Boletim Letras 360º #451
DO EDITOR
1. Caro leitor, findou a espera.
Alguém esperava? Tomara. Revelamos em nossas redes na sexta-feira os livros do
primeiro sorteio para a campanha que desenvolvemos para manutenção do blog.
2. No dia 26 de novembro, às
vésperas do aniversário de 15 anos online do Letras, conheceremos o ganhador do
kit ofertado pela Editora Mundaréu. Você pode saber tudo sobre aqui. Se estiver
numa das redes do blog pode consultar mais detalhes no Instagram, no Facebook
ou no Twitter.
3. Você pode ajudar também
passando adiante as informações dessa nova ideia. No mais, ficam os
agradecimentos pela partilha nessa estrada. Boas leituras!
Alejandra Pizarnik |
LANÇAMENTOS
Outros dois livros de Alejandra
Pizarnik ganham tradução no Brasil. A Relicário Edições publica Extração da
pedra da loucura e O inferno musical.
Na Idade Média, acreditava-se que
a loucura era consequência do crescimento de saliências ou tumores que se
projetavam da testa: dois chifres retorcidos, talvez, expressando o inferno
interior da loucura. Foi um tema recorrente na literatura da época, bem como
inspiração de artistas que procuravam compreender a loucura através daquela
imagem inquietante. Não por acaso, pintores como El Bosco, Van Hemesen e
Bruegel se inspiraram na estranha metáfora, tentando compreender através dela
aquela escuridão meridiana que habita a mente humana. Alejandra Pizarnik
igualmente sonhou com a pedra da loucura para construir a imagem de sua dor. Provavelmente
por isso, A extração da pedra da loucura (1968) é sua obra emblemática.
A palavra como uma visão do eu que se oculta, que se bate e se perpetua, e
também se despedaça, abrindo-se em dois lados sem nome que nunca se encontram.
Uma ideia quase destrutiva, mas ao mesmo tempo perfeitamente compreensível para
uma autora que, durante a maior parte da vida, contornou os limites da angústia
e se valeu dela para criar. Está edição traz prefácio de Nina Rizzi e posfácio
do tradutor Davis Diniz. Em O inferno musical (último livro de Alejandra
Pizarnik, publicado em 1971, um ano antes de sua morte), a poeta argentina
escreveu: “Quem me dera viver somente em êxtase, fazendo o corpo do poema com
meu corpo, resgatando cada frase com meus dias e com minhas semanas”. Esse fragmento
tem um ar surrealista, entendido como uma continuidade entre o caminho criativo
e a experiência de vida da poeta. Mas, acima de tudo, resume aquela já famosa
intensidade com que Alejandra escreveu. Um processo em que a leitura de
diferentes tradições, a escrita cuidadosa, a compreensão da poesia como
ferramenta para perfurar paredes da linguagem e o reconhecimento de que tudo o
que ela tentava captar no papel tinha que partir de si mesma, mas se transmutar
em algo mais do que memória ou escavação psicanalítica; tornado em experiência
poética, comunhão com os outros. O livro tem prefácio de Laura Erber e posfácio
do tradutor Davis Diniz.
Nova edição de Robinson
Crusoe.
Nova edição enfoca o caráter de
clássico universal e alegoria do homem só numa ilha deserta. Além de textos
canônicos de J. M. Coetzee, de Virginia Woolf, de James Joyce, de Karl Marx, de
Jean-Jacques Rousseau, um ensaio da professora titular de literatura inglesa da
FFLCH-USP Sandra Guardini Vasconcelos sobre o episódio da escravização no
Brasil, que tem um papel relevante no livro. Os desenhos são do artista
plástico argentino Nicolás Robbio. A tradução é do poeta Leonardo Fróes. O
projeto gráfico, assinado por Elaine Ramos, faz com que as páginas do livro, a
princípio cinzas, se tornem progressivamente mais brancas, acompanhando a
passagem do tempo até o desfecho da trama. Robinson Crusoe é um inglês da
cidade de York no século XVII. Contrariando o desejo da família de que ele
estudasse Direito, o rapaz decide dedicar sua vida a navegar em busca de
aventuras. Uma série de eventos o levam ao Brasil, onde ele passa a coordenar o
esquema de plantation de uma fazenda. Interessado no lucro proveniente do comércio
de escravos, ele embarca em uma expedição de coleta até o sul da África, mas o
navio naufraga próximo a Trindade e Tobago. Crusoe se descobre o único
sobrevivente do acidente, em uma ilha deserta, que ele apelida de Ilha do
Desespero. O náufrago se adapta à sua situação, construindo uma casa no topo de
uma árvore, caçando animais, criando um rebanho de cabras e plantando arroz e
trigo. Determinado a deixar a ilha, ele também se empenha na construção de
canoas, sem sucesso. Certo dia, ele encontra uma tribo de canibais e ajuda um
de seus prisioneiros a escapar, um indígena que Crusoe apelida de Sexta-Feira e
passa a escravizar. Alguns anos mais tarde, piratas desembarcam na ilha, o que
dá início a um grande conflito. A ficção foi tomada como primeira imagem da
noção de individualismo moderno. A tradução agora publicada pela editora Ubu é
de Leonardo Fróes.
Um itinerário pelas elegias
gregas.
Das elegias da Grécia Arcaica
(sécs. VIII – V a.C.) ouvimos, entre outras, as vozes de Sólon, criticando os
excessos das oligarquias e pavimentando a trilha à democracia; de Tirteu,
Calino e Simônides, enaltecendo homens comuns ao status de guerreiros épicos;
de Arquíloco, dizendo que melhor do que ser épico é estar vivo; de Mimnermo,
celebrando o mundo de Afrodite e seus prazeres; de Teógnis, mostrando as
alianças, traições e afetos que agitam um mundo em transformação. Como gênero
poético destacadamente versátil, a elegia nos permite conhecer os mais variados
aspectos da existência do indivíduo na pólis. Elegia Grega Arcaica: Uma
Antologia apresenta o que para nós é o alvorecer desta tradição poética,
cuja recepção até hoje se estende, e os seus principais poetas, no original e
em rigorosas traduções de Rafael Brunhara e Giuliana Ragusa. Acompanham-nas
textos introdutórios, bem como alentados comentários sobre as nuances poéticas
do original e o contexto histórico, linguístico e cultural subjacente a cada
poema — esforço raro em antologias deste tipo —, num convite tanto ao leitor
contemporâneo de poesia, quanto ao estudante que se inicia nos estudos clássicos.
Organizado por Giuliana Ragusa e Rafael Brunhara, o livro é publicado
pelas editoras Ateliê e Mnêma.
Uma obra que nos convida a
questionar os muitos apagamentos de nossa memória republicana.
Em 17 de novembro de 1889, ocorreu
no Maranhão, na cidade de São Luís, um grande protesto popular,
majoritariamente de negros, contra o golpe militar que dois dias antes
estabelecera a República no Brasil. Os manifestantes acreditavam que o objetivo
era destituí-los dos direitos conquistados com a Abolição, cerca de um ano e
meio antes, e reescravizar a gente de cor. Quando tentaram invadir e depredar
um jornal republicano, uma tropa destacada para proteger o edifício realizou
uma descarga de fuzil e, de acordo com números oficiais, matou quatro pessoas e
deixou inúmeros feridos. O episódio é conhecido como o Massacre de 17 de
Novembro e, junto com outros incidentes envolvendo violência e racismo — como a
destruição do pelourinho de São Luís e as prisões e torturas que seguiram o
protesto —, é descrito em A nova aurora, novela histórica publicada em 1913. Uma das imagens mais recorrentes
acerca da instauração do regime republicano é a do povo bestializado, apático,
sem tomar posição diante do golpe de Estado que encerrara o longo reinado de d.
Pedro II. Que alternativas e limites políticos e culturais uma sociedade
egressa da escravidão poderia oferecer para realizar as promessas de uma
cidadania sem distinção de cor, linhagem e origem social? Astolfo Marques, um
escritor negro que pensou o país a partir do velho norte agrário, lidou com
esses impasses fazendo da escrita um espaço criativo em que alia pesquisa
documental, relatos orais, ficção e lembranças pessoais, construindo, em A
nova aurora, uma narrativa aberta a múltiplas vozes, que nos convida a
questionar os muitos apagamentos de nossa memória republicana. O livro é
publicado pela Chão Editora.
O novo livro de Ieda Magri.
Uma mulher de 40 anos revisita a
família e participa do processo de preparação dos alimentos para uma grande
festa. Entre as imagens da infância camponesa e do presente, ela se coloca
simbolicamente no lugar do animal sacrificado e faz o exercício, com Elizabeth
Costello, personagem de Coetzee, de ver o coração como “lugar de uma faculdade,
a simpatia, que, às vezes, nos permite partilhar o ser do outro”. Uma exposição
é tanto uma curadoria do material recolhido nessa viagem quanto o dar-se a ver
numa situação familiar e incômoda. Uma exposição, de Ieda Magri é
publicado pela Relicário.
Nesta obra revolucionária, um dos
mais importantes críticos literários e culturais discute a principal figura da
literatura inglesa — William Shakespeare — e propõe uma leitura dramaticamente
nova de quase todas as suas peças e poemas.
A chave para Teatro da inveja
é a interpretação original que René Girard faz da ideia de “mimese”. Para
Girard, as pessoas desejam os objetos não por seu valor intrínseco, mas porque
eles são desejados por outras pessoas — nós imitamos os desejos delas. Ele
considera essa inveja — ou “desejo mimético” — um dos pilares da condição
humana. Utilizando essas intuições provocantes e iconoclastas para analisar a
obra de Shakespeare, Girard revela a coerência anteriormente despercebida das
peças-problema como Tróilo e Cressida e oferece bons argumentos para elevar
Sonho de uma noite de verão da condição de comédia caótica para obra-prima. O
livro está repleto de interpretações originais e provocantes: Shakespeare
aparece como “profeta da propaganda moderna”, e a ameaça de uma catástrofe
nuclear é interpretada à luz de Hamlet. O mais intrigante de tudo, talvez, é um
aparte breve, mas brilhante, em que se apresenta uma perspectiva inteiramente
nova para o capítulo do Ulisses de Joyce, em que Stephen Dedalus faz uma
palestra sobre Shakespeare. Na perspectiva de Girard, somente Joyce, talvez o
maior dos romancistas do século XX, chega perto de entender o maior dos
dramaturgos do Renascimento. Nesta leitura de notável fôlego de Shakespeare, a
prosa de Girard é sofisticada e contemporânea, além de acessível ao leitor
comum. Qualquer pessoa interessada em literatura, antropologia ou psicanálise
há de querer ler esta obra desafiadora. E qualquer pessoa envolvida na produção
teatral encontrará muitas ideias sugestivas em Teatro da inveja. A
tradução de Pedro Sette-Câmara é publicada pela É Realizações.
O terceiro ano de “A Colecção”
apresenta aos leitores brasileiros a poesia de cinco poetas da novíssima literatura
portuguesa.
Criada pelas Edições Macondo em
2019, “A Colecção” já trouxe a este lado do Atlântico trabalhos de Manuel de
Freitas, Tatiana Faia, Miguel Cardoso, Tiago Alves Costa, Miguel Martins,
Patrícia Lino, F. S. Hill, entre outros. Para a temporada de 2021, cinco poetas
de gerações muito próximas, e que se colocam em diálogo principalmente por
estarem vivos e produzindo no mesmo tempo histórico, além de terem pouca ou
ainda nenhuma circulação no mercado editorial brasileiro. Com curadoria de
Otávio Campos e Patrícia Lino e apoio da Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e
das Bibliotecas da República Portuguesa, os livros agora apresentados são A
axila de Egon Schiele, de André Tecedeiro, Groto Sato, de Raquel
Nobre Guerra, Ágil mesmo nu, de Miguel-Manso, Antes de mais e depois
de tudo, de Regina Guimarães e Política, de Ricardo Tiago Marques.
Uma visita ao maior poeta
italiano depois de Dante.
Se a Europa de seu tempo não lhe
deu a devida atenção, as décadas seguintes se encarregaram de corrigir esse
equívoco. Hoje o italiano Giacomo Leopardi (1798-1837) é amplamente reconhecido
como um dos maiores poetas do Ocidente, e seus Cantos, segundo Otto
Maria Carpeaux, são “a resposta moderna à Divina Comédia”. Nos 41 poemas desta
obra incomparável, que podem ser lidos como um único canto escrito e reescrito
pelo poeta entre 1816 e 1836, os aspectos mais significativos da experiência
humana estão magistralmente integrados — da felicidade agônica provocada pelo
amor ao sentimento áspero da natureza madrasta e da nulidade dos nossos
esforços. Por mais árduo, porém, que seja o sofrimento, a poesia de Leopardi
opera o milagre de transfundir o que é dor individual em comovente dor e ardor
universais. Com poemas tecnicamente impecáveis, dotados de uma densidade de
sentimento e pensamento quase única na literatura dos últimos duzentos anos,
poucos livros de poesia são tão diversos e simultaneamente tão coesos quanto
estes Cantos de Leopardi, que vão do gesto heroico ao silêncio mais
íntimo, sempre intensos, sempre límpidos. Neles até mesmo a beleza das
paisagens da Itália se revela uma moldura da condição humana. Precedida por uma
luminosa introdução à vida e à obra do poeta, a tradução de Álvaro A. Antunes,
publicada pela primeira vez em 1985 e revista especialmente para esta edição
bilíngue, reproduz fielmente os metros e os esquemas estróficos do original
enquanto acompanha de perto os movimentos da singular sintaxe leopardiana. O
livro é publicado pela editora 34.
Forte romance da escritora iraniana
Chahdortt Djavann ganha tradução no Brasil.
Em A muda, forte romance de
Chahdortt Djavann, o abandono está presente assim como as dificuldades de se
adaptar à sociedade. A narradora tem um péssimo relacionamento com a mãe e o
pai é impotente diante da vida, ausente mesmo quando presente fisicamente, no
entanto, Fatemeh, declara seu amor por ele e o considera um bom pai. A relação
afetiva mais importante da narradora é com sua tia muda, que cuidou dela para
que sua mãe pudesse trabalhar fora, e que a ajudava em seus estudos, penteava
seus cabelos, participava de brincadeiras e estava sempre em casa. Tudo muda
quando Fatemeh é obrigada a se casar aos treze anos com um homem de cinquenta,
para salvar sua tia muda do apedrejamento. Aos quinze é condenada à morte pela
forca após cometer um crime. A tradução de Liliane Mendonça é publicada pela
editora Arte & Letra. Chahdortt Djavann nasceu no Irã em 1967, emigrou para
a França em 1993, para fugir do fundamentalismo islâmico de seu país, partindo
para o exílio que dura até os dias atuais.
Jean-Pierre Sarrazac entre a
utopia e o desencanto.
Crítica do teatro I: da
utopia ao desencanto é uma reunião de ensaios que se inscrevem nos
debates artísticos da virada do século XX para o XXI, período marcado pelo
ressurgimento da ideia de “teatro público” em meio a um contexto, sobretudo na
França, de amplas greves de trabalhadores e intensa movimentação social. Ao
reconsiderar tal noção e conferir-lhe perspectiva histórica, Jean-Pierre
Sarrazac persegue um objetivo maior: o de refletir sobre os caminhos de um
teatro crítico e ativo em um momento no qual antigas utopias tendem a ser
vistas com ceticismo. Durante o percurso desta reflexão, o autor busca entender
as diferentes formas de pensar e expressar “teatralidade” — que, nas palavras
de Roland Barthes, significa “o teatro menos o texto”. Ao buscar a função
organizadora da teatralidade, sua capacidade de gerar prazer e imaginação
utópica, e de proporcionar comunidade crítica e ativa, Sarrazac oferece-nos um
panorama do teatro em sua dimensão mais política e coletiva. O “teatro público”
remete aos tempos do Teatro Nacional Popular (TNP), movimento subvencionado
pelo Estado francês no pós-guerra que visava uma intensa democratização do
teatro por meio de apresentações para grandes audiências. Nesse período, o
teatro foi encarado como um serviço público que, por essa razão, deveria ser
acessível e estar amplamente presente, dos grandes centros às periferias,
formando uma rede descentralizada e diversificada de cultura e arte popular. Ao
tratar dessa iniciativa de difusão do teatro, o autor amplia a discussão e
considera, de um lado, um circuito paralelo que se desenvolvia em torno de
pequenos espaços e com novos autores —entre eles Beckett, Ionesco e Adamov —,
e, de outro, a trajetória de Barthes e Bernard Dort, figuras que se empenharam
em resgatar o potencial crítico do teatro brechtiano, colocando-se, porém, à
altura dos desafios de um novo momento histórico. Ao fim do projeto do teatro
popular na França, nos anos 1970, a noção de um diálogo mais amplo com a
coletividade fica ameaçada e acaba, aos poucos, para trás, enquanto se observa
um interesse cada vez maior por questões da linguagem que, no cenário teatral,
viriam a ser enaltecidas nas décadas subsequentes. Assim, no manejo entre
utopia e desencanto, entre os ideais e os percalços ligados ao teatro público
francês, resgatando-o na atualidade em meio a agitações sociais do presente, o
livro ganha contornos históricos, sociológicos, estéticos e culturais.
Recuperando certo senso do político no teatro, Sarrazac traça uma aposta
poética que visa não o passado, mas olhar o futuro de outra maneira, a partir
dos múltiplos instrumentos e reflexões que apresenta ao leitor. Ao abordar
temas como teatro crítico, espectador ideal, espectador-cliente e público
ativo, entre outras categorias, Sarrazac rejeita a “crítica de teatro” —
entendida como uma crítica estritamente jornalística — e propõe uma “crítica do
teatro”. Isto é, um debate mais profundo a respeito da própria ideia do teatro,
cujo propósito maior não é o de julgar, mas o de avaliar, examinar, ponderar e
manter “o estado de crise”, segundo o autor. Para Sarrazac, tal estado se
mantém no exame, na observação e na análise de seu objeto, que, aqui, trata-se
do teatro propriamente dito. Seu objetivo, contudo, é menos o de fazer ele
próprio a crítica do teatro do que buscar seguir os passos daqueles que fizeram
dessa crítica o núcleo de sua arte, evocando a “lição” de outros mestres.
Segundo a expressão de Sérgio de Carvalho em prefácio à edição, este livro,
inédito no Brasil, chega para propor uma postura ativa diante do
desencantamento do mundo. O livro é publicado pela editora Temporal.
Livro de Penny Hancock discute um
dos temas mais espinhosos nos dias de hoje.
Jules e Holly são melhores amigas
desde os tempos de faculdade. Elas compartilham tudo, desde detalhes do
cotidiano até segredos e confissões. Saul, filho de Holly, e Saffie, filha de
Jules, cresceram juntos, com apenas três anos de diferença. Quando Saffie faz
uma denúncia grave contra Saul, nenhuma das duas amigas está preparada para o
impacto devastador que o fato terá na amizade e na vida das suas famílias. Em
quem você confiaria? Na sua melhor amiga e confidente por décadas? Ou no seu
próprio filho? Em quem você deve acreditar quando um acusa o outro de um crime
hediondo? Eu não sei quem você é parte de uma acusação que coloca em lados
opostos os filhos de duas amigas inseparáveis. Para além de descobrir se a
verdade está com a vítima ou com o acusado, o que faz o livro ganhar relevo é a
maneira como a autora aborda os efeitos que a denúncia provoca na dinâmica
entre as personagens e suas famílias. E é na construção de uma delicada rede de
desconfianças e tensões que Penny Hancock entrega um romance surpreendente,
mergulhando com tudo em um dos temas mais relevantes e espinhosos dos dias de
hoje, sem jamais desistir de contar uma boa história. Eu não sei quem você é
tem tradução de Davi Boaventura e é publicado pela editora Dublinense.
REEDIÇÕES
Nova edição de um dos
principais títulos da breve obra de Max Blecher.
Acontecimentos na
irrealidade imediata foi originalmente publicado em 1936, e é composto
por um amálgama caleidoscópico de situações que cruzam o caminho do narrador,
um personagem desajustado ao mundo. Esses acontecimentos arrastam-no a um
turbilhão de pensamentos e ações atravessados por forças contrapostas, no qual
as percepções misturadas da realidade, do tempo e do espaço dão lugar a um tipo
diferente de discurso, que oferece inquietações fragmentadas ao invés de uma
ordem racional. A tradução de Fernando Klabin é agora reeditada pela editora
Hedra.
Nova edição da tradução de
Joaquim Brasil Fontes para os fragmentos da poesia de Safo.
Instável por definição, o domínio
de Eros está fadado à incerteza: sobre cada noite de amor sempre pode pesar a
ameaça de ser a última. Daí que a fantasia da permanência ocupe a imaginação
dos amantes desde há muito tempo. Ou, ao menos, desde a idade de ouro do
lirismo grego, por volta de 600 a.C., quando Safo de Lesbos registrou em versos
suas delicadas súplicas para a paixão subsistir ao tempo: “possa para mim esta
noite / durar duas noites”. Versos assim, que compõem os
fragmentos de Safo hoje conhecidos, deram origem à poesia amorosa do Ocidente.
E, com efeito, não será essa outra noite desejada, que vem se acrescentar à
noite vivida, a substância secreta de todo poema de amor? Não se poderá
reconhecer aí a dimensão imaginária que, fundando a lírica de Eros, se oferece
como um prolongamento do encontro amoroso? Safo era atenta à brevidade dos
afetos. As jovens mulheres da ilha de Lesbos que frequentavam seu círculo
literário para serem iniciadas nas artes da dança, da poesia, da música e
também do amor —, ali estavam apenas de passagem. Formadas por ela, essas
jovens a deixariam um dia para se casar, abandonando-a ao trabalho silencioso
das palavras: “em relação a vós, lindas, / meus pensamentos nunca mudarão”. Não surpreende que seus poemas
evoquem com frequência a solidão da amante (“a Lua já se pôs, as Plêiades
também; é meia- / noite; a hora passa e eu, / deitada estou, sozinha”), e
lamentem a distância intransponível que a separa do objeto amado (“não posso
tocar o céu / com as mãos”). Ou, ainda, que revelem a implacável lógica do
encontro impossível: “igual à doce maçã que amadurece lá no alto, no mais alto
ramo pelos colhedores esquecida — esquecida, não: que eles não conseguiram
alcançar” Essa voz solitária e íntima que a tradução sensível de Joaquim Brasil
Fontes agora faz chegar até nós instaura um apelo que, desde então, não cessa
de ecoar na poesia amorosa ocidental. É o apelo de um Eros sensual e
meditativo, “tecelão de mitos”, entregue de corpo e alma à criação de uma outra
noite para contemplar o desejo dos amantes. (Eliane Robert Moraes). Poemas e fragmentos é
reeditado pela editora Iluminuras.
Nova edição de Linha
Férrea, de Tércia Montenegro.
Linhas férreas cortam paisagens,
emprestam-lhes movimento e pouso, determinam os campos de trânsito e comércio,
sublinham os espaços de multidão e exílio. Se a imagem que organiza esta
coletânea de contos curtos suscita rigor plúmbeo, é apenas para conferir mais
acento ao colorido de transbordamentos e latências que dominam cada uma das
situações colocadas um vizinho malcriado, o instantâneo de um homem que
descansa em frente ao mar, um casal e suas distâncias numa mesa de restaurante,
uma menina e os significados da casa da avó. Histórias em que o tempo da ação
se vê dominado pela força gravitacional da memória e suas projeções; o foco
narrativo dominado pela perplexidade ante o mistério da manifestação exterior
de medos e desejos; o silêncio que contorna experiências de cárcere,
fraternidade e impermanência os quadros expostos dão notícia de um universo em
que pouco interessam identidades regionais ou predominâncias do urbano ou
rural: teatros, praças, praias, restaurantes, prisões, asilos, casas de fazenda
e apartamentos são os palcos assinalados pelas variadas paixões e sentimentos
de seus atores. Linha Férrea, de Tércia Montenegro, foi publicado
originalmente em 2001 como vencedor da categoria conto do Prêmio Redescoberta
da Literatura Brasileira, promovido no ano anterior pela revista CULT. O livro
é reeditado no âmbito da coleção Guarda da Editora Grua.
A Edusp reimprime texto
essencial de Aimé Césaire.
Para Lilian Pestre de Almeida,
Aimé Césaire constrói, em Diário de um retorno ao país natal, uma
espécie de épico invertido: enquanto Os Lusíadas cantam a aventura dos
colonizadores buscando impor às “terras viciosas” a marca da Cruz e
do Ocidente, o poema de Césaire, aqui apresentado em edição bilíngue, é o canto
dos colonizados e desenraizados sonhando em restabelecer o cordão umbilical com
a Mãe África. O que o poeta da Martinica pretende é somar toda a experiência
coletiva dos negros colonizados, sem abandonar nada do que constitui a história
dos seus. O diário se constrói como poema a partir de outras obras (das
epopeias marítimas à poesia da Modernidade, de textos iniciáticos à História,
da oralidade tradicional à linguagem científica), e conta também com a análise
e excelente trabalho tradutório de Lilian Pestre de Almeida, que procura ser
fiel em manter os termos regionais ou técnicos de Césaire, para que suas
palavras não percam a força e a densidade.
Nova edição de Riacho
doce, de José Lins do Rego.
À época da publicação deste livro
em 1939, José Lins do Rego já era conhecido como ficcionista brasileiro que
concedera grande realce aos traços regionais de nossa cultura, assim como
Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos. Em Riacho Doce, o escritor acabaria, de
peito aberto, consolidando novos contornos à sua magnífica trajetória
literária. O livro inicia-se com as passagens da infância e da adolescência de
Edna, na Suécia. Num segundo momento, o qual ocupa a maior parte do romance,
Edna muda-se para o Brasil para acompanhar o marido Carlos, que fora
transferido para o litoral de Alagoas a fim de trabalhar na exploração de
petróleo. No ambiente paradisíaco de Riacho Doce, Edna aproveita os banhos de
mar e o encantador cenário repleto de belezas naturais da região. Sua estada no
litoral nordestino e sua vida seriam radicalmente transformadas após conhecer
Nô, pescador do lugarejo com quem acaba se envolvendo amorosamente de maneira
natural e intensa. É importante registrar que este enredo de José Lins de Rego,
marcado por uma atmosfera de romance que tem como pano de fundo belíssimas
paisagens tropicais, chegou a inspirar em 1990 uma célebre minissérie na Rede
Globo. Tendo no elenco nomes de peso como Vera Fischer e Carlos Alberto
Riccelli, Riacho Doce gravaria seu lugar na memória audiovisual de milhões de
brasileiros. A edição da Global, que tem capa ilustrada por Mauricio Negro,
conta um texto de apresentação de Ivan Marques, professor de literatura
brasileira da Universidade de São Paulo (USP). Ao fim, a edição traz um texto
de Mário de Andrade sobre o livro de José Lins, publicado no ano do lançamento
de sua primeira edição.
Vencedor do Prêmio Jabuti nas
categorias Melhor Romance e Livro do Ano em 2005, Vozes do deserto,
de Nélida Piñon, ganha nova edição.
Em Vozes do deserto, Nélida
Piñon não só recria a história das Mil e uma noites como também realça o
desempenho de uma mulher transgressora em uma sociedade patriarcal. Através de
uma narrativa envolvente e irretocável, Nélida acompanha a história de
Scherezade, a jovem mais brilhante da corte, que, para salvar as jovens do
reino das garras do poderoso Califa, decide casar-se com ele. Filha do Vizir,
que devia servidão ao poderoso monarca, ela não acredita que o poder do Califa
possa determinar o fim de sua imaginação. Segundo Alfredo Bosi, que assina a
orelha do livro: “Nélida vê por dentro, com empatia a um só tempo forte e
delicada, a mulher de quem a fabulosa criação oriental nos dera apenas o vulto
escondido entre as dobras do véu muçulmano. Agora sabemos quem é Scherezade,
pois Nélida nos revelou a sua natureza profunda: é a força mágica da voz
narrativa que enfrenta, a cada lance, a opressão e a morte. O sexo sem amor,
obscenamente mecânico, imposto à jovem esposa (possuída e não amada), não
consegue satisfazer ao Califa entediado; mais insaciável é a sede da palavra, e
imperioso é o desejo de ouvir o conto inacabado. E é este desejo que salva a
narradora e todas as mulheres pelas quais ela se sacrifica. Desse ritual fazem
parte o soberano enredado na teia do poder: Dinazarda, imagem da solerte
prudência; e a escrava Jasmine. Nélida soube extrair desta esquiva figurante a
mina da fantasia popular com que se alimenta a fantasia da contadora de
histórias. Sutil e firmemente, Nélida nos faz ouvir as vozes do deserto, de onde
vieram e para onde vão os sonhos da narradora, enfim liberta da missão que se
impusera. Quem tem ouvidos, ouça — é a palavra que resta dizer ao leitor desta
obra que reinventa o fascínio das Mil e uma noites.” O livro é reeditado
pela editora Record.
Nova edição de Otto Lara
Resende ou Bonitinha, mas ordinária.
“O mineiro só é solidário no
câncer.” A partir desta frase de Otto Lara Resende, que define com amargor a
essência humana, Nelson Rodrigues constrói um enredo que revisita elementos de
seu teatro. O enredo de Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária
gira em torno das hesitações do contínuo Edgar entre aceitar a proposta de se
casar com a filha do dono da empresa em que trabalha e que alega ter sofrido um
estupro bárbaro ou manter-se fiel ao seu verdadeiro amor por Ritinha, moça
pobre que precisa se prostituir para sustentar a mãe louca e as três irmãs.
Esta nova edição traz na orelha trecho de um texto que o próprio Nelson
escreveu para o programa da peça na época de sua estreia. O livro é publicado
pela editora Nova Fronteira.
MERCADO EDITORIAL
O destino da obra de Carlos Drummond de Andrade.
Em sua coluna para o jornal O Globo, o jornalista Afonso Borges põe fim ao mistério. A obra de Carlos Drummond de Andrade volta a ser publicada pelo Grupo Editorial Record. Há pouco mais de dois meses, a Companhia das Letras anunciara a desistência de renovar o contrato de permanência com a publicação do poeta mineiro.
DICAS DE LEITURA
Na sexta-feira, passamos por mais
um Dia Nacional do Livro; e, no domingo, é Dia Nacional da Poesia. O maravilhoso
encontro de bonitas datas acabou por despertar o interesse para as recomendações
de leituras na edição desta semana do Boletim Letras 360.º e por isso destacamos
três títulos de poetas da nossa literatura publicados recentemente. Já conhece
algum deles? Conta! Ou que outros livros você acrescentaria a essas dicas.
Conta também!
1. Mesmo o silêncio gera mal-entendidos,
de Ricardo Domeneck. Quem acompanha desde há algum tempo esta seção já
encontrou o nome do poeta por aqui outra vezes; falamos sobre um dos nomes mais
interessantes do que assim chamaríamos novíssima geração da literatura brasileira. Pela primeira vez,
ele oferece aos leitores uma mostra inusual de seu trabalho poético. Inusual
porque esta antologia rompe em parte com o conceito: por exemplo, o primeiro
livro de Domeneck data de 2005, Carta aos anfíbios, mas o início do
itinerário aqui proposto volta a cinco anos antes. Depois, a organização dos
textos recolhidos não se oferece por temas e nem por ordem cronológica, como é sempre recorrente. Por
fim, o poeta preferiu acrescentar alguns inéditos e outros trabalhos seus fora
das realizações como poeta. Ou seja, falamos de um livro que demonstra o itinerário experimental
que conforma os limites de um universo criativo ainda todo em expansão. O livro
é publicado pela Garupa Edições.
2. Robinson Crusoé e seus
amigos, de Leonardo Gandolfi. O retorno do poeta carioca à poesia se faz
por um trabalho de desconstrução com a linguagem cujo indício deixa-se notar
desde o título de um livro capaz de confundir um leitor apressado: há qualquer
coisa de prosaico, talvez pela reiteração de uma figura fixada no campo
ficcional. Mas o território do poeta aqui é mesmo o do nonsense e do proposital
interesse pelos deslocamentos capazes de colocar em convívio gente da ficção com
gente da história literária, uma mosca e a Teoria da Relatividade. O livro está
publicado pela Editora 34.
3. Jorro, de Marize Castro.
Este é oitavo título de um trabalho que dispensa apresentações,
principalmente para uma autora que nos deu logo à entrada da sua obra um
livro como Marrons crepons marfins, publicado em 1984. No livro de agora
editado pela mesma casa editorial que algum tempo torna público seu trabalho, a Una, a poeta se mostra
profundamente marcada pelas vivências da nossa incoerente história tão feita de
extremismos, radicalismos e violências gratuitas. Não é uma poesia de engajamento,
nem feita da simples transposição dos acontecimentos para as fronteiras do
poema, mas daquele exercício reflexivo que tão bem encontramos em poetas como
Carlos Drummond de Andrade, em que a experiência se confunde com uma posição gauche
num mundo de discrepâncias.
VÍDEOS, VERSOS E OUTRAS PROSAS
1. O Dia Nacional da Poesia foi
criado em consideração ao do nascimento de Carlos Drummond de Andrade. Nesta
data também é celebrado o Dia D. Um dos mais importantes nomes das literaturas
de língua portuguesa é duplamente recordado; não é muito, estamos diante do
autor de livros fundamentais como Alguma poesia, A rosa do povo e
Claro enigma. Recordamos três das muitas entradas na galeria de vídeos
no Facebook com poemas do poeta mineiro:
BAÚ DE LETRAS
1. Ainda de aniversariantes. No
dia 27 de outubro de 1892, nasceu Graciliano Ramos. Sobre o escritor, editamos
em 2013 uma sequência de postagens de especialistas comentando sobre traços
recorrentes e outros nem tanto na leitura da sua obra. Mas, recordaremos aqui
outras três matérias do Letras aparecidas posteriormente:
a) nesta, Guilherme Mazzafera escreve sobre certa visão do escritor acerca do
fazer literário.
b) aqui, Maria Vaz trata sobre a
relevância sempre atual de Memórias do cárcere.
c) e esta crônica do velho Graça,
um resmungo contra o futebol, que copiamos no blog numa sequência de textos no
ano do Mundial de 2014.
2. E, neste dia 30 de outubro,
nasceu Ezra Pound. Sobre um dos mais valiosos poetas do século XX, autor entre
outros, dos Cantos, o leitor encontra pelo menos três dos textos neste
blog: nestes dois, algo sobre a eventual simpatia com fascismo e seu exílio em
Veneza — aqui e aqui; e um breve texto sobre o valor do seu ABC da
Literatura.
3. Coincidindo com a reedição de Acontecimentos
na irrealidade imediata pela editora Hedra, o blog publicou recentemente um
texto de Pedro Fernandes sobre este romance. Ainda está nos primeiros papéis do
baú — aqui.
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* Todas as informações sobre lançamentos de livros aqui divulgadas são as oferecidas pelas editoras na abertura das pré-vendas e o conteúdo, portanto, de responsabilidades das referidas casas.
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