Aleksandr Blok
Por Ekaterina Ignatova
O nome do poeta Aleksandr Blok (1880-1921)
ainda retorna com frequência, como um eco persistente, na literatura russa,
seja em inumeráveis escritores que se inspiram na sua obra, seja nos leitores
que recordam e transmitem adiante sua palavra. Com a passagem do tempo, na violenta
história russa — reconhecida por sua efervescência — a aura mística que
acompanha a memória de Blok tem sido uma constante. Sua diferença em relação a
boa parte dos seus colegas de profissão é dada por uma vida afastada do burburinho
literário, ainda que isso não o qualifique como um artista misantropo, destituído
de ironia. Anna Akhmátova recorda a única vez quando visitou Blok em sua casa: “comentei com ele sobre um poeta chamado Benedict Livshits (bastante reconhecido então) que
se queixava de que ‘a simples existência de Blok o afetava na atividade de
escrever poesia’. Blok, sem rir, respondeu seco: ‘Isso eu sei bem. No meu caso
Liev Tolstói me afetava na escrita’.”
Depois de sua morte prematura,1
a sombra do poeta ainda afetaria outros destacados artistas, como Boris Pasternak,
que o reconheceu como seu mestre mais importante. Para compreender o lugar ocupado
por Blok na poesia é insuficiente considerar que era o mais talentoso entre os
simbolistas russos, já que é impossível fixá-lo numa só corrente literária. Sua
obra completa está organizada em nove volumes e é muito extensa para
(injustamente) prendê-lo como um “representante do simbolismo russo”. Mas, seu método
criativo sempre conservou relações com o referido movimento. Sua incomparável intuição
histórica, entre outras virtudes, fez com que seu “sentir” simbolista se
encaminhasse para expressões e tendências cada vez mais realistas. Ao mesmo
tempo, seu “realismo” foi profundamente romântico. Blok nunca se opôs a ambas
as correntes, como se costuma considerar na história da literatura. Afirmava que
“o verdadeiro realismo, o grande realismo, o realismo de alto estilo constitui
o próprio coração do romantismo” e que o verdadeiro romantismo “não é a renúncia
à vida”, mas o contrário, é “um desejo voraz de viver dez vidas, um anseio de
criar tal vida”. Para Blok o romantismo teve presença nos momentos mais transcendentais
da humanidade: no primeiro cristianismo, no espírito dos pintores do
Renascimento e na Revolução Francesa.
Os anos de sua criação coincidem
com os do período mais turbulento da história russa, além da trágica Segunda
Guerra Mundial: dezenas de levantes, a primeira revolução de 1905, a substituição
do sistema monárquico e a Primeira Guerra Mundial. A interpretação apocalíptica
de Blok destes acontecimentos — complementada com seu orgulho e parca condição de
aristocrata —, continua convidando a desfrutar da grandeza das catástrofes;
comparou um de seus poemas maiores (“Vingança”) com a crônica da degeneração detalhada
por Émile Zola em Les Rougon-Macquart.
Essa turbulência, suscetível a
múltiplas leituras, em Blok significava, sobretudo, o esfacelamento da essência
humana. Para falar das milhões de vítimas da guerra e das mudanças políticas e
sociais ocorridas na Rússia no início do século XX, basta o trabalho do
historiador; mas o impasse da psicologia humana, a descrição do campo de
batalha interior de cada um dos habitantes daquela gigantesca nação, são preocupações
do poeta. O simbolismo russo não foi em nenhum momento afetado unicamente pelos
ventos ocidentais, mas constituiu uma seiva própria do país e da época.
O simbolismo na Rússia nasceu em
finais do século XIX e ainda se apresenta como um fenômeno extremamente
complexo, sem um programa homogêneo. Um dos acontecimentos mais importantes
desta corrente foi a publicação de três compilações de Simbolistas russos
(1894-1895) organizada por Valeri Briusov. Aquele conjunto de textos proclamava
a superioridade do conhecimento intuitivo na criação artística sobre o conhecimento
empírico; o trágico da existência, o pressentimento da catástrofe cultural por
vir, a solidão e fuga da realidade. A primeira geração, denominada como “simbolistas
maiores”, conta com autores como Konstantin Balmont (considerado pai do
simbolismo russo e que Blok comentava que o ouvir era como ouvir a primavera),
Fiódor Sologub, Zanaïda Guíppius e Dimitri Mierezhkovski. Este primeiro período,
identificado com frequência com a decadência2, atravessou por um
momento crítico em 1910. Naquele ano várias escolas adotaram posições antagônicas
(inclusive conflituosas no interior de cada uma) frente à noção de “simbolismo”;
assim, surgiram o acmeísmo3, os primeiros futuristas e o ego-futurismo.
Segundo Blok, os acmeístas tinha adotado como objeto de sua criação poética o
homem, embora opinava que neles trabalhava de maneira distinta, posto que a
considerava uma visão desprovida de humanidade.
Nesses anos apareceram os “simbolistas
menores”, como Andrei Biéli, Viacheslav Ivanov e, o cabeça, Aleksandr Blok. Esta
geração jovem permitiu o florescimento do simbolismo russo e proporcionou um
conjunto de postulados literários bem definidos, que os distinguiram das
propostas ocidentais. Com isso se fez evidente a queda do “velho mundo” e a
crise de suas formas de expressão, embora sem tomar a depressão e a desesperança.
Recusaram “a arte pela arte”, criticaram sem piedade o materialismo da
burguesia da época e sua hipocrisia. Ocuparam-se da restituição da essência
humana (tempo antes fragmentada), e de uma grande “revolução do espírito”.
O mundo real era para eles apenas
uma máscara que não conseguiu ocultar o outro, o mundo das ideias. Todos eles —
e em especial Blok — aspiravam lograr uma orquestração quase musical no verso. Em
seu livro de apontamentos o poeta escreve: “A música cria o mundo. É o corpo
espiritual do mundo, seu pensamento fluido. (29 de junho de 1909).” Mas, a
partir de 1905, se percebe claramente o distanciamento dos simbolistas com
relação ao misticismo abstrato, em direção a um “simbolismo realista”. Essa evolução
foi determinante para a criação posterior de Blok.
Em 1910, Blok traçou uma
perspectiva de seu programa artístico, na qual assinalou três fases: tese, antítese
e síntese. Durante o período inicial da tese, o imaginativo e o subjetivo incorporaram
traços de realismo, com um significado subjetivo e valores absolutos, expressados através do mito. Surgiu com isso o conceito de dois mundos paralelos que se
complementavam e simultaneamente se contradiziam (“Ante Lucem”, “Poemas sobre a
formosa dama”, “As bifurcações”). Na fase seguinte, antítese, todos os
conflitos individuais foram elevados aos limites dos fenômenos universais. Ao tratar
a temática urbana, Blok reconhece a influência do “realismo fantástico” dos
romances de Dostoiévski; e ao mesmo tempo se aproxima de Nietzsche, para
interpretar a vida como uma força incontrolável da natureza (“A máscara de neve”,
“Faina”, “As bolhas de terra”). Por sua vez, durante o período de maturidade lhe
inquietam temas como o homem e o povo, intelligentsia e massas, cultura
e civilização, a literatura e seu papel na sociedade às vésperas da Revolução;
e acima de tudo, Rússia: sua missão, passado e futuro.4 A revolução contra
a atualidade morta está em toda sua obra destes anos (1908-1916: “O mundo aterrorizado”,
“As arpas e os violinos”, “Os versos italianos”, “A pátria”).
Nesta curta introdução é impossível
mencionar todos os ciclos criativos de Blok, mas existe dois poemas, talvez os
mais conhecidos dentro da temática das revoluções, necessários de destacar: “Os
doze” e “Esquifes”. Estes poemas constituem, na obra do poeta, sua maior aproximação
da realidade russa já imersa na Revolução.5 o
Óssip Mandelstam, poeta acmeístas, depois da morte de Blok, o chamou “fenômeno
mais complexo do ecletismo literário, um emblemático do verso russo”. O
emblemático, no caso da poesia russa, pode parecer com muito frequência uma
forma de nacionalismo, cuja explicação o Ocidente também encontra em artistas
como Dostoiévski. “Blok é um contemporâneo até os ossos, o tempo tudo desfaz e o
esquece e, no entanto, fica na consciência das gerações como um contemporâneo
de seu tempo” — assinada mais uma vez Mandelstam.
Até a sonoridade de seu nome — Aleksandr Blok — parece nos levar à sensação
e ideia de uma incisão, de algo que rompe uma superfície pacífica e faz isso
com toda a força de sua palavra. Essa ruptura lançou a poesia russa para os
caminhos da modernidade. Blok, o clássico da poesia russa, representou também o
fim da busca na poesia do século XIX. Entre todos seus contemporâneos, Blok foi
quem com maior intensidade refletiu as trágicas contradições de seu tempo.
enquanto os poetas do século XX que, em certo sentido, tomaram seu rumo, basta
mencionar de novo Pasternak.
Notas:
1 A morte prematura não é uma exceção
em se tratando de poetas russos; parece que estes dois fatores somados, poeta e
russo, quase inevitavelmente resultam numa vida muito curta. Basta recordar
alguns nomes: Aleksandr Púchkin, Lermontov, Griboyedov, Mayakovski, Chlebnikov,
Esenin, Mandelshtam, Brodsky…
2 Blok escreveu entre dezembro de
1901 e janeiro de 1902 sobre a decadência na poesia russa: “Decadência — décadence
— a queda. No contexto russo, a decadência consiste no seguinte: alguns, a propósito,
ou simplesmente por falta de talento necessário, obscurecem o sentido de suas
obras, com o agravante de que nem os próprios poetas se compreendiam; outros,
por sua vez, mantêm um círculo limitado capaz de compreendê-los. Em ocasiões só
eles próprios se compreendem. Em consequência, a obra deixa de ser uma obra de
arte, e no melhor dos casos se converte numa fórmula obscura, composta de
termos incompreensíveis, mediante palavras separadas ou estruturas em sua
totalidade.”
3 Acmeísmo (akme [gr.]
força florescente; o maior grau de algo). Nikolai Gumíliov (1886-1921) introduziu
o termo pela primeira vez e foi talvez seu principal teórico; definiu nos
seguintes termos: “Da mesma maneira que os franceses buscaram um verso mais
livre e novo, os acmeístas tendem a romper as cadeias do metro, deixando passar
as sílabas, mais que nunca antes, com uma livre realocação dos acentos, obtendo
assim os versos, escritos com um recentemente inventado sistema silábico de composição
poética […] Ter em conta sempre o desconhecido, mas não ofender os pensamentos
sobre ele com prováveis conjeturas — eis aqui o princípio do acmeísmo […] Nos
círculos próximos ao acmeísmo se pronunciam com muita frequência os nomes de
Shakespeare, Rabelais, Villon e Teófilo Gautier. A seleção desses nomes não é
arbitrária. Cada um deles é pedra angular no edifício do acmeísmo, com elevada intensidade
neste ou naquele poema. Shakespeare nos mostrou o mundo interno do homem,
Rabelais o corpo e sua alegria, sábia fisiologia; Villon nos revelou da vida
muitas coisas por si mesmas duvidosas e conhecidas por todos: Deus, o vício, a
morte e a imortalidade; Teófilo Gautier, para esta vida, encontrou na arte
roupagens dignas das formas impecáveis. Unir em si mesmo estes quatro momentos
é o sonho que une entre si a gente que tão valentemente tem vindo se chamar “acmeísta”.
(“El acmeísmo y la herencia del simbolismo”, 1913. In: Blok, Gumíliov, Mandelshtam,
palabra del solitario, tradução de Jorge Bustamante García, Verdehalago,
México, 1998, p.85-93).
4 Numa carta a Konstantin
Staniskavski datada de 9 de dezembro de 1908, Blok escreve: “Não é por nada
provavelmente, só aparentemente com ingenuidade, só aparentemente com incoerência,
que repito o nome da Rússia. Nela, aqui em definitivo, estão a vida e a morte,
a felicidade ou a danação”.
5 Em ambos os poemas está presenta
sua ideia sobre a revolução, que o caracterizou sempre: a sensação de uma explosão
catastrófica da incontrolável força da natureza.
* Este texto é parte da introdução
para “La desconocida y otros poemas. Selección de poesía y prosa de Aleksandr
Blok” (Tradução de Ekaterina Ignatova e Iván Carvajal. Quito: Orogenia, 2009).
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