Boletim Letras 360º #464
DO EDITOR
1. Caro leitor, as publicações
diárias nesta página retornaram e com o início do nosso 15.º ano regressam
também as edições completas deste Boletim.
2. Aproveito para recordar sobre o
nosso próximo sorteio entre os apoiadores do Letras. Até o final do dia
deste 29 de janeiro de 2022 é possível realizar sua inscrição. Saiba tudo sobre
como participar por aqui.
3.Vamos que vamos! Obrigado pela
companhia e pelo apoio ao trabalho do Letras!
Flannery O’Connor. Foto: Joe McTyre. Stuart A Rose Library, Emory University |
LANÇAMENTOS
Saudado pela crítica como um romance revelador de uma ficcionista com todos os atributos para tornar-se tão forte quanto outros escritores do sul dos Estados Unidos, a exemplo de William Faulkner e Carson McCullres, o primeiro romance de Flannery O’Connor ganha nova tradução.
Primeiro romance da autora, Sangue sábio narra a história de Hazel Motes, um jovem de 22 anos que, após a guerra, volta para casa no profundo e religioso Sul dos Estados Unidos, onde trava uma desesperada batalha espiritual contra o fanatismo religioso da comunidade local e em particular contra o pregador cego Asa Hawkes. Convencido de seu ateísmo, funda a própria religião — a Igreja sem Cristo Crucificado “em que os cegos não veem e os aleijados não andam e o que está morto continua morto” — e se lança por uma ladeira tragicômica, entre oportunistas e falsos pregadores, para mostrar a própria integridade na busca do absoluto. Pelas estradas e pensões, pelos bares e trens de Sangue sábio, o leitor será guiado por um dos maiores nomes da literatura norte-americana do século XX, capaz de representar como poucos os erros e a imprevisibilidades da alma humana, os nossos instintos desajeitados — o nosso “sangue sábio”, que busca a salvação. A tradução de Juliana Amato é publicada pela editora Sétimo Selo.
Livro que continua o périplo
autoficcional de Annie Ernaux ganha tradução no Brasil.
Em 1963, Annie Ernaux, então uma
estudante de 23 anos, engravida do namorado que acabara de conhecer. Sem poder
contar com o apoio dele ou da própria família numa época em que o aborto era
ilegal na França, ela vive praticamente sozinha o acontecimento que tenta
destrinchar neste livro quarenta anos depois, quando já é uma das principais
escritoras de seu país. Com a ajuda de entradas de seu diário e de memórias há
muito guardadas, Ernaux reconstrói seu périplo solitário para realizar um
aborto clandestino. Ao refletir sobre a onipresença da lei e seu imperativo
sobre o corpo feminino, Ernaux nos apresenta mais uma face da mescla indissociável
do íntimo e do coletivo tão característica de todo o seu percurso literário.
Quando por fim encontra uma “fazedora de anjos” disposta a realizar o serviço,
a jovem acaba na ala de emergência de um hospital. Anos se passam sem que ela
tenha coragem de revisitar o episódio. Em sua relação radical com a escrita,
porém, Ernaux encontra o caminho para falar publicamente de seu aborto e fazer
da literatura uma profissão de fé, que comove pela honestidade cortante: “o
verdadeiro objetivo da minha vida talvez seja apenas este: que meu corpo,
minhas sensações e meus pensamentos se tornem escrita, isto é, algo inteligível
e geral, minha existência completamente dissolvida na cabeça e na vida dos
outros”. O acontecimento é a sequência de Os anos e O lugar;
o livro é publicado pela editora Fósforo com tradução de Isadora de Araújo
Pontes.
Publicado postumamente em 1986, O jardim do Éden, do Nobel de Literatura Ernest Hemingway, traça a
vida de um jovem escritor americano e sua glamorosa esposa que se apaixonam
pela mesma mulher.
A concepção de O jardim do Éden
começou em 1946, contemporaneamente a outros romances lançados em vida por
Hemingway, como O velho e o mar e Paris é uma festa.
Mas só chegou às livrarias 25 anos após sua morte. Considerado um divisor de
águas na percepção de leitores e estudiosos do autor estadunidense, o romance é
único entre as obras de Hemingway. Sua exploração de papéis e identidades de
gênero, de práticas sexuais e sua expressão artística desafiaram as noções
tradicionais que os leitores tinham de Hemingway. Apesar de não ser um romance
autobiográfico, muitas semelhanças envolvem o autor e seu protagonista. David
Bourne é um jovem escritor norte-americano em ascensão, ávido por escrever a
próxima história. Recém-casado com a glamorosa Catherine, viajam em lua de mel
para a Côte d'Azur na década de 1920. Até que um dia conhecem Marita e, a
partir desse encontro, a vida dos três ganha um novo rumo. David e Catherine se
sentem atraídos por Marita, e o perigoso jogo erótico do qual participam quando
se apaixonam pela mesma mulher enfraquece aos poucos seu relacionamento. Em
meio a esse triângulo amoroso, Hemingway nos dá excelentes pistas do que é ser
escritor por meio das lutas intelectuais de David — quando tenta descrever em
pequenas histórias sua viagem pela África com o pai, na infância, caçando
elefantes, pondo em espera a narrativa principal que trata das suas viagens com
Catherine. Ele também revela sua vulnerabilidade, escondida atrás de sua imagem
pública, do alto preço que os artistas precisam pagar para seguir sua vocação.
Escrito no período pós-guerra e ambientado entre drinques e tardes ao sol,
trabalho literário e diversão, O jardim do Éden consiste em um notável
exercício de liberação e contém a personagem feminina mais impressionante do
autor. Esta edição conta com prefácio de Charles Scribner Jr., descrevendo como
foi o processo de edição do manuscrito — em função da clareza e consistência de
uma obra inacabada – e posfácio de Roberto Muggiati, autor da tradução,
apresentando as familiaridades entre Hemingway e sua obra. O livro é publicado
pela Bertrand Brasil.
Nova edição do primeiro texto
de dramaturgia de Antonio Callado.
A cidade assassinada,
primeiro texto de dramaturgia de Antonio Callado, nasceu como homenagem aos 400
anos de cidade de São Paulo e hoje é um clássico da literatura brasileira.
Escrita e encenada na década de 1950, a peça transporta o público para o Brasil
de 1500 em três atos, junto de personagens históricos e lendários, como João
Ramalho e padre José de Anchieta. Com um texto riquíssimo, recheado de camadas
históricas e de intertextualidades, Callado apresenta em A cidade assassinada,
suas preocupações políticas — que aparecerão em obras posteriores, como no seu
romance Quarup —, como a condição indígena, a colonização religiosa, a
formação do povo brasileiro e a imposição de uma lógica de progresso, que vinha
a todo vapor no Brasil de Juscelino Kubitschek. Na peça, a cidade de Santo
André da Borda do Campo está ameaçada pelos desejos do governo-geral em
transferir o pelourinho (símbolo da presença civilizatória) para a vila de São
Paulo. Junto a isso, um conflito de interesses relação ao trato dos indígenas
da região se desenha entre a violência física dos primeiros bandeirantes e a
violência simbólica dos jesuítas. A guerra entre os homens se aproxima, mas não
sem antes considerar a ação decisiva de Rosa Bernarda, mulher e mameluca —
personagem feminina forte, como é marca no teatro de Callado. Ao mesclar
memória histórica e ficção, textos clássicos como Auto de Anchieta, Iracema e
Cantares de Salomão, o autor, imortal da Academia Brasileira de Letras, é capaz
de fazer emergir a própria identidade brasileira. Na peça são apresentados
conflitos políticos, que mesmo representados nos interesses entre colônia e
metrópole são até hoje perceptíveis, e conflitos amorosos, incluindo a batalha
ética entre amor e dever. São discutidas também a própria condição e missão da
arte e a busca pela liberdade ― temas particulares e gerais, que são capazes de
transpor A cidade assassinada para o rol das grandes obras de alcance
universal. O livro é publicado pela José Olympio com prefácio de João Cezar de
Castro Rocha e posfácio de Zé Celso Martinez Corrêa.
O segundo volume dos diários de
Virginia Woolf.
No segundo volume de seus diários
completos, que cobre o período de 1919 a 1924, Virginia Woolf e Leonard Woolf
se consolidam como editores. Os dois passam a publicar consistentemente
traduções do russo, como Tolstói. Virginia começa a aprender russo. Ela escreve
e publica O quarto de Jacob e começa a se tornar conhecida em certos
círculos como uma das maiores promessas literárias de seu tempo. A amizade de
Virginia Woolf e Katherine Mansfield começa a sofrer um forte desgaste, Virginia
não consegue disfarçar sua ambivalência entre o carinho e o despeito que sente
pela amiga — afinal, Mansfield era incensada na imprensa. Virginia começa a
escrever O leitor comum e Mrs. Dalloway. Finalmente, em suas palavras,
encontra sua voz literária e o caminho a seguir em sua literatura. Lê Joyce e
Proust. Tudo isso certamente a influenciará. Estreita os laços com T. S. Eliot,
de quem publica pela Hogarth Press Terra desolada. O processo de
impressão desse longo poema que foi um divisor de águas na poesia modernista
influencia enormemente a escrita de Mrs. Dalloway. Do ponto de vista
formal, o diário começa a se mostrar cada vez mais como um terreno de
experimentações. Há mais diálogos transcritos, mais retratos feitos
propositadamente das pessoas, mais experimentos com sinais gráficos nas
narrativas que ela faz dos seus dias ou de seus pensamentos. E Virginia Woolf
conhece e começa a se relacionar com aquela que seria um de seus grandes
amores, a poeta e romancista Vita Sackville-West. A tradução de Ana Carolina
Mesquita é publicada pela Editora Nós.
O título de março do clube Círculo de Poemas.
Depois de Coração de boi (7letras, 2016), Ana Estaregui apresenta agora Dança para cavalos, seu terceiro livro de poemas. Dando continuidade à investigação e fusão com o mundo já presentes em seu trabalho anterior, a poeta intensifica aqui o gesto de flagrar os movimentos e a metamorfose das formas: o corpo, a casa, a gestação, os bichos, as plantas, as atividades domésticas. E convida leitora e leitor a observar as passagens e transformações de tudo o que está ao redor. Com uma linguagem simples e objetiva, os poemas de Dança para cavalos fazem com que a vida surja como se nomeada pela primeira vez. Seus versos abarcam desde os movimentos mínimos, como o tropismo das plantas, aos movimentos amplos, como a manada de bisões se deslocando. Nas palavras da poeta Alice Sant’Anna na orelha do livro: “Fruto de uma observação radical e de uma imaginação assombrosa, o livro estabelece aproximações insuspeitas entre a vida doméstica e a vida selvagem. Nesses poemas, a poeta se questiona sobre o que quer dizer ser, aparentar ser e aprender a ser: não há animal que finja ser o que não é.” Em 2018, Ana Estaregui recebeu, com o original do livro Dança para cavalos, o Prêmio Governo de Minas de Gerais de Literatura na categoria poesia.
Depois de Coração de boi (7letras, 2016), Ana Estaregui apresenta agora Dança para cavalos, seu terceiro livro de poemas. Dando continuidade à investigação e fusão com o mundo já presentes em seu trabalho anterior, a poeta intensifica aqui o gesto de flagrar os movimentos e a metamorfose das formas: o corpo, a casa, a gestação, os bichos, as plantas, as atividades domésticas. E convida leitora e leitor a observar as passagens e transformações de tudo o que está ao redor. Com uma linguagem simples e objetiva, os poemas de Dança para cavalos fazem com que a vida surja como se nomeada pela primeira vez. Seus versos abarcam desde os movimentos mínimos, como o tropismo das plantas, aos movimentos amplos, como a manada de bisões se deslocando. Nas palavras da poeta Alice Sant’Anna na orelha do livro: “Fruto de uma observação radical e de uma imaginação assombrosa, o livro estabelece aproximações insuspeitas entre a vida doméstica e a vida selvagem. Nesses poemas, a poeta se questiona sobre o que quer dizer ser, aparentar ser e aprender a ser: não há animal que finja ser o que não é.” Em 2018, Ana Estaregui recebeu, com o original do livro Dança para cavalos, o Prêmio Governo de Minas de Gerais de Literatura na categoria poesia.
Neste livro, Hermann Hesse
apresenta sua concepção de religião em uma série de ensaios, poemas e cartas.
Através do cristianismo, do
hinduísmo e do zen, Hermann Hesse, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura,
apresenta em A unidade por trás das contradições sua concepção de
religião em uma série de ensaios, poemas e cartas. A austeridade da família de
pastores protestantes levou Hermann Hesse a questionar, desde cedo, a religião.
Dividido entre a expressão artística, a espiritualidade e a experiência
burguesa, foi fortemente influenciado, ainda, pela psicanálise. A diversidade
de ideias e conceitos o levou a uma viagem de autodescoberta através da
literatura, que pode ser vista em livros como Sidarta e O lobo da
estepe, mas que encontra sua maior expressão na seleção de textos de A
unidade por trás das contradições: religiões e mitos. Nesse livro, Hesse reúne as
observações sobre as formas humanas de devoção. Ele disseca o que há de comum
em todas as crenças, aquilo que se encontra acima das diferenças nacionais ou
culturais e que pode fazer parte da fé de qualquer indivíduo e de qualquer
raça. São impressões e imagens das mais remotas religiões e mitos da
humanidade, dos antigos egípcios, de chineses, de budistas, de cristãos, de
muçulmanos ou das modernas formas de ideologias religiosas. O conceito de graça
está fortemente presente. A partir da ideia do mundo como um todo, uma unidade
divina à qual devemos estar conectados para alcançar a felicidade, nos
deparamos com a possibilidade de, por trás de todo erro, apesar de toda falha,
nos desconectarmos do ego. A vida só adquire significado quando se abandona uma
busca ingênua pelo prazer egoístico e se atribui a ela uma servidão ― a uma
religião, a uma filosofia ―, pois, como afirma Hermann Hesse, é nesta servidão
que brota seu sentido. Ao encontrar esse sentido, encontra-se a unidade por
trás de tudo que existe. Afinal, “a humanidade, embora ainda dividida em raças
e culturas estranhas e hostis entre si, é uma só e possui possibilidades,
ideais e objetivos comuns”. A tradução de Roberto Rodrigues é publicada pela
editora Record.
A estreia de Mateus Baldi na
literatura.
Formigas no paraíso apresenta contos fortes e provocativos que perscrutam a alma do cidadão
contemporâneo dos grandes centros urbanos, mesmo tendo como cenário o
desmistificado Rio de Janeiro. Como diz Noemi Jaffe na orelha do livro:
“Pode-se ter a impressão de que eles, no conjunto, constituem uma galeria de
tipos cariocas, marcados pela realidade urbana difícil e pela dinâmica absurda
da economia e da sociedade brasileira, mas é mais do que isso. Cada um deles
tem uma tal singularidade e profundidade em sua aparição, que, mais do que
galeria, estamos diante de pessoas que, eventualmente, poderiam até se conhecer
e se entender…” Além da temática e da abordagem o estilo cortante de Baldi
salta aos olhos e nos arrebate em seu ritmo, velocidade narrativa, diálogos
precisos e domínio da técnica da escrita. O livro é publicado pela editora
Faria e Silva.
Revisitar o modernismo
brasileiro pelo ponto de vista da ação e do pensamento de Mário de Andrade.
Pensamentear foi como Mário de
Andrade descreveu a junção entre seu pensamento e ação de escritor que, lutando
pela democratização da cultura, buscava reinventar o Brasil. André Botelho e
Maurício Hoelz reveem esta práxis a partir do campo musical, o mais heurístico
na trajetória desse homem de múltiplos talentos. Um entre lugar de fala-escuta —
política de reconhecimento que liga o lugar de fala ao de escuta do outro — em
que se forja uma ética dialógica e democrática do aberto e do inacabado.
Sociologicamente reposicionado, o Modernismo passa a ser visto como movimento
cultural: uma ação coletiva que disputa o controle cultural pela mudança da
sociedade. Mário de Andrade, nosso contemporâneo. O modernismo como movimento
cultural. Mário de Andrade, um aprendizado é publicado pela editora Vozes.
A estreia da escritora mexicana
Socorro Venegas no Brasil.
O título deste livro está
associado ao terceiro conto que o compõe. Nele, uma narradora-protagonista
evoca o passado ao se deparar com um jovem engolidor de fogo. Em termos
literários, é uma experiência deslumbrante observar a ressonância da chama
manipulada pelo artista em vários episódios vividos pela personagem. Além
desta, Socorro Venegas nos apresenta outras personagens, predominantemente
mulheres, quase todas jovens, que repentinamente são confrontadas com o peso
abrasador das recordações. Acompanhar os seus dramas implica em revisitar
nossas próprias fragilidades, muitas das quais tentamos com esforço esquecer. É
por isso que a leitura destes contos nos convida a experimentar a memória
justamente onde ela nos arde. Com tradução de Nylcéa Pedra, A memória onde
ardia é publicado pela editora Arte & Letra.
Um híbrido da crítica à
tradução de um poema de José Cadalso y Vásquez de Andrade.
Modos de leitura trata-se de uma coletânea que acolhe textos do autor: ensaios, resenhas,
entrevistas, posts e a tradução de uma obra literária espanhola do século
XVIII: o poema dramático em prosa “Noches Lúgubres”, do escritor espanhol José
Cadalso y Vásquez de Andrade (1741-1782), primeiramente publicado entre
dezembro de 1789 e janeiro de 1790 no periódico Correo de Madrid, e que
contou 49 edições até o fim do século XIX, mas que caiu numa relativa
obscuridade no século XX, apesar de sua importância. O livro de Marcos Higa é
publicado pela Ateliê Editorial.
REEDIÇÕES
Viagem reafirma o
compromisso de Graciliano com a justiça social sem negociar sua liberdade
literária. Um relato imprescindível de uma época de fortes paixões políticas e
ideológicas.
A primeira metade do século XX
ardeu e fomentou ideais e revoluções. Ao fim da Segunda Guerra, o mundo estava
dividido sob a égide do capitalismo ou do socialismo e muito se falou acerca do
papel social da arte e de seu compromisso com causas populares. Em 1945,
Graciliano Ramos, já considerado um grande escritor, filiou-se ao Partido
Comunista do Brasil, a convite de Luís Carlos Prestes, e viu-se diante do
dilema da conciliação entre sua posição política e sua produção literária.
Apesar de integrar o “Partidão”, Graciliano Ramos resistiu a pôr sua obra à
disposição dos dirigismos em voga. Passou a sofrer ataques dos militantes mais
aguerridos, que viam em sua integridade intelectual uma resistência isentiva.
Em meio a desgastes em sua relação com o partido, os dirigentes convidaram-no
para uma viagem para a Checoslováquia e a União Soviética, em 1952. Desejoso de
conhecer o país que liderava um movimento global revolucionário, e de
desvencilhar o próprio julgamento da condenação distorcida articulada pela
imprensa ocidental, o escritor embarcou na viagem que inspirou este livro. O
talento narrativo de Graciliano Ramos e sua recusa a transformar a literatura
em veículo de propaganda fazem de Viagem um relato autêntico e prazeroso da
experiência em terras soviéticas nos primeiros anos de Guerra Fria. Ao fim
desta edição, encontram-se as anotações que deram origem ao livro ― o último
escrito por Ramos e publicado somente um ano depois de sua morte, ocorrida em
1953. Nesta edição são apresentadas aos leitores e leitoras fotografias raras
do velho Graça entre seus companheiros, registradas em terras soviéticas. Tanto
as imagens quanto a capa, com ilustração assinada por Cândido Portinari,
reproduzem elementos da primeira edição do livro. imprescindível a todas as
pessoas que, diante de um mundo polarizado, enxergam a importância de ver por
entre os vícios midiáticos e românticos em torno do comunismo.
Com o mesmo projeto revival
adotado em Viagem, de Graciliano Ramos, a José Olympio, marca seu
aniversário de 90 anos com a reedição da prestigiada Coleção Rubáiyát, que
reúne alguns dos mais importantes poemas da história. Os três primeiros são as traduções
realizadas por Lúcio Cardoso, autor do indispensável Crônica da casa
assassinada.
1. O vento da noite, de
Emily Brontë (1818-1848), reúne uma seleção, feita pelo tradutor e escritor
Lúcio Cardoso, de 33 poemas da escritora e poeta inglesa, alguns deles
publicados sob o pseudônimo Ellis Bell. A coletânea apresenta o lado mais
romântico e sombrio da poética brontiana. A edição traz o projeto gráfico da
primeira, incluindo as ilustrações.
2. O segundo título editado no
mesmo formato é A ronda das estações. Escrito no século V, neste livro
Kâlidâsa aproxima natureza e prazeres sensuais, revelando como o amor
apaixonado se reacende e se transforma com a chegada de cada nova estação. O
lirismo e a paixão perpassam todo o texto. O poema erótico provavelmente foi
escrito na juventude do autor, que é conhecido como um dos maiores escritores
sânscritos de todos os tempos.
3. E O livro de Job. Este é
considerado por muitos teólogos o primeiro escrito bíblico. O poema narra o
episódio em que Jeová, após ser desafiado por Satã sobre a fidelidade de seu
maior devoto, permite que o anjo maldito fustigue Job. Mesmo experimentando os
piores e mais intensos sofrimentos, Job persevera e é incapaz de maldizer Deus,
sendo recompensado por isso. A tradução de Lúcio Cardoso recupera o projeto
gráfico original de 1943 que trazia as ilustrações concebidas por Alix de
Fautereaux.
Livro com contos de Thomas
Wolfe ganha reedição.
Wolfe é um autor invulgar, sob
muitos aspectos. Escreveu toda sua obra em doze anos, como prevendo a morte
prematura aos 38, e não produziu pouco. Editou dois romances, um livro de
contos, outro de ensaio, deixando, no entanto, vários inéditos que vieram à luz
postumamente: mais dois romances, nova coletânea de histórias curtas.
Professor, boêmio, viajante voltado para a Europa (bolsista da Guggenheim),
pôde no entanto frenético trabalhar. A obra que nos legou também reflete as
condições em que foi realizada. A par das suas grandes linhas, as ilusões da
infância e juventude perdidas no mundo adulto e adverso, o instintivo
exuberante em contraste com a repressão puritana, o jogo de luz e sombra, um
pessoal, outro exterior, temos a denunciar-se fora destas largas dimensões um
artesão meio tosco, sujeito a quedas bruscas, desordenadas em rompantes de
lirismo, exaltação e retórica. Apesar do que, assim complexo ou contraditório,
se alçou ao plano mais elevado de sua época. Talvez pelo sentido épico, na sua
indisfarçável redução. Tão idealista ou sensorial quanto elementar e violenta.
Com tradução e posfácio de Marilene Felinto, o volume de contos O trem e a
cidade volta aos leitores pela editora Iluminuras.
DICAS DE LEITURA
Regressamos para compor o 15.º ano
do blog Letras in.verso e re.verso e com isso o restante das seções deste Boletim,
como dissemos. Aqui recomendamos leituras que passaram pelo nosso gosto, outras
que têm chamado nossa atenção e de outros leitores e servem para que você possa
encontrar suas próprias listas e interesses. As recomendações desta vez retomam
o dia 27 de janeiro, quando o mundo recorda a memória das vítimas do
holocausto. A biblioteca em torno do tema é incontornável. Os três títulos aqui
indicados é, assim, uma só pequena amostra. Na aquisição de qualquer um dos livros pelos links ofertados neste boletim, você tem desconto e ainda ajuda a manter o Letras.
1. É isto um homem?, de Primo
Levi. Prisioneiro de Auschwitz-Birkenau, o químico italiano escreveu vasta obra
que testemunha os horrores do campo de concentração, sendo essa uma das
principais. O livro conta desde sua prisão, incluindo todos os horrores de
desfazimento da sua identidade e, mesmo atravessando a morte, a dor, a fome, a
sede, a rotina terrível de trabalho forçado e interminável, suas estratégias pela
criatividade, astúcia e pela organização, de se manter vivo. É um livro
comovente; um registro dos mais pungentes sobre a força humana e sua capacidade
de resistência mesmo quando tudo é posto em prova.
2. Kadish por uma criança não nascida, de
Imre Kertész. Neste livro do autor húngaro, o primeiro do seu país a receber o
prêmio Nobel de Literatura, também ele um sobrevivente do holocausto depois de
passar pelos campos de Auschwitz e Buchenwald, o que lemos é sobre a vida do
sobrevivente, como se diz, a dificuldade de sobreviver o sobrevivente.
Articulado como um longo monólogo, o escritor B. explica sua negação em
reproduzir a vida pós-holocausto.
3. Maus, de Art Spiegelman.
A HQ censurada na rede escolar do sul dos Estados Unidos é um relato comovente
sobre Auschwitz e ao mesmo tempo um acerto de contas do artista com pai. A
primeira e até agora única obra no gênero a receber o Prêmio Pulitzer, a HQ
conta a história de Vladek Spiegelman, um judeu polonês que sobreviveu ao campo
de concentração. Narrada pelo ponto de vista do próprio filho, Art reduz o
mundo terrível do nazismo a um universo animalesco; seu relato é cru,
perturbador e dispensa sentimentalismos.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. No final do dia 28 de janeiro, lembrávamos
em nosso Twitter sobre o aniversário de Vergílio Ferreira. Autor de obras
indispensáveis para a literatura de língua portuguesa do século XX, como Aparição,
voltamos a recomendar este documentário dirigido por Diana Andringa e Miguel
Soares, que traça um perfil biográfico sobre Vergílio e foi exibido na
televisão portuguesa RTP poucos dias antes da morte do escritor, em 1996.
BAÚ DE LETRAS
1. “Jazíamos num mundo de mortos e
de larvas. O último rastro de civismo tinha desaparecido ao redor de nós e
dentro de nós. É homem quem mata, é homem quem comete ou sofre injustiças; não
é homem quem, perdido todo recato, divide cama com um cadáver; quem esperou que
seu vizinho terminasse de morrer para lhe tirar um quarto de pão está, embora
sem culpa, mais longe do homem pensante que o sádico mais atroz”. Este excerto
pertence a É isto um homem?, de Primo Levi. E por citar o escritor na
seção Dicas de Leitura a ele voltamos para recomendar duas posts de nosso
arquivo: esta que revisita um pouco a biografia de Levi pós-Auschwitz; e esta lista com seis livros para quem quer ler mais que o texto aqui recomendado.
2. No mesmo dia do aniversário de
Vergílio Ferreira, passou-se os cinquenta anos sobre a morte de Dino Buzzati,
nome significativo da literatura italiana e autor de livros como O deserto
dos tártaros e O amor. Em 2008, traduzimos este breve texto sobre sua obra.
3. Virginia Woolf nasceu no dia 25
de janeiro de 1882. E no 140.º aniversário da escritora, preparamos este fio com algumas das principais entradas no blog sobre sua vida e obra; e esta entrada no Instagram sublinhando outra efeméride importante para o ano que
agora começamos: o centenário da primeira edição de O quarto de Jacob,
romance que foi o primeiro título da editora que Virginia montou com o marido,
a Hogarth Press. Vale apena passar e deixar seu comentário e sua partilha.
DUAS PALAVRINHAS
Não se pode querer que Deus
resolva os problemas do homem, porque, se o fizesse, retiraria do homem a
responsabilidade e, por consequência, o livre-arbítrio.
— De Viva o povo brasileiro,
João Ubaldo Ribeiro.
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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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