Boletim Letras 360º #463

DO EDITOR
 
1. Caro leitor, as publicações diárias nesta página retornam na próxima segunda-feira, 24 de janeiro de 2022. Estamos preparados para continuar mais um ano juntos, o 15.º, lendo, comentando, discutindo livros de significação para nós e temas ligados ao literário e recomendando leituras. Tudo é deveras desafiador no atual tempo, muito pior, diria, que noutros anos, mas, se estamos vivos, continuemos com os propósitos que nos animam.
 
2. Reitero os constantes agradecimentos ao leitor que acompanha o Letras há muito e o que chega agora. Sua colaboração, lendo, comentando, compartilhando, expandindo os pequenos horizontes nossos é o mais importante. Por isso, todo o nosso obrigado!

Mario Quintana. Foto: Eneida Serrano.


 
LANÇAMENTOS
 
Samuel Beckett em alta. Livro reúne três peças de que compõem sua obra tardia.
 
Vozes femininas — Não eu, Passos, Cadência reúne três peças de Samuel Beckett que compõem a obra tardia deste que é um dos mais importantes dramaturgos do século XX. Em meio a experimentações de linguagem, as peças compartilham o eixo comum do protagonismo feminino. Boca, em “Não eu”, é vítima de vozes que não consegue aquietar; May, em “Passos”, tem sua existência recoberta pela indefinição entre vida e morte, imaginação e memória; e M., em “Cadência”, enfrenta de maneira solitária, mas decidida, uma vida residual. As traduções são de Fábio Ferreira. O livro é publicado pela editora Cobogó.
 
Neste livro, o filósofo e historiador das ideias Isaiah Berlin trata das transformações da consciência europeia que estão nas origens do Romantismo, movimento que irrompeu no final do século XVIII, revolucionando o pensamento e as artes.
 
Com clareza, elegância e erudição incomparáveis, ele analisa a obra dos principais pensadores e artistas românticos — como Herder, Fichte, Schelling, Blake e Byron — e reflete sobre sua herança intelectual, estética e política, em particular a contribuição para o erguimento de valores centrais da democracia, como a liberdade, o pluralismo e a tolerância. Fruto de seis conferências realizadas em 1965 na National Gallery of Art, de Washington, As raízes do Romantismo é um dos trabalhos mais importantes de Berlin e também uma das melhores introduções já feitas ao movimento que provocou uma mudança que é, nas palavras do autor, “a mais profunda e a mais duradoura de todas as mudanças na vida do Ocidente, não menos abrangente do que as três grandes revoluções cujo impacto não se questiona — a industrial na Inglaterra, a política na França e a social e econômica na Rússia.” Com tradução de Isa Mara Lando, o livro é publicado pela editora Fósforo.
 
Chega ao Brasil a poesia da equatoriana Mónica Ojeda.
 
Na obra de Mónica Ojeda, os fluidos funcionam como disparadores e construtores de todas as histórias. Da mesma forma acontece em História do leite: o leite materno é o ponto de partida da vida e da morte, é o condutor de toda uma história organizada em partes que funcionam, ao mesmo tempo, como unidades autônomas. Buscando ressignificar o relato bíblico do fratricídio de Caim e Abel, a poeta equatoriana escreve em chave feminina o que ela considera um dos momentos fundantes de nossa sociedade: o crime. A violência transfigura-se em beleza para dar lugar àquilo que mais importa: a criação. A capacidade de criar torna-se um dos pontos essenciais de todo o livro, exaltando os vícios, as dores e as perversidades mais humanas, mas não só isso: há ali um gesto de profunda rebeldia frente às convenções da linguagem. Destruir para criar. “A poesia será o aprendizado da morte”, antecipa Mónica, porque “O sangue sabe a linguagem” e questiona, provoca e cutuca: “chorarei de beleza?” Com tradução de Ayelén Medail, o livro é publicado pelas Edições Jabuticaba.
 
Reginaldo Prandi evoca a ambiência da metade do século XX para, em meio a conflitos familiares, intrigas religiosas e amores juvenis, tratar do avanço da tecnologia, do risco de perder as raízes e, ao mesmo tempo, da importância de mudar.
 
Lá se vão os anos 1950, e a modernização do país parece inevitável. Apesar de remota, uma cidadezinha do interior do Brasil precisa se adaptar à nova realidade ao mesmo tempo que passa a vivenciar uma inesperada onda de crimes. Mateus, depois da morte dos pais, muda-se para a casa dos avós, levando consigo, além de sua inquietude, uma gaiola — a representação física de algo inominável que mora em seu íntimo. A ele e à sua família se junta um grande caleidoscópio de personagens conhecidos nesses municípios, como a vizinha fofoqueira, o Don Juan que mora com a mãe e o grupo de coroinhas. Aos poucos, a cidade vê chegar gente, gostos, artes, tecnologias e costumes novos que confrontam a antiga moralidade e os velhos hábitos, e pouco a pouco abandona um mundo que se esvai para que outro desponte em seu lugar. Motivos e razões para matar e morrer é publicado pela Companhia das Letras.
 
Neste inusitado e extremamente inventivo volume de poemas, Fabrício Corsaletti se imagina na pele de Bob Dylan numa suposta temporada passada na Argentina.
 
Apaixonados, engraçados, melancólicos, filosóficos e delirantes, os 56 sonetos deste Engenheiro fantasma configuram uma experiência singular no panorama da poesia brasileira. Neles, Fabrício Corsaletti, autor de Esquimó (Companhia das Letras, 2010, prêmio Bravo! de Literatura), veste a máscara de Bob Dylan e narra uma temporada de exílio voluntário que o genial letrista norte-americano teria supostamente vivido em Buenos Aires em algum período não-especificado deste século. Bairros, bares, cafés, lojas, museus e uma profusão de personagens surgem e desaparecem como num truque de mágica ao longo dos 784 versos talhados com precisão de mestre. Há referências, claro, à poesia do compositor de “All Along the Watchtower”, mas menos do que se poderia supor. O que ocorre, de fato, é uma surpreendente mescla da voz dos dois poetas, gerando uma terceira — a que registra essas aventuras portenhas desde já inesquecíveis. O livro é publicado pela Companhia das Letras.
 
Livro ficcionaliza a vida da filósofa e escritora Simone de Beauvoir.
 
Em Simone de Beauvoir: a mulher de Montparnasse, Caroline Bernard ficcionaliza a vida da escritora, filósofa e intelectual Simone de Beauvoir, personagem histórica corajosa, apaixonada e apaixonante, que foi modelo para gerações inteiras de mulheres. O livro retrata a vida de Simone de 1924 a 1946, período anterior ao desenvolvimento da teoria feminista pela qual ficou amplamente conhecida, especialmente após a publicação da obra O segundo sexo, em 1949. Paris, 1929. A jovem Simone, muito ambiciosa desde pequena, quer ser mais do que apenas a filha de uma boa família; ela quer estudar e escrever. Então, ela conhece Jean-Paul Sartre, enfant terrible, gênio… e logo seu amante. Os dois fazem um pacto que deve garantir o amor e a liberdade sexual de ambos e, juntos, formulam a filosofia do existencialismo. Entretanto, por muito tempo Simone não consegue realizar seu sonho de escrever — os editores rejeitam seus textos alegando serem inadequados. Além disso, ela também tem que lutar constantemente por seu relacionamento com Sartre. Como um grande amor pode se conciliar com a busca pela liberdade? Com tradução de Claudia Abeling, o livro é publicado pela editora Tordesilhas.
 
Um dos mais importantes livros da literatura holandesa do século XX, em tradução direta do original.
 
Jacob Willem Katadreuffe é obcecado pelo desejo de se tornar advogado. Filho ilegítimo, criado na parte pobre de Roterdã por Joba, uma mulher independente e austera, ele faz de tudo para atingir seu objetivo. O poderoso Oficial de Justiça A. B. Dreverhaven, seu pai, faz de tudo para impedi-lo. A cada três passos para frente dados por Katadreuffe, um para trás é manipulado por Dreverhaven. Por quê? Caráteres intransigentes em uma batalha que parece ir a extremos. Caráter. Romance de pai e filho tem tradução de Daniel Dago é publicado pela editora Rua do Sabão.
 
William Golding, Prêmio Nobel e autor de Senhor das Moscas, mergulha fundo na alma humana para revelar seu lado mais sombrio.
 
Em Ritos de passagem, vencedor do Booker Prize em 1980, o autor mescla a forma epistolar à narrativa histórica para mostrar as fissuras que surgem das diferenças de classe e de cultura. Em uma viagem à Austrália, no início do século XIX, Edmund Talbot mantém um diário, no qual narra suas aventuras para entreter o tio na Inglaterra. Talbot é um jovem com uma carreira promissora à frente, no serviço público da Coroa Britânica. Cheio de mordacidade e algum desprezo, ele relata o dia a dia dos marujos e oficiais e descreve os emigrantes em busca de uma nova vida. A bordo de um navio da Marinha inglesa, tripulantes e passageiros têm de conviver em um espaço exíguo, e a tensão entre eles parece cada dia maior. Talbot se envolve com uma passageira, que pode também estar se relacionando com outros homens. E, aos poucos, os companheiros de viagem começam a exibir sua verdadeira — e sombria — natureza. A situação se agrava quando um único passageiro, o jovem e aparentemente ridículo reverendo Colley, atrai a antipatia e animosidade dos marinheiros, e a vergonha e humilhação podem se tornar mais perigosas do que o próprio oceano. Com tradução de Roberto Grey, o livro é publicado pela Alfaguara Brasil.
 
Em seu novo romance, a autora de A elegância do ouriço constrói uma narrativa emocionante sobre amor e autodescoberta, ambientada nas charmosas paisagens de Kyoto.
 
Rose tem quarenta anos e acaba de receber a notícia da morte de seu pai — e que deve deixar a França e ir até Kyoto, no Japão, para ouvir a leitura do testamento. Ao chegar lá, descobre que o homem — com quem nunca teve contato — lhe deixou um misterioso itinerário para ser percorrido com Paul, um antigo funcionário. O roteiro inclui passeios por templos, jardins zen e casas de chá, além de encontros com os amigos de seu pai. À medida que os segredos vêm à tona, Rose aprende a aceitar uma parte de si mesma que nunca foi capaz de reconhecer — e percebe que talvez o amor esteja mais próximo do que ela imagina. Emocionante e delicado na medida certa, Uma só rosa é uma história inesquecível sobre segundas chances e a possibilidade de ver beleza mesmo em meio ao luto. Com tradução de Rosa Freire d'Aguiar, o livro é publicado pela Companhia das Letras.
 
A chegada ao Brasil do poeta argentino Daniel Calabrese.
 
Como se tomássemos de carona uma estrada desconhecida, e encostássemos a cabeça no vidro da janela a observar a velocidade, deixando os pensamentos correrem junto dela, é ao que nos convida os poemas de Rota dois, de Daniel Calabrese. O primeiro livro do poeta argentino publicado no Brasil acontece justamente nesse ponto de desligamento e espanto, em que nos pegamos quase acordados a admirar a paisagem do lado de fora, essa que se forma em algum lugar entre memória e movimento. Vencedor do Prêmio Revista de Libros do Chile em 2013, e traduzido e publicado em inglês, em italiano e em japonês, Rota dois chega agora às Edições Macondo, com tradução ao português da poeta finalista do Jabuti Prisca Agustoni. O poeta Raúl Zurita, no prefácio do livro, afirma: “Com uma linguagem contida, precisa, de uma beleza que jamais cede ao alarde, como as correntes desses grandes estuários que, por seu fluxo enorme, apenas parecem se moverem, mas que podem arrasar tudo ao tentar detê-los, Rota dois confirma que a obra de Daniel Calabrese está entre as mais ressonantes e notáveis. Junto com outros grandes êxitos, é uma ratificação da potência e da originalidade da poesia latino-americana atual, de sua impressionante capacidade de renovação, de sua magistralidade dolorosa e imponente”.
 
Três novos títulos na coleção de clássicos da Editora Unesp.
 
1. Uma reunião de peças para iniciar o leitor ao universo teatral de Molière. Em 2022 passam-se 400 anos do nascimento do dramaturgo francês. E neste ano, a coleção de clássicos da Editora Unesp apresenta um livro que com uma amostra da genialidade de Molière: “O Tartufo” nos apresenta Orgon, devoto religioso que se deixa impressionar pelas supostas virtudes do personagem-título; “Dom Juan” não se limita a explorar as fragilidades morais do seu célebre protagonista, levando o leitor a uma análise bem mais complexa do mito; e em “O doente imaginário”, acompanhamos um hipocondríaco determinado a se livrar de males que não o acometem. A obra tem tradução de Jorge Coli.
 
2. Livro reúne quatro novelas de Edith Wharton. As quatro novelas reunidas em A velha Nova York são ambientadas nesta cidade, entre as décadas de 1840 e 1870. São elas: “Falso amanhecer”, a célebre “A solteirona”, “A faísca” e “Dia de Ano-Novo”. Esses textos, gestados no auge do processo criativo da autora, com seus enredos e personagens marcantes, abrem ao leitor uma janela para os códigos e costumes que permeavam a estrutura e o funcionamento da sociedade norte-americana no fim do século XIX. A tradução é de Roberta Fabbri Viscardi.
 
3. Nova tradução de um livro de Anatole France que figurativiza um dos períodos mais conturbados e importantes da História. Na França pós-queda da Bastilha, Gamelin, pintor pouco virtuoso mas idealista, acaba sendo recrutado para uma função-chave dentro da chamada fase do Terror da Revolução Francesa: a de jurado do Tribunal Revolucionário — o que, na prática, significa que pode mandar qualquer um à guilhotina. No desempenho desse papel terrível, os valores éticos e morais do protagonista vão sendo postos à prova. Os deuses têm sede tem tradução de Jorge Coli.
 
REEDIÇÕES
 
Neste trabalho monumental, Raymundo Faoro destrincha o funcionamento da sociedade brasileira durante o Segundo Reinado a partir da obra de Machado de Assis.
 
Quase duas décadas depois da publicação de sua obra-prima, Os donos do poder, Raymundo Faoro aprofunda sua tese sobre o patrimonialismo brasileiro em Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. Este livro combina análise política e crítica literária para oferecer um estudo refinado de nossa sociedade oitocentista a partir dos personagens presentes em romances, crônicas e contos de Machado de Assis. Ao observar como operam as engrenagens sociais brasileiras através deste rico objeto de estudo, Faoro a um só tempo reforça seu papel como um dos mais importantes intérpretes do país e deixa seu legado na história da recepção crítica da obra machadiana. A nova edição publicada pela Companhia das Letras inclui posfácio de Sidney Chalhoub.
 
Pirandello e a obsessão dos personagens pela vida alheia. Reedição de Assim é (se lhe parece).
 
Por meio de diálogos ágeis e divertidos, Pirandello expõe a história de Frola, uma senhora que se muda para o prédio de uma família da alta burguesia italiana, os Agazzi, e se recusa a recebê-los — gesto que é encarado com indignação pelo senhor Agazzi. Com o surgimento de Ponza, genro da velha e colega de repartição do senhor Agazzi, a revolta logo se torna perplexidade e curiosidade. Ponza se desculpa pela sogra e pede que todos tenham paciência, pois ela enlouqueceu com a morte da filha e agora está sob seus cuidados. Pouco tempo depois, é Frola quem conta, de forma coerente e sã, ser o genro quem se abalou mentalmente e agora acredita que a esposa está morta. Entre idas e vindas de ambos, a confusão de todos aumenta cada vez mais, beirando o desespero. Representada pela primeira vez em 1917, enquanto a Itália passava pela insegurança da Primeira Guerra Mundial, Assim é (se lhe parece) trata de aspectos da sociedade que encontram ecos atualmente, como a obsessão dos personagens pela vida alheia — hoje evidenciada pela fixação cada vez maior pelas redes sociais. Neste melodrama burguês, Pirandello explora questões filosóficas fundamentais, colocando em xeque os conceitos de verdade e objetividade. A edição da Tordesilhas Livros traz um posfácio de Alcir Pécora, crítico literário e professor livre-docente na Unicamp, além de cronologia da vida do autor. A tradução é de Sérgio N. Melo.
 
Com estilo narrativo e lapidar, este livro se consagrou como uma das obras mais fascinantes da poesia italiana.
 
Marcados por um forte engajamento social, os poemas de Trabalhar cansa — livro de estreia de Cesare Pavese, que foi lançado originalmente em 1936 e chegou à sua forma definitiva sete anos depois — nascem da observação do cotidiano da cidade. Ao descrever as paisagens de Piemonte e seus habitantes — camponeses, trabalhadores, prostitutas, ladrões, bêbados e outros personagens da vida comum — em uma poesia apartada de qualquer sentimentalismo ou grandiloquência (sem, no entanto, escorregar em uma falsa espontaneidade realista), Pavese rompeu em definitivo com as tradições da época. Publicado anteriormente pela Cosac Naify, o volume inclui ainda dois textos de Pavese sobre a elaboração de Trabalhar cansa: “O ofício de poeta”, de 1934, e “A propósito de alguns poemas ainda não escritos”, de 1940. Este livro comprova a vitalidade de um dos mais notáveis poetas e intelectuais do século XX.
 
RARIDADES
 
Descoberto poema inédito de Mario Quintana.
 
O manuscrito “Canção do primeiro ano” estava dentro de um livro do poeta adquirido junto a uma coleção particular de mais de 5 mil títulos por George Augusto, livreiro em Porto Alegre. O texto, na caligrafia do poeta, traz sua assinatura e data de composição, 1.º de janeiro de 1941. A caligrafia foi analisada pelo professor e diretor do Teatro S. Pedro, Antônio Hohlfeldt e pelo presidente da Associação Amigos da Biblioteca Pública Estadual do Rio Grande do Sul, Gilberto Schwartzmann, que atestaram ser mesmo um inédito do poeta. O livro e o manuscrito foram comprados pela Associação e serão doados ao acervo da biblioteca. Você pode ler a transcrição do texto no blog da revista 7faces.

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