osamu Dazai.
A grandeza de Osamu Dazai está em
seu mérito literário. Declínio de um homem, seu romance mais celebrado,
inclusive tendo sido adaptado também para dois mangás, e publicado pela Estação
Liberdade em 2015, é um sucesso absoluto. Em pouquíssimo tempo, já recebeu
várias reimpressões. Mulheres promete a mesma qualidade. Uma coletânea
de 14 contos de Osamu Dazai sob a forma de monólogos femininos. As narradoras
de Dazai falam sobre o cotidiano, descrevem momentos de dor e alegria,
expressam suas emoções e opiniões com sinceridade e sem reservas. A guerra e
seus efeitos também aparecem como pano de fundo de muitos textos, uma vez que
quase todos eles foram produzidos no período que compreende a Segunda Guerra
Mundial. Com tradução de Karen Kazue Kawana, o livro sai pela editora Estação
Liberdade.
O primeiro tomo de sete que reúne
a obra completa de Eurípides.
“O mais trágico dos poetas”, no
dizer de Aristóteles, Eurípides é, com Ésquilo e Sófocles, um dos três grandes
dramaturgos atenienses do século V a.C. Retratado de forma irônica em muitas
comédias de Aristófanes e tendo vencido apenas cinco vezes os concursos
teatrais, o autor de As Troianas e outras tragédias fundamentais legou
uma obra de imensa envergadura, cuja ressonância ainda se faz presente no
teatro, no cinema e na literatura contemporâneas. Das 92 peças que a tradição
lhe atribui, apenas dezenove foram preservadas; é o bastante, porém, para que
se constate o caráter acentuadamente existencial de sua obra, a intensidade do
sentimento individual, a força de sua palavra lírica e a liberdade com que
trabalha o mito, marcando com características próprias a estrutura do drama
clássico. Este volume bilíngue — o primeiro dos seis que formam o seu Teatro
completo — reúne, ordenados por ordem cronológica, o drama satírico O
Ciclope, a tragédia Alceste, que põe em questão a nossa condição de
mortais, e aquela que é uma de suas obras mais célebres, Medeia,
representada no primeiro ano da Guerra do Peloponeso. A tradução criteriosa e
fluente de Jaa Torrano, professor titular de Língua e Literatura Grega da
Universidade de São Paulo, vem acompanhada de estudos esclarecedores sobre cada
uma das peças e, neste volume em particular, de uma valiosa introdução sobre o
sentido das tragédias gregas em seu contexto histórico, a dinâmica das imagens
míticas, as relações entre homens e Deuses e a importância da noção mítica de
justiça nos dramas de Eurípides. O primeiro volume de Teatro Completo
sai pela Editora 34. Você pode comprar o livro aqui.
Oitavo livro de poemas de Paulo
Henriques Britto.
“Pensar é coisa trabalhosa. A
ignorância/ é o sumo bem dos cidadãos de bem,/ é a verdadeira marca dos
eleitos./ Ter sucesso é não ter que saber. Saber cansa”, escreve Paulo
Henriques Britto no poema “Vers de circonstance (Brasil, 2020)”. Com ceticismo
e sarcasmo, o poeta alia verve ao rigor da forma fixa em um de seus livros mais
mordazes — e em muitos momentos retrata diretamente os dias que correm,
pautados pela fé cega e pelo desprezo pela racionalidade. Segundo Fabrício
Corsaletti, “Este é um espetáculo extraordinário de precisão e inventividade.
Nada sobra, e tudo surpreende. [...] O coloquialismo amalgamado à dicção
intelectual (recurso no qual se tornou mestre) [...]. A capacidade de desenvolver
uma ideia (alô, João Cabral, Wallace Stevens!) como quem constrói, tijolo por
tijolo, um edifício. Só para depois, por pura curtição, botá-lo abaixo.” Fim
de verão é publicado pela Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
Frederico Klumb entra pela
prosa.
Segundo Andréa del Fuego, “Nesta
curta e primorosa seleta de histórias, Frederico Klumb investiga o gênero
conto, elegendo um panteão literário e embaralhando as cartas. Trata-se de um
livro que nos faz vibrar não só por sua brilhante invenção, mas também pelo que
existe nele de não dito, pelo próprio enigma que é a criação literária”. Rua
Maravilha Tristeza é publicado pelas Edições Jabuticaba.
O novo romance de Carol Bensimon.
Inspirado em um crime real
ocorrido na capital gaúcha, Diorama é um misto de coming of age e
romance policial, marcado por deslocamentos, questões de sexualidade e feridas
que nunca cicatrizam; um estudo único sobre as marcas deixadas em famílias
desfeitas pelo crime e pelo preconceito. Uma caçada em família no pampa gaúcho.
Uma taxidermista restaurando animais em um museu de história natural. Um deputado
morto com um tiro de espingarda na retomada da democracia brasileira. Um
romance que precisa ser mantido em segredo devido ao preconceito. Essas cenas
tão vívidas são apenas algumas das que se entrelaçam em um livro sensível e
envolvente, o primeiro desde que Carol Bensimon venceu o prêmio Jabuti de
melhor romance com O clube dos jardineiros de fumaça. Narrado por
Cecília Matzenbacher, Diorama percorre os meandros de uma existência marcada
por um crime brutal. Enquanto a protagonista adulta tenta manter de pé a vida
refeita nos Estados Unidos, sua versão criança leva o leitor de volta à Porto
Alegre dos anos 1980, revelando pouco a pouco os detalhes íntimos e políticos
de um assassinato que marcou o Rio Grande do Sul. Somam-se a isso múltiplas
vozes de testemunhas e envolvidos, que erguem um universo agridoce de relações
estilhaçadas, segredos e violência sempre à espreita. Em uma prosa
cinematográfica, embalada a rock e entremeada por reflexões sobre a natureza e
sobre as fraturas que carregamos, Bensimon constrói em Diorama uma
comovente história familiar. Você pode comprar o livro aqui.
Um romance sobre a busca do
primeiro amor.
Lívia estudava engenharia na
Unicamp. Vinha de uma família rica de Campinas e havia se inscrito num curso de
francês na universidade para conseguir ler as revistas de moda. O narrador de Do
começo ao fim a conhece aí, no primeiro dia de aula, ambos com 18 anos. A
mãe de Lívia, Karen, era professora do Instituto de Estudos da Linguagem da
mesma universidade. Ele vinha de São Paulo, morava numa república caindo aos
pedaços e tinha uma rotina desregrada. Eram muito diferentes, mas nada os
impediu de se apaixonar. O romance foi intenso, assombrado por medos difusos e
muita inexperiência, até o dia em que Lívia o deixou. Esse primeiro amor, no
entanto, não foi esquecido. O narrador se casou e se separou. Escreveu, teve
sucesso no primeiro livro, tornou-se colunista. Entrou em um novo
relacionamento, de curta duração. Com a vida num marasmo, mergulhado na crise
de sua masculinidade e dos cinquenta anos, ele recebe uma carta, curta, formal,
em que Lívia anuncia a morte da mãe. E isso pode mudar tudo. Entre memória,
imaginação e realidade, ele tenta rever os seus erros e se prepara para o
reencontro com as histórias do passado. O livro é publicado pela editora
Alfaguara Brasil. Você pode comprar o livro aqui.
A escritora amiga e admirada por
Simone de Beauvoir.
Filha bastarda criada por uma mãe
solteira e terrivelmente rígida, a autora retoma a própria história, do
nascimento aos trinta anos, narrando com estilo incisivo e uma franqueza
desconcertante os eventos de uma infância frágil, os embates com a aparência
física nunca aceita, o desejo sexual por homens e mulheres, seus amores,
rancores e suas idiossincrasias. Traduzido pela poeta Marília Garcia e com
prefácio escrito pela amiga e admiradora Simone de Beauvoir, o livro traz a
própria Leduc como protagonista. A bastarda sai pela Editora Bazar do
Tempo. Você pode comprar o livro aqui.
Marco do terror gótico, este
romance é um mergulho no mundo sobrenatural e nos pavores da sociedade
vitoriana.
“O único homem capaz de inspirar
horror verdadeiramente profundo e espiritual.” Foi assim que H. P. Lovecraft
descreveu, em uma carta, o autor desta novela aterrorizante. Numa época em que
as fronteiras entre ciência e misticismo eram menos definidas, O grande deus
Pã abre com um experimento médico. Um cientista realiza uma pequena
cirurgia cerebral numa mulher, com o objetivo de colocá-la em contato direto
com o mundo espiritual. A experiência era chamada pelos antigos de “ver o deus
Pã”, mas a tentativa fracassa, e a mulher perde totalmente a razão, deixando
atônito o sr. Clarke, que havia aceitado a contragosto testemunhar o procedimento.
Anos mais tarde, Clarke ouve falar dos acontecimentos sombrios envolvendo uma
mulher chamada Helen Vaughan. Um garoto, que a vê na floresta com um “estranho
homem nu”, enlouquece. Uma vizinha de Helen aparece em casa seminua e
transtornada após uma incursão na floresta com a amiga. A vizinha retorna para
a floresta e nunca mais é vista. Marco do terror gótico, O grande deus Pã
é um mergulho no mundo sobrenatural e nos pavores da sociedade vitoriana. Numa
trama de paganismo, sexo e morte, Machen extrapolou os códigos sociais de sua
época e revelou um tipo de horror que influenciaria uma geração de autores. Com
tradução e apresentação de Guilherme da Silva Braga, O grande deus Pã segue tão
assombroso hoje quanto no seu lançamento original. Com tradução de Guilherme da
Silva, o livro é publicado pela editora Todavia.
REEDIÇÕES
Nova edição de um conjunto de textos essencial à leitura da obra de Dante.
Dante Alighieri foi objeto de
várias biografias ao longo das décadas seguintes à sua morte. Eduardo Henrik
Aubert reúne e traduz pela primeira vez em português alguns desses testemunhos
dos séculos XIV-XV sobre Dante. O contato direto com esses relatos permite ao
leitor situar, cruzar e comparar informações que em muitas biografias modernas
do poeta nem sempre foram bem aproveitadas. Entendendo que a obra de Dante
Alighieri (1265-1321) está intimamente articulada às condições concretas da
vida do autor, este livro propõe a tradução anotada de todas as biografias de
Dante escritas até a década de 1430. A leitura desses textos mostra que a vida
de Dante e as vidas de Dante — suas biografias — não pertencem a planos
autônomos da realidade, mas se imbricam como atos e processos responsáveis pela
estruturação do mundo social. Assim, Vidas de Dante instiga o leitor a
correlacionar história literária, biografia histórica e história social. O
livro sai pela Ateliê Editorial. Você pode comprar o livro aqui.
Nova edição da história do
boneco mais famoso do mundo nos Clássicos Zahar, em nova tradução que retoma o
tom e a graça do original de Carlo Collodi.
Publicadas originalmente de forma
seriada num jornal italiano, as aventuras do boneco de madeira que deseja ser
um menino se tornaram uma das histórias mais conhecidas da literatura
universal. Espécie de fábula moral sobre aprendizagem, amizade, crescimento e
valores éticos, As aventuras de Pinóquio traz dilemas que falam a todos
nós, crianças, jovens ou adultos — uma história cativante não apenas para o
público infantil, mas para todos os leitores. Traduzida para mais de 240 países
e 260 línguas, adaptada e recontada no cinema, no teatro e em milhares de versões,
a narrativa por vezes acabou perdendo muito de sua riqueza original. Agora, a
coleção Clássicos Zahar traz o texto integral de Carlo Collodi em tradução de
Sérgio Molina que recupera o sabor da prosa divertida e sofisticada do autor
italiano e faz jus às peripécias de Pinóquio em sua busca por tornar-se
bondoso, bravo e honesto — um menino de verdade. Você pode comprar o livro aqui.
Do premiado autor Dias Gomes, As primícias é uma metáfora das relações de poder. Narrativa sobre
a revolta de um jovem casal contra o privilégio sexual do proprietário de
terras. Peça de significado amplo e universal.
Sempre atento à realidade
brasileira, Dias Gomes desfrutou de elementos deste panorama para inspirar suas
peças. Em sua obra teatral reside o empenho contumaz por valores
político-sociais, pela preocupação com a realidade local e ao mesmo tempo
universal, pela criação de personagens morais e éticos que defendem valores
humanos. Mas foi em um costume europeu, da Idade Média, que Dias Gomes foi
buscar inspiração para As primícias. Escrita em 1977, a história se
passa em uma grande propriedade rural, em uma época indeterminada, na qual um
jovem casal de noivos camponeses só consegue pensar em uma coisa: a noite de
núpcias. Mas, em vez de ansiarem pela grande felicidade que vão desfrutar,
estão preocupados com quem estará lá no derradeiro momento. Pois pertence ao
todo-poderoso amo e senhor o tão temido jus primae noctis, o direito do
proprietário de terras à virgindade das noivas camponesas. O marido só tem
direito a se relacionar com a mulher na segunda noite. Contrários a esta
tradição, Lua e Mara decidem não aceitar a humilhação e se rebelam contra o
costume. Tramam um plano para enganar o proprietário e têm como cúmplice o
vigário. O casal vai enfrentar todas as ameaças e os julgamentos impostos, mas
as primícias da sensualidade juvenil de Mara serão de Lua. Um grito de
liberdade que é iluminado com o poder do amor, em uma noite de revolta e
libertação. Uma sátira poética ao poder absoluto que começava a desmoronar na
época de sua produção, As primícias tem sexo e poder como bases desta
alegoria sobre o direito do homem à liberdade. Ou, como Dias Gomes a
classificou, alegoria político-sexual em 7 quadros. O livro é publicado pela
Bertrand Brasil. Você pode comprar o livro aqui.
A quase totalidade dos textos
de crítica literária de Sérgio Buarque de Holanda publicados em jornais e
revistas. Valioso registro das reflexões imediatas de um intelectual que é
referência nacional em nova edição.
“O que diferencia um zoilo comum
de um crítico justo é essencialmente o poder de distinguir bem.” A afirmação de
Sérgio Buarque de Holanda aplica-se com perfeição a esta reunião de artigos que
eram inéditos em livro e que revelará para as novas gerações um dos maiores
críticos literários que o país já teve. Como uma antena atenta e criteriosa que
acompanha o desenvolvimento das letras no país entre as décadas de 20 e 50, o
grande historiador vai da crítica pontual às reflexões estéticas mais amplas,
distinguindo a cada momento o surgimento de novos valores, criticando com
finura o lado neo-rococó da chamada geração de 45 ou detectando a influência
crescente das faculdades de filosofia na construção de uma crítica menos
personalista e mais bem fundamentada, da qual é ele mesmo um representante
exemplar. Organizado por Antonio Arnoni Prado, o primeiro volume de O
espírito e a letra. Estudos de crítica literária I (1920-1947), de Sérgio
Buarque de Holanda, ganha reedição pela Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
OBITUÁRIO
Morreu Sylvia Molloy
A escritora nasceu a 19 de agosto
de 1938, em Buenos Aires. Mudou-se para Paris aos vinte anos de idade, onde
concluiu Doutorado em Literatura Comparada na Sorbonne. Mais tarde, vai morar
em Nova York nos Estados Unidos, onde passou o resto da vida desenvolvendo suas
atividades, incluindo as de professora nas universidades de Yale e Princeton;
na New York University foi fundadora do mestrado em escrita criativa em língua
espanhola. Molloy foi uma das pioneiras a tratar a cultura LGTBQIA+ em seus
trabalhos literários e a estudar autobiografia como gênero: At Face Value:
Autobiographical Writing in Spanish America (1991). Sua atividade acadêmica
inclui ainda estudos sobre a obra de Jorge Luis Borges reunidos em Las
letras de Borges (1979). Entre os romances que escreveu estão En breve
cárcel (1981), El común olvido (2002) Varia imaginación
(2003), Desarticulaciones (2010); Viver entre línguas, seu mais
recente trabalho no gênero ganhou tradução e edição no Brasil pela Relicário
Edições.
DICAS DE LEITURA
Na aquisição de qualquer um dos
livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a
manter o Letras.
1. Tolstói & Tolstaia. O
livro que deve figurar entre as principais traduções de 2022 no Brasil saiu pela
editora Carambaia e é mais uma peça na já extensa contribuição de Irineu Franco
Perpetuo para a presença da literatura russa neste país. Trata-se de uma antologia que reúne textos
do casal Liev Tolstói e Sófia Tolstaia. O muito conhecido Sonata Kreutzer,
do primeiro, e um trabalho que dialoga com esta novela, De quem é a culpa?;
dela ainda encontramos Canção sem palavras, uma obra que só foi
publicada em 2010. Você pode comprar o livro aqui.
2. Viver entre línguas, de Sylvia
Molloy. A reconhecida escritora argentina que morreu esta semana tem apenas um
livro traduzido no Brasil, conforme dissemos acima na nota obituária. Aparecido
aqui no Letras numa lista do espanhol Babelia que traduzimos em
2019, esta obra é uma amostra do trabalho inovador de Molloy com a literatura à
esteira do que outras escritoras como a canadense Anne Carson têm realizado. Aqui,
uma mulher reconta as memórias e passagens de sua vida enquanto reflete sobre
língua, linguagem e plurilinguismo; são relatos atravessados com a presença de
leituras diversas. O livro está publicado pela Relicário Edições. Você pode comprar o livro aqui.
3. Cartas a um jovem poeta,
de Rainer Maria Rilke. A obra do poeta sempre teve um lugar cativo entre os
leitores brasileiros; alguns dos seus principais títulos, incluindo este na recomendada
tradução de Paulo Rónai, saíram pela Biblioteca Azul e pela Companhia das Letras
encontramos uma boa antologia da sua poesia organizada e traduzida por José
Paulo Paes. Mas agora saiu uma nova tradução das Cartas que inclui pela
primeira vez em nossa língua as missivas de Franz Xaver Kappus, o jovem poeta com
quem Rilke se corresponde no conjunto de correspondências que formam seu famoso livro. A
edição tem tradução direta do alemão por Claudia Dornbush e reúne um conjunto
de textos de apoio: um de Freud e outro do próprio Kappus aquando as cartas
foram publicadas, um da tradutora e outro do professor Erich Unglaub. Você pode comprar o livro aqui.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. Um soneto perdido de Luís de
Camões. O anúncio foi dado pela Agência Lusa. “Cristo Atado à Coluna”, um poema
manuscrito datado de 1666 e editado no século XVIII [sic] por Manuel de Faria é
de Camões. O autor da descoberta, o também poeta Nuno Júdice registra que
apesar da edição implicar um trabalho para os especialistas, a autoria não lhe
suscita dúvidas. O arquivo foi encontrado na Biblioteca Digital Hispânica entre
vários outros textos de poetas barrocos. Manuel de Faria foi o primeiro editor
de Camões ainda no século XVII. O poema que editou, diz Júdice “desenvolve uma
ideia nada ortodoxa”: o poeta de Os Lusíadas argumenta pela ideia do “cárcere
por amor” que o amor liberta; neste soneto, Camões afirma que “Cristo é
torturado e chicoteado, mas liberta-se pelo amor à humanidade”, emenda o autor da
descoberta.
2. O ineditismo atribuído pelo noticiário
logo foi desconstruído. Veja o texto do professor Pere Ferré. Ele registra que mesmo
os trabalhos mais recentes em torno da obra poética de Camões, como de Cleonice
Berardinelli (Sonetos de Camões), já dispunham do poema; o que se passa
é uma discussão entre os camonistas sobre considerar os versos agora redescobertos
como sendo ou não do poeta. Você pode ler o soneto no final deste boletim.
BAÚ DE LETRAS
1. Em 2015 quando os textos de Sófia
Tolstaia chegaram aos leitores de língua inglesa, o Letras publicou esta matéria sobre a dedicação dela para com o companheiro e sobre suas tentativas
na literatura agora conhecidas também entre nós.
DUAS PALAVRINHAS
Se misericórdia e amor voz atara,
A corda per si só se desfizera;
E, se isto deste modo acontecera,
Quem da prisão eterna me livrara?
Se amor, com voz prender, não me
soltara,
Em cárcere infernal sempre
estivera;
E, se do Ceo esse amor vos não
decera,
Quem do Inferno ao Ceo me
levantara?
Por demais foram gemidos nem
oferta,
Se amor vos não tivera tão atado,
E cuidam cegos que a corda vos
aperta.
E vós de amor estais tão apertado,
Que só ele se acende e se desperta
Mais que algoz contra vós, por meu
pecado.*
* Em Sonetos de Camões: corpus dos
sonetos camonianos — Edição e notas de Cleonice Berardinelli. Braga:
Barbosa & Xavier Limitada Editores, 1980.
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