Algumas notas sobre escrever de pé

Por Bárbara Mingo Costales

Ilustração: Golden Cosmos.


 
Perguntei a alguém que eu achava que já tinha resolvido como combinar o exercício da escrita, que sempre se diz que o leva a uma vida solitária, com o contato constante e genuíno com os outros. Ele respondeu perguntando por que estava procurando isso, por que ir atrás de um equilíbrio. Que fizesse o que pudesse e que tudo iria se ajustando.
 
Às vezes imagino a escrita como uma atividade espeleológica, na qual você desce a estratos inexplorados e depois emerge com o que encontrou às cegas e que só poderá apreciar quando estiver fora. Outras vezes é como estar em um campo cheio de flores com a intenção de fazer um buquê. Você escolhe algumas e descarta outras. Há algumas flores que você corta e depois joga fora e assim por diante. Todas essas possibilidades. Agora estou mais interessada em espeleologia. De certa forma, ao caminhar pelo campo você já viu o buquê que vai fazer, disperso. Aqui, profundidades e flores representam duas variedades suaves de caça. Ou decoração: mudar coisas de lugar. Suponho que seja possível abandonar uma técnica por outra sem se perceber, e não em um período de anos, mas até no mesmo texto. Mas essa vírgula explicativa atrás de “espeleológico”.
 
A teoria mais famosa de Hemingway é a teoria do iceberg. Refere-se à estrutura do conto, mas é quase uma descrição que valeria para qualquer outra atividade, valeria para uma costureira, valeria para a cozinheira, valeria para falar um com o outro. Seu conselho sobre deixar a última frase que você escreve a cada dia no meio do caminho para que você tenha o ponto de continuação para trabalhar no dia seguinte me parece mais especificamente literário. Ele também recomenda não falar sobre o que está escrevendo, para não perder a energia ou o gosto pela história. Há também esse tipo de cineasta que não quer escrever antes, porque então qual é o sentido de filmar.
 
Os roteiros geralmente se escrevem pela metade. Você chega a um lugar onde encontra com o outro. Não é necessariamente o ponto médio. E também quem lê algo que você escreveu o chamou para um ponto em comum. Ao escrever temos que descrever com a maior precisão esse ponto comum em que vamos nos encontrar. Esforçar-se para pensar no outro. Talvez aí possa praticar um tratamento constante e genuíno. Sempre se pensa no outro quando se escreve, e essa é a razão de muitas ambiguidades. Centenas de páginas sobre “escrever para si mesmo”. Há quem diga que é preciso ter apenas uma pessoa na cabeça, escrever só para ela. Também se pode escrever para que nossos ancestrais nos compreendam, de tal forma que eles pudessem nos entender.
 
Ao escrever, usar vários critérios ao mesmo tempo. Começar perseguindo uma imagem e de repente seguir um ritmo, mudar a imagem imediatamente e sem avisar prévio, por exemplo, a sonoridade das palavras. Descartar o significado do tom. Perseguir uma ideia até seu esconderijo. Esquecer o que você estava procurando e ficar confuso com tudo o que aparece no seu caminho. Por que comparo escrever com uma caminhada?
 
Escreve-se com palavras: advertia Vladimir Nabokov. Mas você precisa se agarrar a outra coisa. Ao mesmo tempo, é eficaz focalizar numa imagem interna e conseguir mantê-la, e é eficaz que o que contamos tenha existido antes, de qualquer forma, para que o texto transmita algo verdadeiro. Muitos atores dizem que quando falam sobre seu ofício, e o que a literatura pode ter de atuação tem a ver com conseguir manter essa imagem interna até que a escrita termine.
 
Quando se fala em escrever como trabalho físico, sempre me vem à mente a imagem do médico interpretado por François Truffaut em seu filme O garoto selvagem, pois fiquei impressionada ao ver que ele escrevia horas a fio em pé sobre uma mesa elevada. Escrever em pé força uma tensão diferente e a força tem que afetar o que se escreve. Também influencia o tempo gasto na escrita. A luz elétrica e escrever até que a energia acabe. Nas cartas de Corfu que escreve a Anaïs Nin, hospedada na casa de Lawrence Durrell, Henry Miller conta que quando vão para a cama à noite leem até que a vela se apague. Quando se apaga, eles adormecem. Ele também conta dos banhos que tomam nus, que bebem retsina e não escrevem nada. Quando era jovem, Alice Munro, como outros escritores com filhos, escrevia à noite, quando todos adormeciam, ou de manhã antes de se levantarem. O vigor do corpo e o tom do dia, alegre ou triste, também estão no que está escrito.
 
Às vezes você escreve porque não pode estar em nenhum outro lugar. Na prisão, claro, mas também no hospital ou nas aulas. O desconforto e a prisão podem ser combatidos virando versos e frases. Então, quando já pode entrar e sair livremente, não há necessidade de tentar aplacar o desconforto por esse meio: você vai para a rua tomar um ar e às vezes ele vai embora.
 
Algo que também funciona para qualquer outra atividade: ser capaz de esquecer que é você quem escreve, esquecer todas as suposições e conseguir se concentrar em que cada frase contém a seguinte, em que não há mais do que ligar a sequência de palavras que não poderiam ser seguidas de outra forma. O que isso diz sobre o famoso macaco que, se tivesse todo o tempo do mundo, acabaria digitando Dom Quixote?
 
E duas frases maravilhosas que li no jornal, como um presente entregue secretamente. A primeira das notícias, de uns dias atrás, dizia que “os pescadores voltam a pescar num mar de dúvidas”. Que peixes serão esses? A outra era uma notícia local sobre alguns vizinhos que vinham tendo problemas há anos porque um tocava música muito alta à noite e não deixava o outro dormir. Finalmente havia um julgamento e o boêmio ia ter que compensar seu vizinho. A nota terminava: “o condenado ligava o toca-discos às três da manhã”.

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* Este texto é a tradução livre para “Algunas notas sobre escribir de pie”, disponível aqui, em Letras Libres.

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