A prancheta concreto-marginal de Régis Bonvicino
Por Wagner Silva Gomes
Régis Bonvicino. Foto: Eduardo Anizelli |
Esquema:4/3/3
Dinâmica de jogo:3532 / 532 / 423
esse jeito
de meia-armador
(cerebral
distante)
é pra disfarçar
a vontade
de ser
goleador
poeta
centroavante
Em “Esse jeito”, poema do livro Régis hotel (1978), o poeta Régis Bonvicino demarca o ponto nevrálgico – e joga entre
as linhas – assumindo a sua posição de “um dos principais nomes que compõem a
geração de poetas que se assume herdeira e crítica da tradição da poesia concreta”,
como destaca Jhenifer Thais em sua dissertação, intitulada Objetividade
subjetivada: forma e comunicação na poesia de Régis Bonvicino. Analisando a
metalinguagem, fazendo uma aproximação de estudos sobre o futebol de Pier Paolo
Pasolini e Miguel Wisnik, percebe-se uma síntese entre um futebol concreto
(visual, esquemático, cerebral – percebido no número de versos das estrofes que
lembram a formação clássica do futebol, como bem destacou Wilbert Salgueiro em
sua análise do poema – Rascunho, 2021) e um futebol marginal (coloquial,
gingado, elíptico – notado na irregularidade métrica de fraseado que se apoia
no modo cotidiano de falar – “esse jeito”, “é pra”).
Sete anos após a publicação do
ensaio “O futebol” (1971), de Pier Paolo Pasolini, onde se encontram os termos
futebol de prosa (cerebral, esquemático) e futebol de poesia (imprevisível,
gingado), Bonvicino, em “Esse jeito”, à sua maneira, simula os
questionamentos de um treino de futebol (é melhor dar o passe?, é melhor
driblar?, não seria melhor se eu buscasse fazer gol?, como posso trabalhar
melhor os meus limites?), que tem muitas semelhanças com os questionamentos que
faz quem escreve poesia. Dessa maneira, a cabeça que pensa as possibilidades de
jogo pensa o ensaio nos termos de Adorno, pois o poeta revolta-se com o esquema
da palavra-objeto manifesto pelos concretistas usando-se da frase coloquial,
sendo cerebral sem abandonar a espontaneidade cotidiana, que também guarda as
suas surpresas. Percebe-se assim que a qualidade do meia-armador é parecida com
a do poeta ensaísta.
No posfácio ao livro Bonvicino se orienta a ler todos os poemas como um só. Assim, o poeta concebe o livro todo
como uma partida de futebol. Nessa partida o sujeito lírico ensaia os perfis do
mau meia-armador e do bom meia-armador, fazendo intertexto com as personagens
de Walt Disney Mickey e Pateta. No poema “Escrevia escrevia mas não era o
Mickey/ era somente o pateta/ e dizia vem cara vem”, a escrita está no lugar da
bola e o pateta no lugar do meia-armador ruim. Já no poema “Poesia é gíria do
poeta/ disse Mickey/ ao Pateta”, a bola é a elipse da poesia e o drible é a
elipse da gíria; no dizer da bola quem é driblado fica como um pateta. Eis o
que faz o bom meia-armador driblador. Por fim, a palavra Kikégis, com dois corações
dos tipos que viriam a ser os das redes sociais como whatsapp, instagram,
facebook, os conhecidos emojis, que revela o tino para a comunicação destacado
por Jhenifer, no contexto do futebol assumem de forma semiótica o lugar da
comemoração de quem mostra uma camisa por baixo da do time, que nos dias atuais
é enquadrada nos atos de infração, resultando em cartão. No entanto, mesmo
hoje, o vate não se importaria com o cartão, pois foi o último gol, o que fecha
o placar de poemas, o decisivo.
Referências
DA SILVA, Jhenifer Thaís. Objetividade
subjetivada: forma e comunicação na poesia de Régis Bonvicino. Dissertação
(Mestrado em Letras) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos
da Linguagem, 2020.
JOSÉ, Miguel Wisnik. Veneno remédio: o futebol e o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
Luca, Caioli. Neymar: o último
poeta do futebol. L&PM, 2014.
RÉGIS, Bonvicino. Régis hotel. São
Paulo, 1978.
SALGUEIRO, Wilberth. A primazia do
poema. Campinas, SP: Pontes Editores, 2019.
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