Boletim Letras 360º #487
DO EDITOR
1. Caro leitor, o sorteio de um
exemplar da edição especial de Ensaio sobre a cegueira acontecerá no dia
31 de julho. Você pode ajudar ao Letras e concorrer ao livro sorteado —
saiba tudo por aqui.
2. No mesmo endereço encontrará
outras maneiras de colaborar para que o blog consiga custear suas despesas com domínio
e hospedagem online. Sua ajuda é sempre bem-vinda e essencial!
3. Relembro que na aquisição de
qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você ganha desconto
e ainda ajuda ao Letras sem pagar nada mais por isso.
4. Desejo um excelente fim de
semana e agradeço o apoio, a companhia neste projeto!
Frantz Fanon. |
LANÇAMENTOS
Uma visita à biografia e às ideias
de Frantz Fanon.
Frantz Fanon? Não, ele não era
argelino. Também não era filósofo ou sociólogo — apesar de ter pensado a
situação do negro em um mundo branco como poucos — ou líder revolucionário —
embora tenha participado ativamente de uma das mais importantes e violentas
guerras de libertação, a da Argélia. Os equívocos sobre a vida se estendem à
sua obra, muito influente nos campos dos estudos pós-coloniais, mas nem sempre
devidamente compreendida ou mesmo aceita (no caso de seus estudos sobre “culturas
originais”), isso quando não é simplesmente dada como “datada”. Sim, a obra
desse psiquiatra revolucionário tem “data”, tem contexto, tem história, como a
de qualquer autor, mas também, como a de bem poucos, transcende em muito sua
época, pois seu pensamento é calcado na ação, na experiência, é pensamento à
flor da pele, que ainda hoje alimenta o debate sobre o futuro de ex-colônias e
(ex-?)colonizadores. Ninguém melhor que Alice Cherki para nos apresentar o
homem e sua vida, pois biografa e biografado não apenas trabalharam juntos, mas
compartilharam a mesma exclusão (por motivos diferentes), a mesma formação, os
mesmos sonhos e as mesmas decepções, daí este Frantz Fanon: Um Retrato
ser tanto uma narrativa de cunho biográfico, um comentário sobre as origens de
suas ideias e sobre sua atuação como psiquiatra na Argélia e na Tunísia e um
testemunho de sua luta. A tradução de Rainer Patriota é publicada pela editora
Perspectiva. Você pode comprar o livro aqui.
Um novo livro em português do mesmo autor de O Diabo Mesquinho.
Esconde-esconde & Lembra, não vai esquecer? traz dois contos que desvelam o olhar singular deste expoente do simbolismo russo. Além de lidar com questões como memória, tempo, loucura e contrastes sociais, os textos selecionados denotam o grande embate filosófico de Fiódor Sologub (1863–1927): a realidade mundana, imersa em sombras, destoa do mundo vivo, espontâneo, lúdico e etéreo, normalmente encarnado nas crianças, que como que transcendem da existência terrena. Como escreveu Andrei Biély, Sologub — com um estilo que reúne contrários, “simplicidade e refinamento”, “frio e fogo”, “delicadeza e aspereza” — “declama a morte com a ternura de uma prece”. Diante do desfazimento da vida, da não existência, ele é capaz de “ouvir o silêncio”. Com tradução de Moissei Mountian e edição bilíngue, o livro integra a Coleção Mir, editada pela Kalinka. Você pode comprar o livro aqui.
A tradutora diante do ofício.
Nunca tive a menor dúvida de que o
traduzir é uma atividade infindável, desde o início dos tempos humanos, e de
que toda, toda, toda tradução sempre tem um elemento de acaso, uma margem de
arbitrariedade que nenhum praticante do ofício deixaria de reconhecer.
Traduzimos, e isso sempre pensando, refletindo, escolhendo, desistindo,
decidindo outra coisa e que, afinal, poderia ainda ser uma terceira, uma
quarta, uma centésima coisa diferente. Isso, cada um de nós, individualmente,
faz, e em cada texto. Imagine-se então a quantidade de obras ao longo dos
milênios, a quantidade de gente traduzindo ao longo dos milênios ― e nunca se
chegando, nunca podendo nem pretendendo (e, na consciência desse drama, muitas
vezes nem querendo) se chegar a nada definitivo. Vertiginoso. É preciso
coragem, habilidade, conhecimento para refletir sobre essas fossas profundas da
precariedade e da transitoriedade do traduzir. E quando falo “conhecimento”,
refiro-me a conhecimento de causa, conhecimento prático, experiência concreta.
Pois afinal, como dizem, “falar é fácil, fazer é que são elas”. E é o que
encontramos em Metáforas da tradução, em doses generosas: coragem,
habilidade, conhecimento. Aqui lembro outra metáfora: o crochê ― “eu me
sentia... desmanchando o crochê de certos escritores, descobrindo os pontos, os
truques prediletos deles”, dizia Rachel de Queiroz. E essa imagem pode se
aplicar não só a traduções, como também às reflexões sobre essa prática tão
multifacetada. Metáforas da tradução é um elaboradíssimo crochê ― tecido,
destecido e retecido com maestria. Se em algumas passagens as reflexões de
Dirce Waltrick do Amarante até intensificam perigosamente a sensação de
vertigem, elas resgatam em grande estilo a delícia da aventura, a alegria do
fazer e o mérito intrínseco do ofício de traduzir. (Denise Bottmann) O livro é
publicado pela editora Iluminuras. Você pode comprar o livro aqui.
Mais outra pecinha no extenso
trabalho ficcional de César Aira ganha edição em português.
A confissão (2009) tem
como protagonista o Conde Vladimir Hilario Orlov, especialista em “falar,
contar, inventar” e “virtuoso da amnésia”. Com ele o leitor senta num sofá
durante festejo familiar cheio de crianças e parentes de todos graus, num certo
bairro de Buenos Aires. Um menino faz o relato disparar a toda ao se apossar
das lentes de cristal de um velho projetor, cobiçadas pelo Conde. Este é um
descendente de europeus do leste na Argentina profunda de peronistas e
antiperonistas, fratura exposta na narrativa. Orlov, um intelectual “curtido no
sindicalismo combativo e na imprensa trabalhista” mas com tendências
aristocráticas, é também “um farsante inveterado” que nunca trabalhou e
pretende ainda uma vez garantir a sobrevivência (leitmotiv recorrente em Aira)
recuperando o pequeno tesouro com seu “brilho tóxico”. O que vem a seguir — um
jorro de sangue do palato, a demora do médico no casamento da paralítica, as
balas Átomo de Orlov-Moldava, as balas Gol Atômico, a fúria do velho Moldava
com a concorrência, os cabecitas negras, Elena Moldava de Parque Patricios, a
marcha dos Metalúrgicos, o duelo de relatos, a pobreza, o nenê fumante, o Amo
do Jogo (da guerra), a potência de iluminação das imagens… —, o que segue não é
(nunca é) passível de resumo na prosa de César Aira. A tradução de Ieda Magri,
Hugo de Almeida, Juliana Ribeiro e Mariana Teixeira sai pela Papéis Selvagens,
na Coleção Archimboldi. Você pode comprar o livro aqui.
O retorno de Luís Francisco
Carvalho Filho à literatura duas décadas depois.
Newton e ponto final. Sem passado,
sobrenome, filiação, idade, documentos. Conhecemos apenas aquilo que ele
revela: é escritor, tem um blog no qual divulga opiniões às vezes esdrúxulas,
dois filhos e uma companheira, L., que se encarrega de movimentar as
engrenagens burocráticas. Basta ser brasileiro e ter ido a uma repartição
pública qualquer para imaginar as dificuldades e a estranheza decorrentes do
anonimato radical que o personagem-título adota. O imbróglio jurídico
aparentemente insolúvel desta novela, construída sem narrador, a partir de
diálogos e alguns instantes, é capaz de causar espanto, riso, reflexão. Nesta
crônica kafkiana em que o cômico resvala em absurdo, e o absurdo se encarrega
do desconforto trágico, Luís Francisco Carvalho Filho retoma vinte anos depois
a atmosfera de seu livro de contos Nada mais foi dito nem perguntado
(Editora 34, 2001). Os processos se sobrepõem à realidade. Não existe Justiça. Newton
é publicado pela editora Fósforo. Você pode comprar o livro aqui.
Romance vencedor do Man Booker
Prize 2021 ganha edição no Brasil.
Em uma fazenda em Pretoria, na
África do Sul, no fim dos 1980, Rachel Swart, em seu leito de morte, pede ao
marido que prometa que vai transferir para a empregada Salome a propriedade da
casa em que mora. A filha mais nova, Amor, é testemunha de que seu pai garantiu
à esposa que cumpriria a promessa. Pretoria, 1995. Nelson Mandela é presidente
do país, e a família Swart está reunida mais uma vez, agora para o enterro do
patriarca. Amor e seus irmãos são praticamente desconhecidos um para o outro.
Assombrados por uma promessa não cumprida, eles acabaram se distanciando após a
morte da mãe. À deriva, a vida dos três transcorre pelos caminhos da África do
Sul. Anton é um rapaz brilhante, mas se ressente de tudo o que poderia ter
conquistado; Astrid tem na beleza seu maior poder; a caçula Amor carrega a
culpa por seus familiares não terem honrado com a palavra que a mãe deu a
Salome. A promessa, livro de Damon Galgut, chega ao Brasil pela editora
Record com tradução de Caetano W. Galindo. Você pode comprar o livro aqui.
Do autor best-seller internacional
de A força e A fronteira, conheça o primeiro livro da nova trilogia
de Don Winslow, uma ficção policial emocionante inspirada no poema épico grego Ilíada.
A Nova Inglaterra é controlada por
dois impérios do crime que, até então, conseguiam viver em harmonia. Porém,
essa paz é abalada quando uma versão moderna de Helena de Troia se torna o
gatilho para uma guerra devastadora entre as facções irlandesa e italiana.
Danny Ryan, um trabalhador que sonha com uma vida nova e distante daquele
cenário instável de máfias rivais, se torna o responsável por restaurar a
situação e busca apenas uma coisa: proteger aqueles que ama. Para isso, Danny
precisará se transformar em um verdadeiro líder; um estrategista ambicioso,
impiedoso e o mestre do jogo traiçoeiro no qual apenas os vencedores sobrevivem.
Das ruas sombrias de Providence às telas brilhantes de Hollywood e aos cassinos
de Las Vegas, duas famílias rivais dão início a uma guerra que colocará a vida
de todos em perigo, e aqueles que sobreviverem poderão firmar uma dinastia.
Explorando temas clássicos como lealdade, traição, honra e corrupção nos dois
lados da lei, Cidade em chamas é uma obra-prima contemporânea. A
tradução de Marina Della Valle é publicada pela HarperCollins. Você pode comprar o livro aqui.
Dois livros de estreia da
Editora Paris de Histórias.
1. A cor do amanhecer, da
escritora haitiana Yanick Lahens. Angélique levanta-se primeiro todas as
manhãs, na casinha nos arredores de Porto Príncipe que divide com a mãe, a irmã
Joyeuse e o irmão mais novo Fignolé. Numa madrugada cinzenta de fevereiro, a
preocupação o domina: Fignolé não voltou e durante toda a noite os tiros não pararam
de ressoar ao longe. Yanick Lahens, ao retratar com notável economia de meios o
destino de uma família comum, constrói a alegoria de um país onde a
monstruosidade gostaria de ser lei. Mas seu livro é pungente porque em cada
página a revolta ensurdece e explode a vontade de viver. A tradução é de Sônia
Gabilly.
2. A casa dos coelhos, de
Laura Alcoba. Na Argentina dos anos 1970, uma menina é arrastada para a
vida clandestina pela mãe, militante dos Montoneros, grupo de resistência à
ditadura. Elas vivem escondidas, se afastam da vida que conheciam, e são
obrigadas a conviver com outros militantes, entre segredos e o medo constante.
Delicado e preciso, este é um romance arrebatador, impossível de ser deixado de
lado até a última página.
DICAS DE LEITURA
Na aquisição de qualquer um dos
livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a
manter o Letras.
1. Planícies, de Federico
Falco. A obra desse escritor argentino apesar de ser novidade entre os leitores
brasileiros é já consolidada, com incursões por diversas formas
literárias. Neste romance, aborda a dor da separação e a passagem do tempo na
planície. Acompanhamos um homem que, depois de colocar um fim na vida conjunta
com o namorado, procura no isolamento passar em revista suas memórias,
incluindo as da separação; desse convívio, o que a narrativa testemunha é uma revisitação
ao tema do recomeço. A tradução é de Sérgio Karam e o livro integra um selo do
Grupo Autêntica dedicado a autores contemporâneos latino-americanos, o
Contemporânea. Você pode comprar o livro aqui.
2. O diabo no corpo, de Raymond
Radiguet. O primeiro e único livro de um escritor que deixou sua marca precoce
na literatura francesa da primeira metade do século XX. De feições autobiográficas,
o romance trata do enlace amoroso entre um adolescente e a jovem companheira de
um soldado que saíra para lutar nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial. A
tradução de Paulo César de Souza está traduzida no Brasil e publicada na linha
Grande Amores do selo Penguin/ Companhia das Letras. Você pode comprar o livro aqui.
3. Michael Kohlhaas, de Heinrich von Kleist. O
protagonista deste romance é um comerciante de cavalos do século XVI. A vida
pacata e próspera é afetada por um desses acontecimentos possíveis mas que
irrompe como um acaso de má-sorte. O episódio é a posse indevida do Barão
Wenzel von Tronka de dois dos cavalos de Kohlhaas, o que, o obriga buscar na
justiça seus direitos. É quando a personagem se percebe submetida a um Estado burocrático
e corrupto. A tradução de Marcelo Backes está publicada pela editora
Civilização Brasileira. Você pode comprar o livro aqui.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
O tempo é um sopro. Neste 10 de
julho de 2022, passam-se cinco anos sobre a morte de Elvira Vigna. Sublinhamos
a data com a recomendação de dois vídeos com a escritora brasileira:
1. Este primeiro é o registro de
uma longa conversa com Elvira Vigna em 20 de agosto de 2016 na Biblioteca de São
Paulo no âmbito do projeto Segundas Intenções. Ela discorre sobre sua vivência
com a literatura, a criação, os temas do seu interesse, entre outras questões.
2. Neste segundo, a escritora lê
uma passagem de um dos seus romances mais conhecidos e um dos seus trabalhos
publicado ainda em vida, Como se estivéssemos em palimpsesto de putas,
para o canal da Companhia das Letras.
BAÚ DE LETRAS
Neste mês de julho passam-se os
130 anos do nascimento de Bruno Schulz. Destacamos três publicações sobre a
obra e o trabalho do escritor.
1. Em duas delas, materiais sobre
a biografia de Schulz — “Bruno Schulz”, entrada de junho de 2012, e “Bruno Schulz: a felicidade de um mundo impreciso”, de agosto de 2017.
2. Também em 2012, editamos esta matéria sobre os desenhos de Bruno Schulz numa sequência de posts chamada “A
arte de ilustrar”.
DUAS PALAVRINHAS
Sentimos muito bem que nossa
sabedoria começa onde a do autor termina, e gostaríamos que ele nos desse
respostas, quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos desejos.
— Marcel Proust, em Sobre a
leitura
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