O silêncio lhe cai tão bem
Por Rafael Ruiz Pleguezuelos
Colagem. Frédérique Bertrand. |
Nestes tempos de literatura selfie,
em que autores de curta e longa carreira tentam estar presentes em todas as
fofocas digitais e esticar o pescoço ao máximo para serem vistos em cada foto,
em qualquer evento, a notícia que um novo autor como Joseph Andras recusa um
prêmio Goncourt e declara que valoriza sua independência o suficiente para se
afastar dos holofotes deve ser visto como um salto contra a maré ao alcance de
pouquíssimos. Neste momento, a polêmica sobre a manifestação desse jovem no
Goncourt é mais viva — que inveja da cultura na França, onde as pessoas parecem
realmente se importar com o assunto e chove rios de tinta sobre o acontecido!
—, com hipóteses que vão desde a inexistência de tal Andras, acompanhada da
suposição de que se trata do pseudônimo de um autor de carreira, até aquelas
que sugerem que poderia ser todo um grupo que resultou na magnífica obra
intitulada De nos frères blessés (Dos nossos irmãos feridos, em tradução portuguesa). Esse tipo de história nos fascina
porque sabemos que somos incapazes de fazer algo assim. Não poderíamos ter tudo
em nossas mãos (uma fama literária, leitores dedicados, um talento dessa
natureza) e nos recusarmos a vivê-lo, ou pelo menos vivê-lo dessa forma.
Mas o fato que mais me interessa, e que desencadeia este artigo, é a escolha
voluntária do escritor pelo silêncio e reclusão, algo que se tornou outra
tradição das letras.
Há reputações literárias forjadas
a partir do barulho e da onipresença, com escritores lutando para estar em
todos os lugares e oferecendo um fluxo constante de textos. Um exemplo nesse
sentido seria aquela insistente e irreprimível Amélie Nothomb, para quem as
páginas parecem fluir sem descanso, como se a escrita se tornasse uma espécie
de segundo fôlego para ela. Nothomb é apenas isso, quantidade. Mas também há
lendas literárias forjadas do silêncio. A condição óbvia para que esse silêncio
seja eficaz, tenha um significado em si mesmo e, sobretudo, uma consequência
duradoura, é que primeiramente exista mesmo um grande texto. Levando em conta
essas regras, a princesa das escritoras caladas seria Harper Lee, que estreou
em 1960 com um romance como O sol é para todos, avassalador, evocativo, universal,
eterno e depois calou-se para sempre. Cinquenta anos sem oferecer um texto e
recusando qualquer tipo de entrevista ou aparição pública com notas manuscritas
de uma doçura refinada, como se fossem mais uma página de seu único romance que
merece assim ser chamado.
O interesse fundamental dos
escritores que se retiram voluntariamente do mundo social é que, pela magia de
sua reclusão, o autor se torne uma ficção em si mesmo. A absoluta falta de
informação faz com que as mentes de seus admiradores trabalhem para
ficcionalizar o que lhes falta: por que se afasta de tudo, o que faz todas as
manhãs, o que o impede de produzir, por que se recusa a dar mais textos ao
mundo… Os escritores que desaparecem tornam-se personagens de ficção, e isso
para os autenticamente viciados na leitura é uma verdadeira droga, pois o
desejo mitomaníaco nunca deixa de completar as áreas obscuras do personagem.
Justamente por isso odiamos quando esse silêncio é quebrado, principalmente se
o que o interrompe não vale a pena. Para a memória de muitos leitores, Harper
Lee não morreu em fevereiro de 2016, mas um ano antes, no exato momento em que Vá,
coloque um vigia foi publicado, um texto destinado a fracassar não porque
fosse algum tipo de monstruosidade editorial — que era — mas para uma questão
mais profunda: rompia a ficção mais importante referente à escritora estadunidense,
a de seu silêncio. Vá, coloque um vigia é um livro perversamente
azarado não pelo que seu conteúdo pode ou não oferecer, mas porque quebrou a
ficção de Harper Lee, e com isso não me refiro a O sol é para todos, que
resiste apesar de tudo. Podemos sentir sua magia novamente apenas abrindo uma
de suas páginas. O que Vá, coloque um vigia interrompeu foi a construção
que todos nós leitores havíamos feito de uma velha e carrancuda Harper Lee que
continuava envelhecendo sozinha, agarrada a um único livro e preparada para
morrer com pouco mais de duzentas páginas nas costas.
Como gosto de classificações
simples — e, portanto, arriscadas —, direi que existem dois tipos de escritores
reclusos: por um lado, o autor dominado pela fama, cercado pelo sucesso ou
tonto pela vertigem da atualidade, que opta por um ostracismo voluntário. Por
outro lado, os escritores que se escondem de si mesmos e ao mesmo tempo do
resto do mundo, detidos pelo medo causado pela suspeita de que lhes será
impossível igualar ou mesmo aproximar-se do que já foi alcançado. Há uma
tradição de escritores paralisados por sua genialidade passada. Claro, este é a
posição em que ninguém quer estar e sem dúvida a mais discutível, já que muitos
seguidores deste ou daquele escritor se recusam a incluir seu ídolo no
leito da improdutividade, mesmo que pareça evidente que esse pode ser o seu
caso.
Emily Dickinson seria um feliz exemplo
do primeiro grupo: viveu em reclusão de forma mais ou menos intermitente
durante grande parte de sua vida, mas nunca deixou de aumentar sua produção com
uma poesia tão valiosa que se elevava diretamente entre os maiores na história
da literatura inglesa. Marcel Proust, trancado por muitos de seus últimos anos
em quartos acolchoados e com uma vida social tão escassa quanto um regime de
visitas à prisão, lapidava cada frase de seu Em busca do tempo perdido.
Para esses escritores, a vida fora de sua obra passou a ter muito menos
significado do que a contida em sua produção, de modo que podemos dizer que
eles fizeram da escrita sua vida literalmente. Embora seja verdade que ambos os
autores foram arrastados para a decisão de se isolarem por motivos vitais,
simplificando, podemos dizer que em algum momento sentiram a necessidade de
escolher entre a vida ou a arte, e preferiram esta última.
Totalmente contemporâneo, o mistério
Elena Ferrante não para de produzir bons romances, enquanto se especula se é um
homem, uma mulher ou uma aparição. Mas meu favorito dos escritores ocultos, no
entanto, é o simpático Thomas Pynchon. O estadunidense é um grande humorista do
silêncio pessoal, bem como um mestre do barulho público. Algumas de suas aparições
estelares, como estar em Os Simpsons sem estar em Os Simpsons ou
enviar um ator de vaudeville para receber o National Book Award, fazem dele o
escritor oculto mais inteligente de todos, porque ele pega o que há de bom no
ruído da mídia — a exponencialidade de nossa curiosidade e a curiosidade da
desinformação — ao mesmo tempo evitando a invasão de sua privacidade. Sua foto
de um recruta da marinha é um ícone de nossa cultura no auge de qualquer
Warhol.
No lado amargo da questão, estão
os silêncios improdutivos. Já falamos do confinamento estéril de Harper Lee,
mas também poderíamos lembrar o de J. D. Salinger, ou o de Juan Rulfo, embora
este nunca tenha afirmado que havia parado de escrever, e sempre falou desse
romance chamado de maneira muito apropriada, A cordilheira. Depois de
monumentos literários como O apanhador no campo de centeio ou Pedro
Páramo, ambos mergulharam numa espécie de tragédia prolongada e silenciosa.
Salinger não ofereceu nada depois de escolher viver em reclusão por sessenta
anos, deixando sua propriedade apenas o tempo suficiente para conseguir uma
nova esposa. Ele também nos deu uma imagem totêmica. A fotografia do escritor
ameaçando o cinegrafista no dia em que seu rancho pegou fogo tem uma espécie de
lirismo violento que é difícil de esquecer, como se tivesse se tornado uma
espécie de epílogo de O apanhador no campo de centeio.
É difícil julgar se uma decisão
como não escrever depois de ter produzido uma grande obra devido à vertigem
causada pela incapacidade de voltar ao topo pode ser tomada como um sinal de
honestidade máxima e uma demonstração de ter os pés no chão ou se, pelo
contrário, é uma tremenda covardia. Tampouco é fácil comentar se o outro tipo
de escritor decide melhor, aquele que depois de um começo brilhante luta de
maneira um tanto embaraçosa dependendo de qual livro tentar redescobrir o
brilho que seus textos já tiveram. Camilo José Cela dava a impressão de ter
lutado toda a vida contra A colmeia, oscilando entre a proximidade do
cume — o caso de Mazurca para dois mortos — e o abismo mais profundo, incluindo
um episódio de plágio escrachado. O sério Eduardo Mendoza — deixando de lado
azeitonas e penteadeiras femininas — também sabe quão fria pode ser a sombra do
essencial A verdade sobre o caso Savolta ou A cidade dos prodígios.
Uma das verdades universais da
indústria cultural é que o público sempre quer mais. Ele é fascinado pelo
silêncio dos artistas como entretenimento, mas simplesmente se recusa a
entender que um autor pode não ter mais a capacidade, a coragem ou o interesse
de continuar produzindo. Quando Philip Roth tornou público seu desejo de parar
de escrever, a rede se encheu de protestos de admiradores que chegaram muito
perto do insulto e da ameaça. Qualquer uma dessas pessoas entenderia que outro
profissional descansa depois de uma certa idade, mas seu Philip Roth não
tinha esse direito. Afinal, no universo da literatura, tudo é ficção. Por isso
comecei dizendo que o que realmente procuramos na biografia de um autor é uma
continuação ou fim da construção que criamos em torno dele, porque os leitores
entendem de maneira pouco consciente, mas não menos intensa, que sua obra nos
pertence. E seu silêncio também.
* Este texto é a tradução livre de “El
silencio os sienta tan bien”, publicado aqui, em Jot Down.
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