A poesia de T. S. Eliot

Por Emir Rodríguez Monegal


T. S. Eliot. Foto: Ida Kar.



Algumas determinantes
 
Nem os breves dados de sua biografia, nem a enumeração de seus estudos filosóficos, permitem antecipar — ainda que ligeiramente — essa obra poética que transformou profundamente a poesia inglesa na primeira metade do século XX. Também é necessário destacar as influências literárias. Uma das mais óbvias é a da poesia simbolista francesa. (Montgomery Belgion menciona como provável estímulo inicial a leitura do livro The Symbolist Movement in Literature, de Arthur Symons, 1899.) A descoberta de Baudelaire e Rimbaud, de Mallarmé e Verlaine, de Jules Laforgue e Tristan Corbière, anulou em Eliot a segunda influência dos pós-românticos ingleses e lhe permitiu modificar profundamente seu conjunto de valores. Por outro lado, Eliot havia nutrido sua sensibilidade e sua inteligência não apenas lendo os filósofos gregos, mas (também) pelo estudo minucioso dos dramaturgos elisabetanos e jacobinos — Kyd, Marlowe, Webster, Chapman, Shakespeare, Johnson, Middleton, Heywood, Cyril Tourneur, John Ford, Massinger —, com o escambo, cada vez maior, com a poesia de Dante; com o exame de reavaliação dos poetas metafísicos do século XVII: um John Donne, um Cleveland, um Cowley. Esses poetas constituíram, principalmente, seu fluxo literário. Eliot os havia confrontado como leitor, como crítico e como criador, em uma única atitude múltipla; neles apoiaria seu trabalho poético, sua elaboração crítica.
 
Mas também é preciso destacar a enorme influência exercida sobre Eliot pela intensa personalidade de Ezra Pound, poeta americano exilado na Europa desde 1907: um espírito profundamente inovador, um leitor inquieto de todas as literaturas (ocidentais e orientais), um teórico combativo de novas correntes (o imagismo e o vorticismo). Pound lançou Eliot em Londres. Sob o estímulo direto dessa “espantosa inteligência didática”, Eliot abandonou seus “becos lunares e noturnos finisseculares” e entrou em uma “região maciça de criação verbal”, para redizer as palavras de uma testemunha: Wyndham Luís. Alguns dos poemas mais importantes de Eliot (“Gerontion”, de 1920, por exemplo) revelam inequivocamente a marca de Pound. Seus destinos se separaram: enquanto Eliot estava no centro da poesia inglesa contemporânea e espalhava sua influência por todo o Ocidente, Ezra Pound se enclausurava em seu mundo poético, cada vez mais rarefeito e hermético, mais ressonante dos antigos ecos. Suas convicções políticas o levaram à exaltação de Mussolini, à adesão calorosa ao fascismo, à traição de sua terra natal. Eliot dedicaria, em 1922, seu poema mais importante, The Waste Land (A terra desolada), a esse homem complexo e único com estas palavras esclarecedoras: “For Ezra Pound il miglior fabbro” (o melhor artesão).
 
Trajetória de sua poesia
 
A obra poética de T. S. Eliot cabe num volume comum. O poeta não se concedeu nenhuma facilidade e preferiu uma elaboração intensa a uma inconsciência profusa. (Uma vez perguntado por William Empson se ele acreditava que um poeta deveria escrever versos pelo menos todas as semanas, ele respondeu com pausada ironia: “Considerando o assunto geral, acho que para muitos poetas a coisa mais importante... é escrever o menos possível.”) E essa elaboração minuciosa da poesia é percebida não só quando se considera a arquitetura severa de cada poema em particular (mesmo o mais espontâneo, o mais aparentemente relaxado), mas também quando se olha para toda a sua obra poética, cuja unidade forte traduz o mesmo impulso vigilante, a mesma maturação segura, uma proporção coerente.
 
Em sua obra podem ser destacados dois grandes momentos: um que serve para revelar sua poesia ao mundo anglófono, por meio daquela culminação chamada A terra desolada; outra em que o desenvolvimento dessa mesma poesia produz uma nova culminação, menos brilhante, menos acessível, mas ainda mais densa, com os Quatro quartetos. Entre ambas as obras corre um período de transição magistralmente representado por alguns poemas mais curtos e menos ambiciosos, como “Os homens ocos” (1925) e “Quarta-Feira de Cinzas” (1930).
 
Antes de publicar A terra desolada (1922) Eliot havia criado uma poesia de traços muito característicos, cujos melhores poemas talvez possam ser considerados: “A canção de amor de J. Alfred Prufrock” (1915) , “Gerontion” (1920), “Retrato de uma senhora” (1915) e “La Figlia Che Piange” (1917). Mas quase todos os grandes sucessos dessa poesia — que refletiam com pungente simbolismo e brio satírico a desilusão, o sentimento de frustração irreparável, que afligia os homens do momento — foram integrados em uma unidade superior, poética e intelectualmente considerada dentro da ampla arquitetura de A terra desolada.
 
Como as tragédias isabelinas que Eliot estudava, A terra desolada está dividida em cinco partes desiguais, nas quais o verso livre divide espaço com passagens rimadas: “O enterro dos mortos”, “Uma partida de xadrez”, “O sermão do fogo”, “Morte na água”, “O que disse o trovão”. Em cada uma das partes, Eliot alterna solilóquio com narração direta ou o diálogo. Num clima de enorme tensão, que evoca simultaneamente a atmosfera de pesadelo de Kafka e o monólogo joyciano, com uma força verbal quase mágica em versos que mordem a sensibilidade do leitor, Eliot desfila as personagens mais ou menos fantasmagóricas do seu poema: o arquiduque, meu primo; Madame Sosostris; o marinheiro fenício, que mais tarde se afogará; a Filomela de Ovídio, brutalmente estuprada pelo bárbaro rei; Lil e Albert; Mr. Eugenides, o mercador de Esmirna; Tirésias, a testemunha; o estenógrafo e o amante apressado; etc. etc. A paisagem é irreconhecível e familiar ao mesmo tempo. Parece Londres, é Londres, não é mais Londres. É, também ou abaixo, uma charneca, um terreno baldio, já estéril, seco, sem uma gota de água. Os homens vagam, mortos vivos ou vivos mortos, mas estéreis, movidos por vários apetites, consumidos pelo acaso ou pela morte, afogados, destruídos pelo fogo. Sua vã agitação carece de toda direção nobre. Como síntese expressiva de toda essa humanidade desintegrada, Eliot apresenta o velho Tirésias (Old man with wriklend female breasts, “Velho de enrugados seios”¹), o velho Tirésias que era, segundo Ovídio em suas Metamorfoses , homem e mulher simultaneamente. "O que Tirésias vê", diz Eliot, "é de fato a substância do poema". Este velho testemunha a coabitação apressada de uma estenógrafa indiferente e seu jovem amante. E o velho medita (ou lamenta):
 
(E eu, Tirésias, tudo já aguentei,
O que no leito, ou no divã, suporto;
Eu, que às muralhas de Tebas sentei,
E andei entre os mais míseros dos mortos.)
 
O poema termina com uma extensa peça em que reminiscências evangélicas se misturam (o encontro em Emaús) com a decadência da Europa. Algumas palavras da quinta Upanishad soam recorrentemente nesta última parte, fornecendo sua mensagem serena: Datta. Dayadhvam. Damyata (Doa. Simpatiza. Governa-te). E com as palavras Shantih, shantih, shantih — que significam: “A paz supera todo o entendimento” — este poema denso, caótico e lúcido se encerra.²
 
A complexa estrutura sinfônica de A terra desolada certamente não facilita a compreensão do leitor. Essa dificuldade é agravada pelas próprias vozes que o poeta usa liberalmente. Eliot não hesita em inserir cinco linhas (em alemão) de Tristão e Isolda em seu texto; ou um fragmento (em francês) do prefácio de As flores do mal; ou um hendecassílabo (em italiano) do Purgatório; ou uma palavra (em latim) do quinto livro da Eneida. Toda essa erudição poética torna difícil ou maçante a compreensão imediata. (É claro que o leitor não deve esquecer que o mesmo Eliot escreveu uma vez: “O surpreendente sobre a poesia de Dante é que ela é, em certo sentido, extremamente fácil de ler. É a prova [...] de que a poesia genuína pode comunicar antes de ser compreendida.” Talvez Eliot ansiasse por essa comunicação, independentemente do significado.)
 
E embora Eliot tenha feito anotações em seu poema, indicando as fontes de muitas imagens ou explicando o valor de alguns símbolos, suas observações não são muito explícitas. (Têm, no entanto, de enorme valor, pois documentam a raiz antropológica da concepção do poema.) Em uma nota de abertura, Eliot reconhece sua dívida geral com The Golden Bough, de Sir James G. Frazer, e uma dívida mais particular com o simbolismo circunstancial do poema com o livro de Miss Jessie L. Weston sobre a lenda do Graal: From Ritual to Romance.) Esta forma complexa de composição — ou desintegração, segundo alguns — pode parecer excessivamente artificial para um leitor moderno, que facilmente esquece os clássicos (um Ausônio, por exemplo; um Dante). Na verdade, por meio dela Eliot quer ser fiel às suas próprias experiências poéticas. No poeta — em sua mente criadora — se dão juntas ou simultâneas a sensação atual e a reminiscência cultural. Eliot já escrevera em um de seus ensaios críticos — “Os Poetas Metafísicos”, 1921: “Quando a mente de um poeta está perfeitamente equipada para sua tarefa, está constantemente amalgamando experiências díspares; a experiência do homem comum é caótica, irregular, fragmentária. Ele se apaixona, ou lê Spinoza, e essas duas experiências não têm relação uma com a outra, nem com o barulho da máquina de escrever ou o cheiro da comida; na mente do poeta, essas experiências estão sempre formando novas totalidades.” Para o poeta, tanto os elementos da realidade mais imediata, quanto os da cultura mais intocada, podem ocorrer em um único golpe intuitivo, numa iluminação, num pensamento. (“Um pensamento”, escreveu Eliot em palavras que podem ser aplicadas a ele próprio, “era para Donne uma experiência; modificava a sua sensibilidade.”)
 
O que A terra desolada significou para os jovens poetas de língua inglesa foi dito repetidamente. (Um deles, Desmond Hawkins, escreveu recentemente: “Eliot restaurou a posição da poesia como uma arte elevada e não apenas como uma efusão caprichosa.”) O que A terra desolada significou para o próprio poeta é agora evidente: um estágio brilhante realizado, uma culminação. Não, o ponto culminante.
 
Para muitos contemporâneos este poema traduzia impecavelmente o desespero, a esterilidade inútil do mundo contemporâneo; mas a mensagem transmitida pelas palavras da Upanishad não pôde ser levada em consideração. Para outros (para o próprio Eliot, talvez) esse poema apontava apenas para o mal, mas não para sua aniquilação. E muitos leitores católicos poderiam ter percebido, através de suas duras imagens, até cínicas, através do caos e da desolação, uma linha sutil de redenção, já que aquele deserto, aquela terra devastada, parecia estar inscrita na grande tradição cristã do pecado. (Veja Gênesis 3:17-19.)
 
Se alguns poemas posteriores (“Os homens ocos”, por exemplo) acentuaram essa lúcida visão crepuscular, a diritta via já estava nascendo ou se descobrindo dentro do poeta. E quando “Quarta-feira de Cinzas” foi publicado em 1930, a conversão do poeta ao catolicismo (o retorno do filho, na verdade) parecia uma revelação ofuscante. Mas “Quarta-feira de Cinzas” ainda não é uma canção de triunfo, mas de penitência:
 
Porque eu já não espero tornar mais
Porque eu já não espero
Porque eu já espero tornar
 
A alma se ergue das cinzas de sua carne para sua própria ressurreição esperançosa, expiando em intensa devoção, em infinita oração, sua própria indignidade. Se em A terra desolada os temas e motivos de orbes poéticos e filosóficos opostos se encontraram, aqui neste “Quarta-feira de Cinzas” os temas e motivos da poderosa poesia judaico-cristã parecem confusos — desde os Salmos, ou Isaías, à liturgia, passando pelos trovadores provençais, os louvores de Nossa Senhora ou os místicos espanhóis; com este poema, Eliot atinge naturalmente os cumes mais altos da poesia religiosa ocidental.

Notas da tradução:

1 As traduções de passagens de poemas de T. S. Eliot utilizadas aqui são as realizadas por Caetano W. Galindo (Companhia das Letras, 2018).

2 As traduções aqui desses termos finais de A terra desolada são a partir do texto espanhol.
 
* Este texto é a tradução livre de “La poesía de T. S. Eliot”, publicado aqui, em Letras Libres.

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