Os melhores de 2021: poesia

 


— A mulher forte e outros poemas, de Gabriela Mistral (Pinard)
O nome da poeta chilena dispensa apresentações; é um dos mais importantes da poesia chilena, reconhecimento marcado pela Academia Sueca que a fez primeira figura da América Latina a receber o Prêmio Nobel de Literatura em 1951. Apesar dos laços estreitos de Gabriela Mistral com Brasil — ela morou por um tempo em Petrópolis, no Rio de Janeiro —, sua obra, nunca publicada integralmente por aqui, estava há muito fora de circulação. Através de um financiamento coletivo — tem sido essa a alternativa da jovem editora que publicou a obra aqui citada —, conseguimos acessar o que é a primeira antologia mais generosa da poeta entre nós. Com tradução e organização de Davis Diniz, o livro reúne mais de oito dezenas de textos e é, por tudo o que se afirmou até agora, um dos feitos mais importantes envolvendo a poesia de Mistral.
 
— Poesia reunida (1968-2021), de Leonardo Fróes (Editora 34)
Este como primeiro título dessa lista e outros é também um importante feito para os leitores de poesia no Brasil. Publicado no âmbito da Coleção Poesia, estão reunidos todos os livros de um dos mais importantes dos nossos líricos tardios — da sua estreia, em 1968, com Língua franca, passando por Sibilitz (1981), Chinês com sono (2005), até alcançar o inédito A pandemônia e outros poemas, deste ano. Organizado por Cide Piquet, este aliás, foi apenas um dos títulos do poeta que chegou aos leitores no profícuo ano marcado ainda pela reedição dos ensaios sobre Fagundes Varella (pela Corsário-Satã) e a reunião de textos feita por Victor da Rosa Natureza: a arte de plantar (Cepe Editora). Se ainda for pouco, a sua tradução para um dos clássicos da literatura inglesa, Middelmarch, ficou na agulha para ser publicado no início de 2022.
 
— Risque esta palavra, de Ana Martins Marques (Companhia das Letras)
Da nova geração de poetas, este é um nome que o leitor encontrará fixado entre os mais importantes. Neste livro, o impasse, o neutro, a indecibilidade, o não-lugar formam seu ponto referencial ou nodal. Ao dizer isso, descobrimos a aporia visível desde o título: como riscar a palavra se com ela nomeamos o mundo e é a palavra o instrumento essencial ao poema? Ou seja, o poema é notoriamente um objeto informe porque fixado no interior do dilema da própria linguagem: dizer o mundo mas não alcançá-lo, visto que, tudo o que se nomeia é convencionado por cada sistema linguístico e mesmo no interior deste padece de variabilidades sempre distintas.
 
— Lumes, de Ana Luísa Amaral (Iluminuras)
Este é o primeiro da poeta portuguesa que chega ao Brasil depois de receber um dos mais importantes galardões para a poesia: o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana. Neste livro, Ana Luísa Amaral continua o atento exame pelo miúdo do cotidiano — um exercício que é o de extrair seu valor ou sua importância na correnteza dos excessos que preenchem agora nosso tempo de excessos esvaziadores. Se resta a algumas poéticas interessadas no que a poeta portuguesa aqui se interessa um traço de melancolia — e isso encontramos na poesia de Louise Glück, referida mais adiante —, a inquietação de Amaral é circulada por um fino humor capaz de transformar o corriqueiro em leve beleza.
 
— Azagaia, de André Capilé (Edições Macondo)
A arma que atribui título a este livro assume feições das mais variadas e uma delas, tão cortante quanto, é a própria memória. Esta voa e se fixa como palavra que, por sua vez, reanima a infância e outras muitas paisagens de um passado impossível de se conter com o presente, mesmo que este se demonstre mais radical e cruel que aquele. Ainda expandindo os horizontes da palavra-título, uma tarefa de toda da poesia, nunca é demais lembrar, azagaia é também o livro, essa arma que se abrindo serve de afeto contra o desenxabido mundo exterior.
 
— Por que eu odeio, de Claude McKay (Grafatório)
A potência referida em André Capilé é encontrada em alto timbre neste livro do jamaicano McKay, considerado um rapper antes da aparição do rap. A vida cotidiana no Harlem, berço cultural da cultura afro-americana, é neste livro, exposta sob a marca do ódio necessário contra as imposições dos modos de vida. Aqui foram reunidos 24 poemas numa edição bilíngue, especialíssima, preparada por Felipe Melhado e Gabriel Daher, os tradutores para o português.
 
— Trabalho poético, de Carlos de Oliveira (Oficina Raquel)
O ano de 2021 marcou o centenário desse importante nome do neorrealismo português nascido no Brasil — em Belém, no Pará. O título foi empregado por ele para uma antologia publicada em 1976 que reuniu todos os seus livros de poesia: Turismo (1942), Mãe pobre (1945), Colheita perdida (1948), Descida aos infernos (1949), Terra da harmonia (1950), Cantata (1960), Micropaisagem (1968), Sobre o lado esquerdo, o lado do coração (1969), Entre duas memórias (1971) e Planície (1976); mais tarde também Pastoral (1977). A obra marcou uma retomada e uma revisão do escritor na sua vivência com a poesia e embora não seja a edição com todos esses títulos a que aqui se apresenta é uma rica seleção preparada e organizada por Ida Alves, quem, além das suas recolhas juntou as indicações do trabalho de consulta a importantes nomes da crítica literária dentro e fora do Brasil. Não apenas pela singularidade da efeméride, esta edição é um convite a re/ descobrir um dos nomes fundamentais das literaturas de língua portuguesa do século XX.
 
— Itinerário do tempo, de Jonas Leite (Pedro & João Editores)
Produto de um poeta bem-nascido. Se há predominância da exploração das movências do corpo, entregue ao estupor do amor, ansioso do gozo ou nele realizado, não é esta a única diretriz que mostra como o plano de um projeto a se acompanhar de perto sua desenvoltura; também o cotidiano íntimo, ou a vida aberta para a grande paisagem, as perquirições do fazer poético, o duelo entre o eu e o tempo em suas plurais dimensões, os estreitamentos com o mito, formam pelo menos cinco das linhas evidenciadas aqui e possíveis de desenvolvimento. Talvez um poeta nunca nasça com o primeiro livro, mas toda vez com o livro por vir.

— Reclamar do direito de dizer tudo, de Julieta Marchant (Editora Moinhos)
Se no referido livro de Ana Martins Marques, o imperativo do riscar impunha uma dinâmica outra ao escrito e ao conteúdo poético, aqui, o direito de dizer tudo, qual enuncia o título, se constitui em reclame. Entramos, portanto, no universo avesso da outra poética, porque enquanto riscar pressupõe um reencontro com o silêncio, em Marchant é a palavra o centro de tudo. Talvez porque respire-se outro contexto, o em que a natureza do silenciar não é a de encontro com a poesia mas a imposição de um poder. Este é o primeiro livro da poeta chilena publicado no Brasil — com tradução de Ellen Maria Vasconcellos.
 
— Não sonhar flores, de Ida Vitale (Roça Nova)
A obra da poeta uruguaia tem sido multiplamente reconhecida nos últimos anos; para se ter uma noção disso basta citar três premiações das mais importantes recebidas entre 2014 e 2018 — estão entre elas o Prêmio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana e o Prêmio Miguel de Cervantes. E esta antologia organizada e com textos traduzidos por Heloisa Jahn abre as portas do Brasil para a obra de Ida Vitale, uma poeta que demonstrou, reiteradas vezes, estreitamentos com a nossa poesia como leitora e crítica da  obra de Manuel Bandeira ou Cecília Meireles. A antologia reúne seis livros da poeta assim traduzidos: TremaProcurado impossívelSonhos da constânciaOuvidor andanteCada um em sua noite e Palavra dada. Como outros trabalhos aqui listados, este é um dos grandes feitos do mercado editorial brasileiro em 2021.
 
— Poemas 2006-2014, de Louise Glück (Companhia das Letras)
A recepção por aqui desta antologia que reúne três dos títulos mais recentes da vencedora do Prêmio Nobel de Literatura 2020 foi um tanto morna. Ainda que os leitores de poesia sejam raros, o silêncio contrasta violentamente com a repercussão entre nós da obra de uma Wislawa Szymborska. Talvez a coisa se explique por um ponto já levantado nesta lista quando falamos sobre a natureza melancólica dos interesses poéticos de Glück. Os três livros que compõem este volume são: Averno (2006); Uma vida no interior (2009) e Noite fiel e virtuosa (2014). Este livro é fruto de um esforço de três tradutoras, Heloisa Jahn, Bruna Beber e Marília Garcia.

 
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Comentários

Anônimo disse…
belíssimas escolhas, pessoal!
uma boa passagem de ano para vocês (:

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