Ilusões perdidas, de Xavier Giannoli
Por Solange Peirão
Quando Lucien de Rubempré, o jovem
poeta provinciano e idealista, inicia seu trânsito por Paris, em busca de
emprego e reconhecimento, acaba entre editores, de livreiros a jornalistas. A
primeira confrontação mais direta foi com Étienne Lousteau, jovem como ele, de
quem ouve a indagação: “você sabe o que é o meu trabalho?” E o romântico Lucien
responde: “escrever sobre a Arte, a Beleza, o mundo…” A que o jornalista, sem
rodeios, responde, na lata: “meu trabalho é enriquecer o dono do jornal!”
Estava dado, assim, o núcleo desse
bonito filme de Xavier Giannoli que se inspira em Ilusões perdidas, uma
trilogia que compõe, por sua vez, A Comédia Humana, como é conhecido o
conjunto da obra de Honoré de Balzac.
E, em Paris, irá se cristalizar o
que já se prenunciava na distante Angoulême. Aqui Lucien trabalha na gráfica do
cunhado, escreve poesia e tem um affaire com Louise. Por meio dela, é
introduzido no mundo da nobreza, pouco letrada e arrogante, não disponível para
quem não é um dos seus pares. A saída: Paris. Lugar das novas possiblidades que
a Revolução Francesa abrira, com promessas de convívio democrático entre as
classes sociais que a sociedade burguesa vinha consolidando. Será?
Os contrastes, à chegada de
Lucien, são particularmente acirrados. Vive-se, em França, a Restauração que,
entre 1814 e 1830, após a queda de Napoleão Bonaparte, deu um novo fôlego à
nobreza, até o evento das chamadas Revoluções Liberais conduzidas pela
burguesia.
Em Paris, Lucien escapa da nobreza
e mergulha de cabeça no universo burguês, e constata que ele passa longe de sua
construção pessoal idealizada, cheia de boas intenções, de comportamentos
éticos, de oportunidades conquistadas pela competência. Cheio de Beleza, enfim,
como expressou na entrevista com o jovem Étienne.
É ali também que são desvendadas
as cruezas do mundo mercantil que tudo compra, que por dinheiro publica, por
dinheiro enaltece e massacra, por dinheiro produz a crítica dos contrários. A
sociedade que cria círculos fechados, nichos de privilegiados onde só circulam
especialistas, ou de editores incultos que publicam sem ter lido, ou de
formadores de opinião mercenários.
Nessa leitura do diretor Xavier
Giannoli houve exagero? Sim e não. Sim, se consideramos que, naquele contexto
da primeira metade do XIX, a burguesia exploradora e dominante, da produção e
comércio de bens ao segmento dos aparelhos culturais como a imprensa, ainda não
havia atingido tantos requintes. E não, se consideramos que o diretor só usou a
obra de Balzac como inspiração, para ir além, ou seja, poder pintar também o
cenário com as cores da realidade sua contemporânea.
O fato é que o filme encanta pela
qualidade dos diálogos, da ação ligeira, do movimento adornado por uma trilha
sonora de primeira (seleção disponibilizada na web), e com a presença de
um narrador, que nos faz pensar que talvez estivéssemos a ler Balzac. Claro que
há uma coleção de atores primorosos, mas destaco aqui a participação
especialíssima de Vincent Lacoste como Étienne, e o calejado Gérard Depardieu
como Dauriat, o editor inculto. Há ressalvas? Sim. O roteiro ficaria melhor se
cortasse as repetições que expõem os embates éticos do mundo, ontem e hoje.
Resultaria, no mínimo, numa economia de uns trinta minutos, indo o filme para o
tempo regulamentar de duas horas.
Em tempo: Lucien de Rubempré
rechaça o sobrenome Chardon do pai e privilegia o da mãe, com origem na
nobreza, exposta pela inclusão do “de” ao sobrenome. Honoré de Balzac, tal qual
já fizera seu pai, adicionou também a preposição, quando passou a assinar suas
obras com seu próprio nome, mesmo sem ter qualquer ascendência nobiliárquica. E
justificou, certa vez: “a aristocracia e a autoridade de talento são mais
substanciais do que a aristocracia de nomes e de poderes materiais”. Mas nem
por isso escapou da tentação…
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