Pearl S. Buck
Pearl S. Buck (1882-1973) se
tornou a quarta mulher a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1938; três
anos antes foi galardoada com o Pulitzer com o romance A boa terra e
isso veio quase junto com a adaptação da obra para cinema. Três acontecimentos
que a converteram numa das romancistas mais lidas no mundo num curto espaço de
tempo. A rápida subida, entretanto, não a manteve no patamar alcançado; nos
dias que correm está entre as famosas escritoras que praticamente caíram no
esquecimento ou esperam outra vez sua retirada do limbo.
O romance que deu projeção a Pearl
S. Buck é um retrato épico sobre a vida rural na China, sendo este uma das
primeiras incursões da literatura ocidental a olhar e narrar Oriente sem todo
seu exotismo que até então era dominante, isto é, falamos sobre uma ficção que
deixa transparecer muito claramente o ponto de vista exterior, o de uma mulher que
praticamente assume certa postura dos mais avançados modelos antropológicos, a
de integrada pela vivência a cultura estrangeira.
Mas Pearl S. Buck não foi uma estrangeira total ou alheada na terra que descreveu, ainda que esta terra mais tarde a renegue. Nascida nos Estados Unidos, passou
a maior parte de sua vida na China, país para onde seus pais, missionários presbiterianos
se mudam para conduzir o trabalho de evangelização cristã e exercer alguns cuidados
de caridade entre os mais necessitados. Esse convívio favoreceu que sempre
estivesse em contato com o pior da condição humana e em travessia por circunstâncias
radicalmente díspares entre a maioria dos estrangeiros brancos que, em meio a
tanta miséria, mantinham uma forma de vida confortável e mesmo luxuosa.
Certa feita, ela própria registra
uma ocasião que demonstra bem a diferença social neste meio; sem dinheiro,
precisou viajar com a família em um barco pelo Yagntsé sob o convés e se aglomerar
com os passageiros pobres que os olhavam surpresos, visto que o costume era a
gente branca viajar na área superior da embarcação, confortável e cara.
Outro elemento marcante, além dessas divisões, se deve ao seu lugar na família. Na biografia que dedica a Pearl S. Buck, Buryng the Bones, Hilary Spurling chama atenção para isso. Os quatro irmãos mais velhos morreram de cólera e malária e isso constituiu um custo psíquico bastante elevado para a menina que desde cedo se tornou o único conforto para uma mãe continuamente enlutada. O pai, por sua vez, sempre foi um ausente. Obcecado pelo projeto religioso, chegou a gastar quase todas as economias para publicar uma versão em folhetim da Bíblia em mandarim.
As disparidades sociais e culturais, bem como os muitos impasses familiares, logo se vê, cedo formou uma consciência para a complexidade das relações, dos impasses de classe, além dos tratamentos étnico-sociais, algo que seria matéria para sua literatura.
As disparidades sociais e culturais, bem como os muitos impasses familiares, logo se vê, cedo formou uma consciência para a complexidade das relações, dos impasses de classe, além dos tratamentos étnico-sociais, algo que seria matéria para sua literatura.
Em 1910, chegou entrar na Universidade
da Virginia, mas sem conseguir se adequar ao ambiente, largou o curso. Sete anos mais tarde envolve-se
com o missionário John Lossing Buck, de quem herda o principal sobrenome e regressa
ao mais profundo da China. É também a partir dessa data que começa a se dedicar
à literatura e estabelece uma série de viagens entre o seu país natal e o país
de morada, vivenciando em dupla cultura os processos históricos em curso, fosse
a expansão do capitalismo e suas primeiras crises, fosse a transição da China para
o comunismo e a chegada ao poder de Mao Tse-Tung.
A dedicação à escrita levará a
formação da escritora que nessa altura publica o primeiro romance — Vento
leste, vento oeste. O livro sai nos Estados Unidos graças aos esforços do
editor John Day em 1930. E é já um ano depois que os leitores conhecem o seu
mais famoso trabalho, um vivo retrato da China de sua juventude, isto é, o país
antes da Guerra Civil de 1927. A narrativa de A boa terra acompanha a
história de Wang Lung, um homem correto que cai em desgraça mas faz o possível
para conseguir manter suas crenças e tradições.
Mesmo com todo o sucesso que se
prolonga a partir de A boa terra, Pearl S. Buck continua a escrever; em
1932, publica Sons — que valeu no Brasil um título em gesto de
continuidade do romance anterior, Os filhos de Wang Lung; em 1935, Casa
dividida. Esses outros livros também ajudaram manter o reconhecimento
alcançado em 1931.
A vida de S. Buck, entretanto, não
foi sempre fácil. Em 1920, por exemplo, nasce a primeira filha, Carol, uma
criança tomada por uma enfermidade que os médicos jamais conseguiram sequer diagnosticar;
os cuidados, as angústias, tristezas e a luta para oferecer a melhor vida
possível à menina serviram para escrever A criança que nunca cresceu. A
necessidade de se dedicar exclusivamente a Carol e de se proteger do belicismo
chinês levaram-na a se mudar definitivamente para os Estados Unidos.
O retorno ao país acontece em 1934
e no ano seguinte divorcia-se de John para se casar, no mesmo dia, com o editor
Richard J. Walsh. A reviravolta na vida de Pearl S. Buck não findou aqui; antes
do divórcio, também larga a Congregação da Igreja Presbiteriana depois de denunciar
publicamente a inutilidade e o trabalho frustrante de evangelização no Oriente.
Todas essas atitudes, apesar de muito sinceras, trarão consequências no futuro
não tão distante desse tempo.
Nos anos cinquenta, seu passado servirá
para alimentar certas reticências que alguns setores da sociedade estadunidense
sobre sua figura; em pleno macarthismo, S. Buck será vigiada e entrará para o
rol dos artistas e intelectuais comunistas. O curioso é que, na mesma ocasião,
a China a qualificava como difusora do imperialismo enquanto censurava e
remetia sua obra para o esquecimento. Os argumentos para tanto tomam partes de
um mesmo livro como The Chinese Children Next Door (1942), que retratava
setores carentes da China e neles a misoginia e o infanticídio.
Quer dizer, a ida da escritora
para os Estados Unidos acentua a condição de mulher estrangeira em toda parte,
uma quase expatriada, posição que terá contribuído para que se dedicasse ao
trabalho de ativista pelos direitos das mulheres, dos desfavorecidos, dentro e
fora dos seus livros. Soma-se a isso a difícil vida que começa ao se deixar encasular numa parceria criativa com Walsh. O marido deixou o emprego para servir de industrial de S. Buck; juntava os escritos um a um e os transformavam em livros. Não tardou e o lugar do dedicado editor foi substituído por Ted Harris, que se tornaria um pesadelo na família.
Harris chegou a tomar o lugar de presidente da Fundação que cuidava da obra e do nome da escritora e administrar todas as rotinas de S. Buck, sobretudo a financeira. Mais tarde se descobriu que desviava vultuosas quantias financeiras para favorecer amigos e no uso de despesas pessoais. Defendido pela escritora, antes da sua morte, os dividendos estrangeiros para seus bens pessoais ficaram todos com outra instituição cuidada por Harris, restando aos filhos pequena parcela de sua propriedade e estes só recuperam mais tarde os usos de direito.
Harris chegou a tomar o lugar de presidente da Fundação que cuidava da obra e do nome da escritora e administrar todas as rotinas de S. Buck, sobretudo a financeira. Mais tarde se descobriu que desviava vultuosas quantias financeiras para favorecer amigos e no uso de despesas pessoais. Defendido pela escritora, antes da sua morte, os dividendos estrangeiros para seus bens pessoais ficaram todos com outra instituição cuidada por Harris, restando aos filhos pequena parcela de sua propriedade e estes só recuperam mais tarde os usos de direito.
Se a vida financeira foi tumultuada, a obra literária sempre se desenvolveu foi farta: mais de uma centena de títulos entre prosa (conto, roteiro para o cinema, literatura
infantil, biografia, novela, romance), teatro e poesia. E muito desse trabalho,
atestando seu amplo reconhecimento foi traduzido entre nós: A grande
travessia, Um longo amor, A exilada, A promessa, Uma
ponte para passar, A aldeia ancestral, Pavilhão de mulheres, A
estirpe do dragão, Debaixo do céu, O patriota, A Sra.
Stoner e o mar etc. Em grande parte, jamais deixou de falar da cultura onde
mais conviveu, sem deixar de ser, talvez a primeira ponte cultural entre o seu
país e a China.
Um dos últimos textos, o romance The
Eternal Wonder (traduzido em Portugal como A eterna demanda) apareceu
depois de quando em 2012 foi encontrado seu manuscrito perdido. Ao que parece
roubado e passado de mão e mão, o material foi localizado no Texas num galpão que
teve a sorte de ser adquirido por um daqueles curiosos que costumam investigar
o eventual conteúdo no velho imóvel: constavam aí o manuscrito e a cópia datilografada
adquiridos pela família. A ocasião favoreceu algum retorno em torno da sua
literatura, merecendo algumas redescobertas como a biografia de Hilary Spurling,
aparecida no mesmo ano do reencontro com os papéis do Texas.
Mais que a estereotipia, o que
terá favorecido certa displicência para com sua obra são dois fatores: a
simplicidade dos seus trabalhos, sobretudo aqueles que se adquiriram certa
proximidade com o lastro cotidiano, produto — e eis o segundo fator — de sua
grafomania. Esta última favoreceu a certo descuido com que os livros foram
publicados. Em texto publicado em The New York Times se diz que S. Buck é admirada mas não é lida na China, enquanto nos Estados Unidos é lida mas não admirada; as duas visões que podem ser reavaliadas, disse Spurling, assim como muito do que escreveu, acrescentamos espera a oportunidade de outra vez, desse lado a América, reativar a valia da sua obra.
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