Giorgio Bassani. O jardineiro e o inferno

Por Manuel Hidalgo

Giorgio Bassani. Foto: Mario de Biasi.


 
Dominique Sanda ainda não tinha completado 20 anos quando, em 1970, fez O Conformista, com Bernardo Bertolucci, e O jardim dos Finzi-Contini, com Vittorio de Sica. Deslumbrante. Todos nós, sem exceção, nos apaixonamos por ela na mesma hora — mas sem outra atitude senão contemplá-la e sonhar com ela —, com seus olhos, seus lábios, sua luz, seus cabelos loiros, sua serenidade, paradoxalmente inquietante, porque incitava um mistério a resolver.
 
Fico, agora, com a Micòl de O jardim dos Finzi-Contini, com aqueles amores juvenis não consumados, com o imenso parque da suntuosa mansão de Ferrara, com as partidas de tênis, com os passeios de bicicleta, com a roupa branca… E com o gosto amargo daquela barbárie fascista que caiu sobre ela e sua família judia sob o golpe do fascismo.
 
Poucas vezes houve um acordo tão tácito sobre a dupla excelência de um romance e sua versão cinematográfica. Um ganhou o Viareggio, o maior prêmio literário da Itália, e o outro ganhou o Oscar. Na época, se era um cinéfilo e um leitor voraz ao mesmo tempo.
 
No entanto, Giorgio Bassani, autor do livro, embora reconhecendo o quanto o filme de De Sica contribuiu para sua fama e divulgação de sua obra, não ficou muito feliz com a adaptação —que eliminava a infância dos protagonistas e outras passagens —, embora tenha admitido que realmente gostava muito dos últimos minutos.
 
O romance O jardim dos Finzi-Contini é a terceira parte, publicada em 1962, do ciclo de seis obras de ecos proustianos — como seu autor reconheceu — conhecido como “O romance de Ferrara”, que Giorgio Bassani escreveu e publicou, independentemente — como pode ser lido, mesmo que algum personagem reapareça —, ao longo de mais de duas décadas e que, finalmente, fechou e harmonizou — dentro do possível, já que são diferentes —, após várias reescritas, em 1980. A edição de seis volumes principia com Cinco histórias de Ferrara (1956) e Bassani considerava a base e fundamento de sua narrativa, da mesma forma que dizia ser O jardim dos Finzi-Contini o ponto central: a história trágica, sempre marcada pela morte, da alta burguesia judaica da cidade de Ferrara sob a perseguição fascista — assassinatos, prisões, campos de extermínio —, particularmente após a promulgação por Mussolini das chamadas leis raciais de 1938.
 
Giorgio Bassani, nascido em 1916 em Bolonha, judeu, filho de médico em situação muito confortável, com dois irmãos, sofreu essa perseguição — imprevista — em sua própria carne, por isso o tom autobiográfico de sua obra, situada na Ferrara para onde a sua família se mudou muito cedo e onde cresceu e estudou antes de regressar a Bolonha para fazer a licenciatura em Letras. Essa Ferrara era uma bela cidade medieval, às margens do Pó, com cerca de 100.000 habitantes, repleta de palácios e igrejas muito notáveis, e uma longa tradição cultural de escritores e, sobretudo, excelentes pintores.
 
A inclemência agressiva do fascismo, em conluio com o nazismo — que é basicamente omitido nos textos de Bassani —, surpreendeu especialmente os judeus abastados, bem estabelecidos na cidade desde tempos idos, alguns precedentes do exílio sefardita.
 
Bassani passou à clandestina militância antifascista. Escapou por pouco de ser assassinado e da viagem mortal aos campos de concentração, mas ficou preso por muitos meses. Depois de uma breve estadia em Florença, fixou-se definitivamente em Roma com a vitória dos Aliados, e na capital italiana desenvolveu sua carreira como escritor — poeta, ensaísta e romancista —, simultaneamente com suas constantes colaborações na imprensa e em revistas literárias, à escrita de roteiros — e até mesmo trabalhando como ator — e várias outras atividades profissionais compatíveis com a escrita.
 
Foi editor literário de Feltrinelli, e a seu bom critério deve-se a publicação por aquela editora de O leopardo (1958), de Giuseppe Tommaso de Lampedusa, obra-prima vinda de uma longa jornada de rejeições por pelo menos duas outras importantes editoras.
 
Bassani foi um homem de vida discreta, muito focado no trabalho intelectual e literário, e em outras atividades relevantes, como a vice-presidência da RAI, a fundação e presidência da organização Italia Nostra — dedicada ao cuidado e divulgação do patrimônio cultural italiano — e às suas aulas de História do Teatro na Academia Nacional de Arte Dramática em Roma.
 
De certa forma, Giorgio Bassani, com sua escrita culta, refinada e limpa, que proporciona altos prazeres estéticos ao confrontar politicamente o presente e a história mais dramática de seu país, foi um verso solto entre seus colegas contemporâneos. Ele não foi um hermetista nem um neorrealista, exatamente, e sua prosa elegante foi contestada em sua época pelos jovens experimentalistas da linguagem do Grupo 63, que viam nele um escritor de costumes burgueses e tradicionais.
 
E agora pode ser a hora de relembrar o que foi, apesar do fascismo e do duro pós-guerra, uma verdadeira época de ouro da literatura italiana que, na ficção, é claro, está no auge da literatura francesa, sempre mais valorizada. Bassani pertence a uma geração que, 10 anos acima ou abaixo, fez os nomes e deu a conhecer obras de Alberto Moravia, Mario Soldati, Pier Paolo Pasolini, Tonino Guerra, Vasco Pratolini, Elio Vittorini, Elsa Morante, Cesare Pavese, Italo Calvino, Dino Buzzati, Ennio Flaiano, Leonardo Sciascia ou Vitaliano Brancati, uma geração plural e, aliás, muito ligada ao cinema. Todos adoravam filmes e adoravam literatura. Os escritores italianos da segunda metade do século XX devem ser mais reivindicados!
 
Giorgio Bassani morreu em 2000, no turbilhão de uma tremenda disputa — com dinheiro e obras de arte pelo meio — entre sua primeira esposa, Valeria Sinigallia, e seus dois filhos e sua última companheira de mais de duas décadas, a professora Portia Prebys, acusada por aqueles de ter negligenciado e sequestrado o escritor, que, legalmente, havia sido declarado incapaz, a pedido de sua primeira família, por sofrer de demência senil. * Este texto é a tradução livre de “Giorgio Bassani. El jardinero y el infierno”, publicado aqui, em El Mundo.

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