Prazeres febris: dois poemas de Ada Negri

Por André Cupone Gatti



 
Ada Negri (1870-1945), escritora nascida em Lodi, na Lombardia, é um daqueles nomes muitas vezes negligenciados quando se fala da literatura italiana do século XX. No que diz respeito à poesia, especialmente, lembra-se de Ungaretti, Montale, talvez Pasolini e Saba, mas raramente discute-se a obra de Ada Negri. Mesmo na Itália, ela parece ter sido eclipsada pela ideia de uma poeta retrógrada, de inclinação patética, demasiado emotiva; somente nos últimos dez anos sua obra vem sendo revista, reinterpretada e republicada no seu país natal com interesse renovado (ponto alto desse movimento é a edição das obras completas de Negri, publicada pela Mondadori em 2020).
 
Influenciada pelas principais vertentes literárias da Itália do final do século XIX, ou seja, o verismo e o decadentismo, Ada Negri forjou sua poética sob os signos da melancolia, do fatalismo e da solidão feminina, não obstante a denúncia social e o patriotismo estarem presentes em significativas obras. Sua poesia, apesar de portar notável senso trágico, notável pessimismo leopardiano, traz como contraponto a expressão entusiástica de uma visão que rejeita a ideia, tão enraizada no ocidente, de que as mulheres são fracas; e que jamais perde de vista a origem plebeia da poeta, dando destaque ao mundo das pessoas humildes e à dureza poética que nele habita. A obra de Ada Negri é tão trágica como exultante, tão impressionista como expressionista, tão interessada nas questões da alma como na simplicidade do concreto, é, em suma, uma obra suficientemente ambígua para ainda nos interessar.
 
Mulher independente econômica, afetiva e culturalmente, entusiasta do socialismo, o que a levou a ter contato com Filippo Turati, Anna Kuliscioff e o jovem Benito Mussolini; criadora inquieta que no arco de sua vida foi da defesa de causas sociais a uma religiosidade ardorosa e reclusa; prosadora, articulista e poeta, Ada Negri é lembrada hoje principalmente por obras de teor exemplarmente fatalista, vivencial ou social (Fatalità, 1892; Dal Profondo, 1910; Esilio, 1914; Orazioni, 1918 — na poesia; Le solitarie, 1917 — na prosa).
 
Trago a este artigo, porém, dois poemas de um livro mais periférico de Negri, pelo menos na fama: I canti dell’isola, de 1924. Apesar de não ser considerado uma das obras paradigmáticas da poética negriana, nele encontramos poemas nos quais podemos divisar claramente a tensão entre prazer e dor, natureza e páthos, surpreendendo a franqueza das forças que agem na poesia de Negri. Escrito durante a estadia de um ano da autora na ilha de Capri, I canti dell’isola fala do magnetismo das coisas materiais e da voragem das sensações. Os dois poemas que traduzo a seguir exemplificam a fúria sensorial e o amor amaro que permeiam quase todo o livro.
 
 
CANSAÇO
 
Agora buscarás repouso, sob as alfarrobas: pois os olhos
o sol da Ilha louca te enlouquece. Agora os olhos
 
fecharás sobre a relva: até que se apague o ofuscamento.
Não sabias que a beleza fosse tão grande padecimento.
 
Aos aromas que permeiam a mata, para dormir, pedirás graça:
esta é terra impiedosa, de muita delícia te mutila, te amassa.
 
Lá embaixo, na cidade, vozes que amavas, tão necessárias, que te eram  
tão doces: vozes do sangue: não são mais tuas, não mais te apelam.
 
Esta é terra impiedosa, te rouba de ti mesma, te esvazia de memória,
então, com uma solar risada, te arremessa ao mar, consumada escória.
 
Se queres salvar-te, vai. — Amanhã será muito tarde.
Mas talvez não te queres salvar. — Cala, então. Abandona-te. Arde.
 
 
SANGUE
 
Entre as ervas dão sangue as papoulas, colhê-las todas não posso,
e aquelas que eu colho, morrendo, em meu coração coalham.
Mas destroçando cem, cem borbotam, e a Ilha inteira de vermelho jorra:
quem a feriu de faca, quem a feriu de amor?
 

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