O que se aprende nos romances

Por David Toscana

Ilustração: Paul Davis


 
Em Humilhados e ofendidos, Dostoiévski tem uma personagem que celebra a prosa e condena a poesia. Pois “os versos são absurdos”, enquanto “com a prosa pode instruir-se o povo, falar do amor da pátria, da virtude”.
 
Assusta-me pensar em um romance instrutivo ou didático, mas é verdade que lendo ficção se aprende muito. Dom Quixote é meu mestre em muitos sentidos, acima de tudo foi meu professor de ética; também aprendi com ele muito sobre a ousadia, ainda mais do que com a Ilíada; oferece aulas de liberdade de atitude, expressão e pensamento, e basta lê-lo ou ouvi-lo ler para compreender as belezas da língua espanhola.
 
Alguém pode dizer que um romance não deve ser didático ou moralizante, mas a verdade é que em muitas passagens Dom Quixote é exatamente isso. Muitos diálogos com Sancho têm esse tom, principalmente quando ele dá conselhos sobre governar. E não esqueçamos o discurso das armas e das letras, em que dá destaque às armas porque:
 
“e é coisa bem averiguada e certa, que aquilo que mais custoso é em maior estima deve ser tido: alcançar alguém a eminência das letras, coisa é que custa tempo, vigílias, fome, nudez, vágados de cabeça, padecimento de estômago e outras semelhantes a estas, que já em parte deixo apontadas; mas chegar a ser um bom soldado custa tudo isto por que passa o estudante, e em grau tanto mais subido, porque a cada passo se acha no risco de perder a vida”.
 
Duas frases de Dom Quixote sempre estiveram na minha cabeça desde que o li pela primeira vez. “Pela liberdade, assim como pela honra, pode-se e deve-se arriscar a vida; e, ao contrário, o cativeiro é o maior mal que pode sobrevir ao homem”. E outra que serve de incentivo: “Saiba, Sancho, que não é um homem mais do que outro se não faz mais do que outro.”
 
Suponho que aceitar de bom grado Dom Quixote como um homem sábio que nos dá aulas está na magia da prosa de Cervantes. Se eu o comparar com Tolstói, vejo que o russo foi um grande romancista quando queria contar histórias, mas se tornou cansativo e irritante quando começou a moralizar. Pózdnichev, o protagonista de A sonata a Kreutzer, dá vontade de mandar calar a boca; o que é conseguido fechando o livro. Ressurreição ou contos como “De quanta terra um homem precisa?” são cansativos no estilo de A mãe de Górki.
 
“É que a nossa alimentação excitante e excessiva, em combinação com a completa ociosidade física, mais não é do que o atiçamento sistemático da volúpia.” — diz Pózdnichev. Ou, entre muitas outras bobagens: “Tente dizer a uma mãe, ou a uma menina, que a sua única ocupação é apanhar um noivo. Meu Deus, que ofensa! No entanto, não fazem mais do que isso, e não têm mais nada que fazer.” A questão é que Tolstói não criou Pózdnichev como um cretino insuportável, mas como seu próprio porta-voz.
 
Comparemos as frases de Cervantes sobre a liberdade e o fazer, com esta de Górki, que parece sair de um livro de autoajuda: “Quando você vai para a frente, tem que lutar até contra você mesmo. Você tem que saber como sacrificar tudo, até seu coração. Consagrar sua vida a uma causa, morrer por ela, não é difícil. Sacrifique mais, sacrifique também o que é mais caro para você do que a vida: então, o que é mais caro em você crescerá fortemente, a sua verdade!”. Quase ouço You are a child of th universe e a voz de Manuel Bernal.
 
Muita gente desconfia do contrário: que os ensinamentos dos romances são imorais e por isso muitas obras foram censuradas, principalmente para as mulheres, e os romancistas foram perseguidos. Mas o que havia de mais assustador neles eram as questões sexuais, a famosa “obscenidade”. Existem Lolita, O amante de Lady Chatterley, Ulysses, Moll Flanders, Madame Bovary, as obras do Marquês de Sade e tantos outras.
 
É curioso que Dostoiévski não tenha convivido com esse tipo de censura quando apresenta as cenas mais perversamente eróticas entre os clássicos do século XIX. Ele mesmo se assustou com um episódio que escreveu para Os demônios e decidiu cortá-lo, mas felizmente sua viúva o trouxe à luz e faz parte do romance em edições não pudicas. Em muitas passagens violentas de Dostoiévski, é difícil detectar se há espanto ou fruição. “Você já testemunhou como o camponês bate na mulher?” Se pergunta e responde: “Depois de amarrá-la ou colocar os pés dela nos buracos que ele fez anteriormente em uma tábua, passa a espancar a consorte de maneira metódica, fria, até grave, com traços medidos [...] ouvindo com prazer os seus gritos e súplicas”. E segue narrando mais atrocidades, com a justificativa de “A vida do camponês carece de prazeres estéticos ... música, teatros, jornais e, naturalmente, tem que preencher esse vazio com alguma coisa”. Ele fala conosco depois que o camponês passou a gostar de pendurar sua esposa de cabeça para baixo, “como fazia com as galinhas”. E continua: “Ele a pendurava e ficava tão tranquilo para comer o mingau [...] voltava a pegar uma coleira e se lançava golpes contra ela”.
 
Cito esta passagem meramente violenta; mas quem leu Dostoiévski na íntegra sabe que em muitas histórias essa mesma violência se mistura com doses de erotismo e de pedofilia.
 
Os clássicos nos ensinam, nos orientam em muitas questões da condição humana, embora nem todas as lições devam ser morais ou edificantes. Nem todas as obras podem ser forçadas a falar com uma moral presente. E nem todos os valores humanos são valores em todos os momentos da história. Estou pensando, por exemplo, na ideia de liberdade. Parece boa, mas às vezes torna-se um hierarquicamente inferior à obediência.
 
Pensei nessas coisas ao ouvir um debate sobre a Odisseia. Que moral poderia nos dar um homem que mata os cento e oito pretendentes de sua esposa? Sem pensar muito sobre isso, talvez ensine que um homem deve matar os cento e oito pretendentes de sua esposa.

* Este texto é a tradução livre de “Lo que se aprende en las novelas”, publicado aqui, em Letras Libres.

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