Boletim Letras 360º #459
DO EDITOR
1. Caro leitor, reitero aqui os
votos para o fim e começo de ano distribuídos nas redes sociais do Letras:
“Que na loucura encontremos algum descanso e no descanso alguma paz e na paz
alguma esperança. Votos de um libertador e promissor 2022”.
2. Não deixo de lembrá-lo sobre o
segundo sorteio do pequeno clube de apoios ao Letras. Desta vez, o leitor
premiado receberá três títulos enviados pela PontoEdita. São eles: Ida Um
romance, de Gertrude Stein; Faça-se você mesmo, de Enzo Maqueira; e Desvio,
de Juan Francisco Moretti.
3. Você pode se informar como se inscrever para
sorteio que acontece em janeiro aqui. E caso busque algo mais sobre esses
títulos pode consultar o site da editora ou visitar uma das publicações nas
nossas redes sobre o clube: aqui, no Facebook, ou no Instagram.
4. Obrigado pela companhia, pela
leitura e pelo apoio ao trabalho do Letras!
Marina Tsvetáeva. Foto: Arquivo Museu Casa de Marina Tsvetáeva. |
LANÇAMENTOS
O último livro da obra completa
do poeta Max Martins.
Say it (over and over again) reúne a poesia inédita de Max Martins e a publicada esparsamente em jornais e
revistas, além de fragmentos extraídos de diversas fontes, a maior parte do
acervo do poeta, adquirido pela Universidade Federal do Pará em 2010 e conservado
no Museu da UFPA. Como explica Age de Carvalho, organizador da obra completa de
Martins, na apresentação do livro, “foram pesquisados 58 cadernos de poesia (em
diversos formatos e número de páginas) e 43 diários e agendas (idem), oriundos
do acervo da UFPA e do meu arquivo particular; toda a longa correspondência que
mantivemos durante 24 anos (1980-2004); recortes de jornais, áudio de
entrevistas (entre elas, o longo depoimento que concedeu ao Museu da Imagem e
do Som/ Pará, em 1996) e papéis avulsos, não organizados e por vezes de difícil
datação, recolhidos em pastas formato A4”. O livro também apresenta alguns
manuscritos originais do poeta em fac-símiles e tem posfácio assinado por
Benedito Nunes. No prefácio do livro, Age de
Carvalho conta que, em conversa ao telefone, em 2003, Max lhe falara do plano
de um último poema, que teria o título “Say it (over and over again)”, retirado
de uma composição de John Coltrane, do disco Ballads, presente do amigo
José Edison Ferreira, a quem o livro é dedicado. O projeto de reedição da obra
de Max Martins foi iniciado em 2015 com a publicação de três volumes: O
estranho, Colmando a Lacuna, e Caminho de Marahu. No ano
seguinte publicou-se H'Era, O risco subscrito, A fala entre
parêntesis (com Age de Carvalho) e Para ter onde ir. Em 2018,
mais três volumes foram publicados: Anti-retrato, 60/ 35 e Marahu
poemas. Pela primeira vez, os livros de Max Martins ganham reedições em
volumes independentes. Em edição de luxo, capa dura revestida em linho, sobrecapa
com fotos de Béla Borsodi, fina impressão e prefaciadores de alcance nacional,
as publicações da Coleção marcam o retorno ao cenário literário daquele que é
considerado por muitos o maior poeta paraense, ampliando o alcance de sua
poesia para além das fronteiras do estado.
Colenda, uma nova editora no
Brasil.
Saiu na Folha de São Paulo
melhores detalhes sobre a esperada editora brasiliense Colenda, tocada por José
Nunes, autor do projeto “Como eu escrevo”. A notícia é que em janeiro de 2022 a
nova casa chega com quatro lançamentos: Más intenções, coletânea de
contos da espanhola Elena Alonso Frayle; A autobiografia de um ex-negro,
romance de 1912 do estadunidense James Weldon Johnson; Trabalhar cansa,
a obra-prima do poeta italiano Cesare Pavese que tinha sido editada pela
extinta Cosac Naify e se apresenta em nova tradução de Andréia Riconi; e Os
frutos da terra, poema em prosa do escritor francês Prêmio Nobel de
Literatura André Gide, fora de catálogo há muito e que se publica também em
nova tradução, de Renata Lopes Araujo. A ideia é que esses dois últimos autores
ganhem espaço amplo na Colenda, que tem intenção de publicar a obra completa de
ambos. A editora abriu chamada para envio de originais de escritores
brasileiros; o interesse é pelo título de uma escritora. Então, se este é seu
perfil — recado dado.
Pensar a cultura de direita.
A cultura de direita é uma cultura
na qual o passado é uma espécie de mingau homogêneo que pode ser preparado e
conservado de maneira muito útil. Cultura em que prevalece uma religião da
morte ou uma religião dos mortos exemplares. A cultura em que se declara que
existem valores não questionáveis, indicados por palavras iniciadas por letra
maiúscula, especialmente Tradição e Cultura, mas também Justiça, Liberdade e
Revolução. Em suma, uma cultura feita de autoridade, de segurança mitológica em
relação às regras do conhecimento, do ensino, do comando e da obediência. A
maior parte do patrimônio cultural, mesmo das pessoas que não querem, hoje, de
forma alguma, ser de direita, é um resíduo cultural de direita. Nos últimos
séculos, a cultura protegida e ensinada foi, sobretudo, a cultura de quem era
mais poderoso e mais rico, ou, mais exatamente, não foi, a não ser minimamente,
a cultura das pessoas mais fracas e mais pobres. É inútil e irracional ficar
escandalizado com a presença desses resíduos, no entanto é necessário tentar
saber de onde eles vêm. Original estudioso da mitologia moderna, Jesi dedica os
estudos aqui reunidos a identificar as matrizes subterrâneas e a linguagem das “ideias
sem palavras” da cultura de direita entre os séculos XIX e XX; e o faz
desmascarando os clichês, fórmulas e slogans que aludem a um “vazio” a ser
preenchido com materiais mitológicos, um núcleo mítico profundo e
incognoscível, mas fundador e modelador, ao qual se referem os “valores não
questionáveis” de Tradição, Passado, Raça, Origem, Sagrado. Partindo dessa
perspectiva, Jesi investiga o esoterismo de Julius Evola e o luxo retórico de
D’Annunzio, as páginas de Liala e Pirandello, os aparatos linguísticos e
icônicos subjacentes ao fascismo e neofascismo, nazismo e racismo. Esta
primeira edição brasileira de um livro ainda muito atual é acompanhada por três
textos inéditos e uma entrevista. Com tradução de Davi Pessoa, Cultura de
direita é publicado pela editora Âyiné.
Outra novidade da escritora
Marina Tsvetáeva para os leitores brasileiros.
O ano de 2022 parece ser o de
Marina Tsvetáeva. Além das esperadas antologias de poesia pela PontoEdita
(apresentada na edição anterior deste Boletim) e da Editora 34, sai Textos
exilados, um livro organizado por Ana Alvarenga; ela recolhe poemas e
fragmentos de cartas e diários da escritora russa Marina Tsvetaeva, guiada
pelos seguintes significantes: “vazio”, “exílio”, “estrangeiro”, “partida”,
“natureza”, “amor” e “morte”. É com essas palavras nas mãos que ela desenha
aqui sua experiência tradutória: “Assim vamos não todas nós nos traduzindo,
umas nas outras”, escreve Ana. “Assim também textos exilados, extraviados e
eternizados em vozes tão mudas quanto permanentes, tão incompreensíveis quanto
reveladoras”. O livro é publicado pela Cas’a edições.
Música e Literatura na Semana
de Arte Moderna.
Chega pelo selo SESC-SP um
conjunto de quatro CDs que reúne pela primeira vez as obras que foram
apresentadas nos três dias da Semana de Arte Moderna de 1922. Esse conteúdo se
complementa com trechos de conferências e poemas lidos durante a semana e que igualmente
carecem de divulgação. Tendo como intérpretes principais dois dos mais
importantes músicos brasileiros da atualidade — o violinista e maestro Cláudio
Cruz e o pianista Cristian Budu — o projeto conta ainda com as participações de
Ana Valéria Poles (contrabaixo), Antonio Meneses (violoncelo), Claudia
Nascimento (flauta), Douglas Braga (saxofone), Homero Velho (barítono), Liuba
Kletsova (harpa), Ricardo Ballestero e Ricardo Castro (piano), Mônica Salmaso
(canto), Luca Raele (clarinete), Leandro Roverso (celesta), Robson Fonseca,
Amanda Martins e Soraya Landim (violinos), Lígia Ferreira e Antonio Salvador
(voz), e do Quarteto Carlos Gomes. Junto com esse material, um livreto reúne os
textos sobre o projeto, além dos trechos de conferências e poemas apresentados
na Semana de 22. O livreto e parte do material que chegará aos interessados a
partir de fevereiro de 2022 podem ser acessados aqui.
Arquivos do antimodernismo de
Graciliano Ramos.
É a perspectiva de um artista que
duvida da idolatria ao progresso e recusa o fascínio pelo novo, quando tais
exageros ignoram as desigualdades sociais do país. Mas é bom evitar confusões:
não se trata de uma defesa do tradicionalismo nem de reacionarismo. O que se vê
neste livro — seja na intimidade das cartas, desde os anos 1920; em texto do
início dos anos 1930, escrito em Alagoas; ou em entrevistas e crônicas
posteriores à prisão, desde 1937 até o começo dos anos 1950, quando a morte já
se avizinhava — é um Graciliano incomodado com os descaminhos da civilização
ocidental, e que manifesta sua postura desconfiada e vigilante de modo
contínuo. O antimodernista: Graciliano Ramos e 1922 é organizado pelos
pesquisadores Tiago Mio Salla e Ieda Lebensztein; chega aos leitores pela
editora Record em fevereiro de 2022, isto é, no epicentro do centenário da
Semana de Arte Moderna de São Paulo. A antologia reúne ensaios, resenhas,
entrevistas e correspondências do escritor que têm como ponto de interesse uma
compreensão desapaixonada do movimento modernista.
Com este livro a editora
Autêntica conclui a publicação da prosa romanesca de Campos de Carvalho.
No verão de 1958, durante uma
visita ao Museu Histórico de Filadélfia, Hilário, narrador-personagem de nossa
história, tem sua vida impactada por um púcaro búlgaro. “Quase a contragosto e
com o espírito sempre o mais elevado”, ele decide embarcar em uma expedição que
pretende comprovar a existência ou não da Bulgária, já que da existência dos
púcaros ele não duvida. É acompanhado por Pernacchio, Radamés, Expedito e Ivo
Que Viu a Uva, tripulantes angariados em um anúncio de jornal. “Do que se
passou e sobretudo do que não se passou nessa expedição já famosa é o relato
que se vai ler […] o mais pormenorizado e o mais honesto possível, embora tenha
sido reduzido ao mínimo para que pudesse caber num só volume e mesmo num só
século — o que afinal se conseguiu.” Comparado a Henry Miller e outros autores
consagrados, Campos de Carvalho é importante destaque em nossa literatura. O
púcaro búlgaro, último romance escrito pelo autor, em 1964, atesta sua
força e explosão de criatividade, de crítica ferina ao status quo. Sua obra é
uma celebração ao caos que constitui a própria existência: não busca construir
simulacros críveis da realidade, mas explorar seus absurdos, seus furos e suas
inconsistências, sempre questionando, com humor incomparável, nosso cotidiano.
Luiz Ruffato e o modernismo de
Cataguases.
No ano em que se comemoram os 100
anos da Semana de Arte Moderna, o premiado romancista Luiz Ruffato apresenta
uma importante contribuição para a compreensão do desenvolvimento e
consolidação das ideias modernistas no Brasil, por meio de uma abordagem sobre
o movimento vanguardista ocorrido em Cataguases (MG). A revista Verde,
lançada em 1927, reuniu em suas páginas o que de melhor e mais ousado havia em
termos de produção literária naquele momento, com explícito incentivo, moral e
financeiro.de nomes como Mário de Andrade, Alcântara Machado, Prudente de
Morais Neto e Oswald de Andrade, entre outros. Ao contrário do que até hoje a
historiografia aborda como “fenômeno inexplicável”, Ruffato demonstra, de
maneira cabal, que o surgimento desse movimento numa localidade do interior de
Minas Gerais deveu-se a uma convergência de fatores econômicos, sociais e
culturais. Na época, a aristocracia cafeeira de Cataguases estava se
transformando em burguesia industrial e a sede do município, um núcleo urbano
consolidado, agregava uma população em torno de 16 mil pessoas -Belo Horizonte,
capital do estado, tinha cerca de 100 mil habitantes. Além disso, a cidade
contava com ótimo sistema educacional e uma geração intelectual ávida por
novidades, tanto na literatura (Rosário Fusco, Ascânio Lopes, Guilhermino
César, Francisco Inácio Peixoto), quanto no cinema (Humberto Mauro). De certa
forma, o movimento Verde marca o início do fim da fase heroica e radical do
modernismo. A revista Verde, de Cataguases: Contribuição à história do
Modernismo é publicado pela editora Autêntica.
REEDIÇÕES
A L&PM Editores também publica uma tradução de Ubu rei, como a peça precursora do modernismo.
Dezembro de 1896. Estreia de Ubu rei, em Paris. Após uma rápida apresentação feita pelo próprio Alfred Jarry (1873-1907), entra Ubu acompanhado de sua mulher, Mãe Ubu, ambos grotescos. Numa Polônia imaginária, Ubu mata o rei, usurpa o poder e inflige aos inimigos todo tipo de tortura, com o auxílio de instrumentos malignos, como uma máquina de desmiolar. Seguem-se mortes, pilhagens, cinismo e covardia, tudo sem meias medidas. Ubu, o primeiro anti-herói da história do teatro, totalmente mau em todos os sentidos, é um concentrado de maldade e violência. Ao mesmo tempo, é irônico, cínico, divertido e ridículo, um espelho grotesco da iniquidade da condição humana. Não à toa, o texto parodia Macbeth, de Shakespeare, além de conter claras referências a Hamlet e Rei Lear. Após a curta temporada de apenas duas apresentações, a peça foi tirada de cartaz e reencenada somente um ano após a morte do autor. Absurdo e irracionalismo filosófico — pedras angulares da cultura do século XX — foram demais para os espectadores do fim do século XIX. Hoje um clássico, Ubu rei marca também o início da modernidade no teatro, além de ser precursor do dadaísmo, do surrealismo e do teatro do absurdo. Bem menos escandaloso quase cem anos depois, sempre uma obra-prima. A tradução é de Theodomiro Tostes.
OBITUÁRIO
Morreu Joan Didion.
Joan Didion nasceu em Sacramento a
5 de dezembro de 1934. Formada em Inglês pela Universidade da Califórnia,
destacou-se como jornalista (com colaborações na The New York Review of Books e
na The New Yorker), ensaísta e romancista. No âmbito do romance escreveu nove
títulos, dentre os quais, Democracia (Nova Fronteira) e A última
coisa que ele queria (Record) estão traduzidos no Brasil. Por aqui, são os
livros de corte pessoal os que se destacaram — e também na sua carreira —, tais
como O álbum branco, O ano do pensamento mágico, com o qual
ganhou o National Book Award em 2005, e Blue Nights, os três publicados
recentemente por pela HarperCollins Brasil. Em 2021, a editora Todavia publicou
Rastejando até Belém, uma amostra de sua atividade como ensaísta. Foi no
ensaio que Didion recebeu o Prêmio Médicis em 2007. A escritora morreu a 23 de
dezembro de 2021 em Manhattan.
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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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