Seis livros para entrar no universo de Pier Paolo Pasolini
Pier Paolo Pasolini. Foto: Marka. |
Pela natureza da obra, Pier Paolo
Pasolini é primeiro lembrado pela sua produção cinematográfica. Mas, o criador
italiano começou sua vivência nas artes pela literatura e foi esse campo que se
abriu para ele como o mais fértil, situando-o entre os mais importantes nomes
do seu país no século XX.
Ele próprio relembra que começou a
escrever poesia aos sete anos, no segundo ano do primeiro grau, experiência que
passa por uma profunda modificação quando encontra numa aula de literatura a
poesia de Rimbaud. Seria nesse gênero que publicaria seu primeiro livro, em
1942. Poesie a Casarsa foi escrito no dialeto friulano, a língua da mãe,
nascida ao norte da Itália, em Casarsa della Delizia.
O interesse pela língua falada
pelos camponeses, nascido do convívio com a gente de Friuli, onde chegou a
morar com a mãe e o único irmão depois assassinado, se deve, como repara Maria
Betânia Amoroso, ao reconhecimento da riqueza cultural aí encontrada e a
percepção crítica acerca do seu desaparecimento com a implantação de um novo
sistema de valores, primeiro pelas forças do fascismo e depois pelas do
capitalismo.
Estão assim situadas pelo menos
duas dimensões das mais caras ao universo criativo de Pasolini, quem,
transforma a atividade literária também num gesto de resistência aos modelos
dominantes. Com o desenvolvimento da atividade literária, ele forneceu
ainda alguns elementos para se pensar as estéticas e os objetos do seu tempo,
ao ponto de se reconhecer como um crítico das ideias, posição em diálogo com o interesse
pela filologia e história da arte numa país que no seu tempo figurava situado na
periferia do mundo.
É em meados dos anos setenta e oitenta
do século passado que a obra literária de Pasolini alcança leitores de várias
partes dentro e fora do seu país; na segunda década, por exemplo, o mercado
editorial brasileiro parece que desenvolveu elevado interesse pela literatura do
italiano; se não, um contexto muito diferente do árido ano do seu centenário.
Qualquer busca entre livreiros e sebistas favorecerá conhecer um pouco sobre
essa febre pasoliniana e o desenvolvimento da pequena lista agora proposta,
claro está, se deve a um exercício próprio de investigação sobre a presença da
obra desse italiano entre nós.
Como outras publicações dessa natureza
aqui no blog, nosso objetivo é colocar o leitor em contato com alguma parte do
universo criativo de um escritor; por isso, atentamos para os principais
títulos na sua poesia, no romance, na novela — expandindo-se ainda, nesse caso,
para fora do literário. Como qualquer lista, esta é limitada e não esgota as
possibilidades de acesso e descoberta de outros meandros do projeto literário
de Pasolini.
1. Poemas. A amostra mais
importante da poesia de Pier Paolo Pasolini até agora publicada no Brasil é representada
por essa antologia organizada por Alfonso Berardinelli e Maurício Santana Dias,
este segundo, responsável pela tradução dos textos e das notas. Aqui estão
poemas como “As cinzas de Gramsci”, publicado no início do grande apogeu
criativo de Pasolini — tão logo vai viver em Roma depois da morte do irmão e das
complicações com o Partido Comunista italiano —, e “O PCI aos jovens!!”. A
edição foi um dos últimos trabalhos da extinta Cosac Naify e trouxe alguns
textos esparsos de crítica pasoliniana e um posfácio composto por Maria Betânia
Amoroso, principal divulgadora e estudiosa da obra de Pasolini no Brasil. Recentemente, o primeiro poema aqui citado foi editado com tradução de
Alexandre Pilati pela C14.
2. Teorema. Esse livro
sinaliza bem o impasse de conhecimento sobre o trabalho de Pasolini. É provável
que saibamos primeiro da existência do filme de mesmo título rodado enquanto o
romance ganhava forma, mas dificilmente sabemos da existência do livro. Descrito como uma parábola acerca do desmantelamento das estruturas sociais a partir da
crise da família enquanto instituição solapada pela incapacidade de condicionar
os impulsos da dinâmica própria do que está fora dos racionalismos — o corpo
enquanto pulsão e o imaginário, por exemplo —, o livro foi publicado em 1968. Nele, o escritor funde
prosa e poesia para traduzir esse complexo de forças. Dividida em duas
partes, a história se centra entre a chegada, convivência e partida do hóspede e
depois nas modificações introduzidas por essa figura no âmbito familiar.
3. Amado meu. A edição
brasileira publicou com esta novela Atos impuros. Assume feição nesses
dois textos um tema único, o eros homossexual que se desdobra em
questões como o castigo, a condenação à vida, o pecado. As duas histórias são vistas
por Attilio Bertolucci como parte de um tríptico da saga friulana em que se
narra ainda a transformação das suas personagens abrigadas entre as modificações
do ambiente familiar e a as lutas camponesas, abrindo-se para o registro sobre
um paraíso possível mesmo que este se revista das tonalidades infernais. O
terceiro livro seria o romance Il sogno di una cosa (O sonho de uma coisa,
tradução portuguesa). Esses trabalhos funcionam como uma rica mostra de
como Pasolini conjuga a paixão e a ideologia como força motriz de sua prosa ficcional.
4. Meninos da vida. Ao
contrário do livro anterior, já publicado postumamente, este marca a estreia de
Pasolini na ficção. A narrativa se situa em torno de Riccetto e um grupo de
meninos, testemunhando sua passagem da adolescência para a vida adulta na
periferia da Roma de final dos anos 1940 e início da década seguinte. A
marginália que extrapola a posição geográfica e se revela também marcada na
linguagem e nos dramas vividos por essas personagens favoreceram a perseguição
do estado a Pasolini, logo processado por obscenidade. Foi este romance que
também inspirou o seu primeiro filme, Accattone, de 1961. Ainda que se
testemunhe as transformações da cidade, a valia desse romance é a de perceber a
passagem entre a adolescência e a vida adulta sem que isso signifique um
crescimento pessoal ou uma transformação das personagens, presas continuamente,
a uma condição pré-cultural.
5. Caos. Crônicas políticas
1968-1970. Depois da polêmica com a publicação do poema “O PCI aos
jovens!!”, Pasolini inicia uma coluna na revista Tempo chamada “Il caos”.
As contribuições iniciadas em agosto de 1968 duram até janeiro de 1970 e
aprofundam a discussão inaugurada a partir do acontecimento na revista L’Espresso
que publica o referido poema então destinado à revista de crítica Nuovi
Argomenti. Pasolini, fiel à sua liberdade de pensamento, nunca preso às
limitações dos campos ideológicos, pensa a
literatura, o cinema, os costumes e a política, numa época de efervescência
dos movimentos estudantis; o escritor, como observa Maria Betânia Amoroso,
“reconhece os novos tempos, deixa de ter um diálogo fraterno e aberto com os
jovens comunistas e passa a se comportar como se estivesse numa tribuna, falando
com base em fatos de crônica, mas em função de algumas críticas constantes, de
ordem mais geral: os movimentos contestatórios — e a repressão decorrente —
realizados por estudantes, intelectuais e também por operários; o
estabelecimento do que designaria, a partir de então, como o horrendo universo
criado pelo poder da nova sociedade de massa; e a descoberta do Terceiro Mundo
e dos negros americanos.”
6. Escritos corsários. Foi
este o último livro organizado por Pier Paolo Pasolini. Trata-se de um conjunto
de textos que ampliam uma mostra do pensamento crítico do multicriador italiano
encontrada na recomendação anterior. Os textos aqui reunidos saíram na imprensa
italiana entre 1973 e 1975 e discute os movimentos estudantis, a decadência da
Igreja Católica, as relações entre o governo e a máfia na Itália, o que chama
de Novo Poder ou novo fascismo, o advento da sociedade de consumo e o
extermínio das formas de vida tradicionais. Segundo Maria Betânia Amoroso,
tradutora da nova edição desse livro no Brasil saído pela Editora 34, é neste contexto que “Pasolini
chega a falar de mutação antropológica ao tentar definir as transformações
radicas que, ao longo dos anos, ele vem observando nos corpos, na linguagem,
nas formas de expressão italianos.” Mais que acompanhar o desenvolvimento de
seu pensamento, parece ser fundamental aqui descobrir com suas observações
ganham contornos universais ao repararmos que essas transformações impostas
pela sociedade de consumo continuam a acontecer ao redor do mundo e a conduzir
o achatamento das identidades.
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