Boletim Letras 360º #461

DO EDITOR
 
1. Caro leitor, estas foram algumas das notícias publicadas na página do Letras no Facebook durante a semana.
 
2. Alguém mais atento terá reparado que nas edições mais recentes desta post, algumas das novidades foram mostradas primeiro (ou apenas) aqui. É uma prática de deslocamento entre as redes e o blog experimentada noutras ocasiões aleatórias e que agora se fará uma constante na consolidação deste espaço.
 
3. O Boletim Letras 360.º começou quando o Facebook iniciou uma política de entrega das publicações cada vez mais reduzida. Desde então, a coisa só piorou, enquanto os acessos ao blog ganharam novo impacto. Por isso, talvez seja a hora de fazer o caminho de volta, não?
 
4. Muito agradeço pela companhia, a leitura e o apoio ao trabalho do Letras!

Samuel Beckett. Foto: John Minihan.


 
LANÇAMENTOS
 
A Biblioteca Azul / Globo Livros inicia o ano de 2022 com a publicação de dois livros de Samuel Beckett.
 
1. A princípio concebido para se tornar um romance, Mais pontas que pés ganhou forma fragmentada em dez contos que apresentam o percurso de vida de uma mesma personagem, de seus dias de estudante à sua morte repentina. Belacqua Shuah, anti-herói preguiçoso e mulherengo, é leitor de Dante, e é na Comédia que se encontra a origem de seu nome: seu homônimo é um artesão indolente que desiste de buscar a salvação. Com referências linguísticas, históricas e literárias imperdíveis, em seu primeiro livro, Beckett já cria aspectos que darão profundidade à criação de personagens posteriores, onde já é possível ver certo registro ácido, a solidão como refúgio e o imenso desamparo em que se encontram seus tipos humanos. Escrito antes da Segunda Guerra, com um autor ainda jovem e já erudito o suficiente para lançar mão de seu vocabulário poliglota, Mais pontas que pés ainda carrega certa graça e humor que definham em seus escritos pós-guerra — esteja este humor em algum jogo de palavras ou no constrangimento constante pelos quais suas personagens passam. A tradução é de Ana Helena Souza.
 
2. Reunião de escritos que abrange toda a carreira de Samuel Beckett, Disjecta é uma miscelânea de crítica literária, de resenhas sobre música e artes, que foram originalmente escritos sob encomenda para revistas e jornais. Em seus ensaios, visita duas de suas paixões literárias: James Joyce e Marcel Proust, quando nem um nem outro eram vultos literários absolutos. Também se debruça sobre a obra de Dante, Vico, Mozart, Ezra Pound, e comenta trechos de sua própria obra. Em seus ensaios mais célebres, propõe reflexões teóricas sobre a arte e chega até a criar um personagem falso como forma de sátira, em um caso de hoax literário. Ao fim do volume, consta ainda o fragmento “Desejos humanos”, um esboço em forma de peça teatral mantido inédito até a publicação original deste volume, que é um verdadeiro exercício de investigação de dramaturgia composto por um dos maiores escritores no século XX e vencedor do Prêmio Nobel de Literatura. A tradução é de Fábio de Souza Andrade.

Novo livro de Umberto Eco reúne ensaios inéditos no Brasil
 
Publicado originalmente em 2006, A passo de caranguejo — Guerras quentes e o populismo da mídia sai com tradução de Sérgio Mauro pela editora Record. Os ensaios reunidos neste livro explicitam as mudanças dramáticas que ocorreram na política mundial desde o final do último milênio. Terminada a Guerra Fria, os conflitos no Afeganistão e no Iraque trouxeram a volta da guerra combatida ou guerra quente. Iniciou-se uma nova temporada de “cruzadas”, com o choque entre Islã e cristandade, reapareceram os fundamentalismos cristãos que pareciam pertencer à crônica do século XIX, com a retomada da polêmica antidarwinista e os neofascistas tomaram o poder em vários países. Os tempos são sombrios, os costumes são corruptos e até o direito à crítica é sufocado por formas de censura ou pela fúria popular. Nos ensaios, Umberto Eco mostra que a história, frenética com os saltos dados nos dois milênios anteriores, andou para trás, marchando rapidamente a passo de caranguejo.
 
Da autora fenômeno na Europa, um romance sobre os últimos momentos e as reflexões de Jesus Cristo.
 
“Em seguida, sabendo Jesus que tudo estava consumado, para se cumprir plenamente a Escritura, disse: Tenho sede.” (João 19:28) Em sua cela, Jesus aguarda o dia seguinte, quando será crucificado. Nesses últimos momentos de sua vida como homem, lembra de detalhes do julgamento pelo qual acaba de passar. Recorda, ironicamente, os depoimentos daqueles que foram agraciados por seus milagres, mas que agora já não veem neles tanta vantagem assim. Há a mãe que, tendo o filho curado de uma doença mortal, reclama que Jesus não tenha aproveitado para curar seu temperamento tão difícil. Ou o do casal de noivos em cuja festa de casamento Jesus transformou a água em vinho. Acusam-no de esperar muito tempo: “fomos ridicularizados por termos servido primeiro o vinho mediano...”. Sem conseguir dormir, o nazareno lembra-se também de como chegou até ali e confessa ter medo da morte, sobretudo da crucificação. Reflete sobre os três pilares da humanidade, aqueles que resumem o sentido de encarnar e ser humano: amar, morrer... e ter sede. Sede é, segundo a própria autora Amélie Nothomb, o livro de sua vida: tudo o que ela fez culminou na escrita desse breve romance. A obra trata das memórias de Jesus a respeito de seus últimos dias na terra. Traz humor e drama na mesma medida, mostrando o sofrimento de Jesus e seus questionamentos a respeito da humanidade e, ao mesmo tempo, fazendo-o de forma leve, com passagens de tom cômico e excêntrico.
 
Um pequeno clássico a ser descoberto, escrito pelo inglês Jerome K. Jerome.
 
Muitas risadas e algumas pitadas de melancolia aguardam o leitor de Devaneios ociosos de um desocupado, um pequeno clássico a ser descoberto, escrito pelo inglês Jerome K. Jerome (1854-1927). Best-seller em sua época, porém até hoje inédito no Brasil, o livro foi traduzido com o mesmo coloquialismo espirituoso do original por Jayme da Costa Pinto, autor também do posfácio.  Jerome, que dedica a obra a seu grande companheiro, o cachimbo, vai logo avisando que o ócio — o verdadeiro ócio — não se confunde absolutamente com o cotidiano tedioso de um preguiçoso amador. Dá até certo trabalho. “Há muito preguiçoso no mundo, muito marcha-lenta, mas um ocioso legítimo é coisa rara. Não é o sujeito que anda por aí, passos arrastados, mãos metidas nos bolsos. Ao contrário, a característica mais surpreendente do ocioso é estar sempre ocupadíssimo.” Contanto que tenha a possibilidade de, ao acordar diante de uma pilha de trabalho, virar de lado para aqueles “mais cinco minutinhos” de sono. Como em todo melhor humor, a piada começa com o próprio piadista. “O que os leitores hoje em dia buscam em um livro é que sirva para aperfeiçoar, instruir e edificar. Este livro falha nas três frentes. Não posso em sã consciência recomendá-lo para qualquer propósito útil.” Exagero, naturalmente. Pois seguem-se interessantíssimos ensaios sobre assuntos da maior urgência: do amor à privação, do clima à vestimenta, dos animais domésticos à memória, e até os apartamentos mobiliados. Pois, como observa Costa Pinto no posfácio, nem tudo é estripulia teatral ou pompa vitoriana. Jerome escreve como um “reflexo de um mundo em mudança, menos inocente, às portas de um novo século que seria inaugurado com a Primeira Guerra Mundial”. Os pequenos ensaios reunidos neste livro publicado em 1886 começaram a aparecer individualmente no ano anterior, na revista Home Chimes, publicação que tinha Mark Twain entre seus colaboradores. Dado o enorme sucesso, os textos não tardaram a sair em livro, com mil exemplares na primeira edição, que em pouco tempo se multiplicou por 13. É de supor que, além de provocar gargalhadas, os temas do livro tenham também cativado pela proximidade da vida comum dos leitores. Sua descrição dos hábitos paradoxalmente selvagens dos gatos e cachorros domésticos são de uma precisão cômica que só podem provocar identificação. Os tímidos — podemos considerar que todo mundo tem um pouco desse traço de caráter — se reconhecerão comicamente e, de certa forma, se sentirão vingados. E a pervasiva presença da vaidade em todo o universo com certeza fará o leitor pensar no assunto. O livro é publicado pela editora Carambaia.
 
Uma janela por onde podemos observar e sentir um pouco dos mistérios e do fascínio de uma sociedade milenar.
 
Natya: Teatro Clássico da Índia é um olhar apaixonado e profundo sobre as tradições e os desafios de uma cultura milenar, vistos por um de seus grandes especialistas entre nós. Almir Ribeiro nos faz uma vigorosa e amorosa introdução às artes e ao sagrado da Índia, de seus textos clássicos até seus principais expoentes na atualidade. Começa por abordar a tradição cultural da dança épica, os textos fundadores e mitos, o contexto atual, sem se esquivar dos renitentes problemas sociais que também se manifestam na esfera das artes, como a rigidez hierárquica das castas e o sexismo, sempre com base em sua profunda experiência pessoal. Depois, analisa a relação do teatro hindu com o Ocidente, sua recepção e a influência exercida em personagens fundamentais como Gordon Craig, Richard Schechner e Peter Brook. Aqui, as distintas facetas da experiência pessoal e da tradição cultural se aglutinam para compor uma obra que ultrapassa sua especificidade e nos aproxima de uma rica e viva cultura. O livro é publicado pela editora Perspectiva.
 
Segundo volume da obra poética de Yves Bonnefoy.
 
A presente edição traz para o leitor a poesia de Yves Bonnefoy, visto pela crítica e pelo público como o poeta francês de maior destaque na segunda metade deste século. Os dois volumes que compõem esta edição, em apresentação bilíngue, incluem a sua produção até 1993, um poema inédito e um prefácio redigido especialmente pelo autor para a edição brasileira de sua obra. O conceituado crítico Jean Starobinski diz, no prefácio que escreveu para a reedição de Poèmes, pela Editora Gallimard: “Talvez Bonnefoy (autor de admiráveis narrativas de sonho) chegue, finalmente, a uma trégua armada. Talvez, sem perder a sua esperança do ‘lugar verdadeiro’, chegue a aceitar que o espaço da palavra seja o entre-dois-mundos, e mesmo numa dupla aceitação: entre o mundo árido de nosso exílio e o jardim de presença’. Talvez seja necessário aceitar a imagem, a forma, as estruturas das línguas (que são o exílio conceptual) para aceder à presença, que não é uma transcendência segunda, mas um retorno consentido à verdade precária das aparências. A imagem pode conduzir-nos a isso, em que pese o seu ‘frio’, se evitarmos solidificá-la, se soubermos arrancar-lhe a confissão de sua própria precariedade.” A obra poética de Yves Bonnefoy já foi traduzida para mais de vinte idiomas e é reconhecida pela crítica como comparável ao que de melhor se produziu na França em todos os tempos. A presente publicação da Editora Iluminuras está em sintonia com uma longa tradição que se remonta, no Brasil, aos tempos coloniais, atravessa o século XIX e vai até a primeira metade do século XX, quando os intelectuais, escritores e poetas brasileiros frequentavam regularmente as letras francesas. Note-se que os brasileiros medianamente cultos liam, em geral, os textos franceses no original. Desde a Segunda Guerra Mundial, entretanto, a hegemonia militar, política e econômica dos Estados Unidos da América no mundo trouxe em seu bojo a predominância da literatura de língua inglesa e relegou para um lugar secundário todas as demais literaturas, incluindo a francesa. Isso fez com que a grande maioria dos brasileiros deixasse de dominar a língua francesa, e a produção intelectual, literária e poética da França, ainda que de altíssimo nível, só fosse acessível pela via da tradução. Eis o que justifica a presente edição da obra poética de Yves Bonnefoy em edição bilíngue. Traduzida por Mário Laranjeira, a antologia é publicada pela Editora Iluminuras.

O labirinto de relatos com que compõe o cenário árido do pós-guerra iraquiano.

“Onde quer que haja um vestígio do Estado Islâmico, existe uma vergonha.” De Mossul ao campo de refugiados de al Jaddah, Francesca Mannocchi percorre o labirinto de relatos com que compõe o cenário árido do pós-guerra iraquiano. “Uma pessoa que é obrigada a viver em um espaço imóvel não é imóvel; cresce na vertical, cresce em profundidade. Deixa germinarem as sementes das pulsões violentas. Busca uma razão e uma vingança.” Há neste mundo uma defesa da ambiguidade, da impossibilidade de afirmar: não há heróis ou vilões, não há soluções definitivas. Nós dividimos de modo muito claro carrascos e vítimas, humano e desumano, Ocidente e caos; aliviamos nossa consciência com narrativas simplistas, nas quais o Estado Islâmico é um monstro desconhecido que precisa ser aniquilado, e as terras sobre as quais criou raízes são apenas terras arruinadas abandonadas ao seu destino. No entanto, olhando mais de perto, descobrimos o quanto de irresistivelmente humano sobrou ali onde pensamos não haver necessidade de olhar mais nada. Não há um só retrato em Cada um carregue sua culpa que não nos afete: as mulheres viúvas de milicianos prontas para serem mães de outros mártires, os filhos dos carrascos do EI ao lado dos filhos das vítimas do EI no mesmo campo de refugiados; os juveníssimos órfãos do Califado que esperavam ser imolados em um atentado e agora, sem uma perna, miram o vazio; os adolescentes terroristas que se parecem com rapazes de qualquer periferia do planeta. Arqueóloga do presente, Mannocchi dá voz aos sobreviventes e aos carnífices, num contexto em que cada libertação é o começo da próxima guerra, e quem cada vítima é também algoz. O livro é publicado pela editora Âyiné.

Chega ao Brasil a obra de Marco Missiroli.
 
Carlo Pentecoste é professor. Margherita, sua esposa, é uma arquiteta de formação que virou corretora de imóveis. Carlo foi flagrado com Sofia, sua aluna, no banheiro da universidade. Margherita se torna cada vez mais íntima de Andrea, seu fisioterapeuta. Uma suposta traição se transforma em uma obsessão para Carlo e se torna uma potente motivação para as fantasias de sua esposa. Ainda assim, os dois têm um casamento sólido, estão prestes a comprar um apartamento, mas alimentam desejos extraconjugais arriscados. Entre as catedrais e arranha-céus de Milão e a província de Rimini, a narrativa se desenvolve em um fluxo delirante. Um romance que conta uma história universal de amor, traição, solidão e desejo. Fidelidade é publicado pela Globo Livros.

Um romance de aprendizagem com o luto, o rancor e a inaptidão para novos afetos.
 
Paula acredita que tem a rotina controlada: um relacionamento que já dura quinze anos, um trabalho como médica neonatologista, com a responsabilidade da vida nas mãos. Mas essa realidade desaba quando seu companheiro confessa que tem outra mulher e, horas depois, sofre um acidente fatal. Agora, ela precisa aprender a lidar com o luto, com o rancor, com a inaptidão para novos afetos e com um apartamento repleto de plantas deixadas por alguém que representava o seu laço humano mais íntimo. Com tradução de Beatriz Regina Guimarães Barboza e Meritxell Hernando Marsal, Aprender a falar com as plantas é publicado pela editora Dublinense.
 
REEDIÇÕES
 
Nova edição de Ave, palavra, de João Guimarães Rosa.
 
Este é um livro póstumo publicado pela primeira vez em 1970. A composição final da versão original foi concebida pelo amigo do autor e escritor Paulo Rónai, que, ao lado dos textos indicados por Rosa para integrar o livro, adicionou outros que o ficcionista mineiro havia começado a rever. Entre os textos aqui reunidos está “Fita verde no cabelo (Nova Velha estória)”, que se configura numa criativa evocação do célebre conto de fadas “Chapeuzinho Vermelho”, além de poemas que, apesar de raros, foram certeiros às ocasiões em que Rosa se rendeu à arte poética. Com foto na capa de Araquém Alcântara, a edição da Global tem também materiais complementares que fazem toda a diferença, como o texto de Fernanda Maria Abreu Coutinho, professora associada de Literatura da Universidade Federal do Ceará, intitulado “Fita verde no cabelo: a perenidade do era uma vez”.
 
Os novos títulos na coleção Acervo, da Carambaia.
 
O projeto editorial que reúne os livros publicados em tiragem limitada da editora Carambaia retoma com dois novos títulos; saem agora a coletânea de contos organizada pelos professores Hélio de Seixas Guimarães e Vagner Camilo O sino e o relógio, produto de um minucioso trabalho de pesquisa que recuperou mais de duas dezenas de textos publicados entre 1836 e 1879 do período do Romantismo no Brasil, e Jaqueta branca, de Herman Melville. O livro teve tradução de Rogério Bettoni foi publicado antes do conhecido romance Moby Dick é o relato de um marujo a bordo do navio de guerra Neverskink em trânsito entre Honolulu e Boston; numa passagem descreve a paisagem carioca e a visita do imperador Dom Pedro II e seu séquito à embarcação.

OS LIVROS POR VIR
 
A poesia de Samuel Beckett entre nós — enfim!
 
E, por falar em Samuel Beckett... A Relicário Edições prevê publicar no segundo semestre de 2022 a poesia completa do dramaturgo. Foi no final de novembro de 1989, pouco antes da sua morte que Beckett entrega para sua amiga o poema “What is the Word”, abrindo a oportunidade de revelar o restante de um trabalho parcimonioso que se desenvolveu durante mais de seis décadas; foi em 1984 que se publicou uma primeira versão da sua obra poética intitulada Collected Poems 1930-1978; mais tarde vieram novas edições reunindo outros textos do gênero. Agora, enfim, teremos uma nossa. 


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