A poesia de Roberto Bolaño, algo mais que um gesto incompleto
Por Mónica Maristain
— Quem o fez acreditar que é
melhor poeta do que contador de histórias?
— A gradação do rubor que sinto
quando, por puro acaso, abro um livro meu de poesia ou um de prosa. Eu coro
menos com a poesia.
Lucero Andrade, Roberto Bolaño e Bruno Montané. Foto: Consuelo Karoly. |
Ele não escreveu um Canto Geral,
que entre outras coisas era seu livro favorito de Pablo Neruda. Não deixou a
marca de outro de seus compatriotas, Raúl Zurita, que em A literatura
nazista na América empresta a Carlos Wieder o hábito de escrever poemas no
céu (Precisamente, em Cadernos de guerra, Zurita se refere ao “Hepático
Bolaño” que nunca conheceu e muitas vezes recebe pouco crédito como poeta e
romancista).
No entanto, Roberto Bolaño
(1953-2003) escrevia poemas. Não foi um grafomaníaco como seu grande amigo
Mario Santiago (1953-2008), mas atribuiu a uma inalienável vontade poética,
além de publicar algumas coleções de poemas, incluindo sua primeira obra
editada pelo lendário Juan Pascoe, Reinventar o amor. Na época, o autor
de Os detetives selvagens tinha 23 anos. Era 1976 e ele morava no
México.
De sua obra maior, muitas vezes
chamada de grande romance mexicano da contemporaneidade, o poeta Luis Felipe
Fabre diz que ela não é apenas parte da melhor história da narrativa vernácula.
“Também está inscrito na poesia
mexicana como o perímetro de um buraco que descreve uma falta. Um poema perdido
ou um poema nunca escrito. Em todo caso, um poema ausente”, escreve o autor no
ensaio intitulado “A poesia está em outro lugar: na trilha de Os detetives
selvagens”, que faz parte do livro Leyendo Agujeros (Conaculta).
Na sua visão, “quando Bolaño
escreve poemas, fracassa. Prova disso são seus livros Os cães românticos
(1994) e Três (2000). Não poderia ser de outra forma. O fracasso é a
condição do seu sucesso. Bolaño sabe que o poema é impossível porque a poesia
está em outro lugar e então escreve um romance. Em vez de escrever um poema,
ele o conta.
“Os detetives selvagens
é um poema não escrito, é um poema sem palavras, como sem palavras está feito ‘Sión’,
o único poema visceral-realista que aparece no romance, o poema visual de
Cesárea Tinajero”, afirma Fabre.
Em seu parágrafo se refere às duas
coletâneas de poemas editadas por Acantilado, casa dirigida pelo catalão Jaume
Vallcorba, para quem “falar sobre poeta Bolaño é falar sobre escritor Bolaño. A
poesia foi, ao que parece, o centro e o núcleo do seu fazer literário”.
“Em Bolaño, a poesia está na
origem, dá fôlego e timbre à sua literatura. Na verdade, durante as refeições,
quase nunca falávamos sobre outra coisa senão poesia e, especialmente, poesia
medieval. Não foi a única que o interessou, mas quem sabe se comigo encontrava
um interlocutor disponível (naquela época eu dava aulas de literatura medieval
na universidade). Imagino que para Bolaño (como Gabriel Ferrater) a poesia
trovadoresca e suas continuações imediatas oferecessem um pano de fundo de
verdade nua e crua, longe dos formalismos e arabescos que a poesia europeia
posteriormente adotou. Um fascínio semelhante ao que Apollinaire, Reverdy ou
Max Jacob, entre outros, devem ter sentido em sua busca por uma literatura
moderna longe das ondas de líquido sentimental em que cresceram”, escreveu o editor
da revista espanhola Quimera (2010).
A poetisa argentina Diana Bellessi
(1946), uma das vozes mais importantes do gênero naquele país sul-americano,
conheceu o autor de 2666 no início dos anos 1970 e compartilhou com ele
alguns cafés em Havana, na rua Bucareli.
“Quando falávamos de poesia,
Bolaño era meu melhor interlocutor; tínhamos o irmão Whitman atrás de nós e
Vallejo na frente, com a extraordinária estrela da poesia peruana contemporânea
nos acompanhando”, dizia, referindo-se aos criadores de Hora Zero, movimento
que surgiu em Lima nos anos 1970 e que deslumbrou Bolaño desde quando Diana lhe
ofereceu os livros Kenacort e Valium 10, de Jorge Pimentel.
Começos e finais poéticos
Embora Roberto Bolaño tenha
participado ativamente dos embates entre poesia e prosa que constituem marca na
sua obra literária, na maioria das vezes atirando muita lenha e muito fogo à
fumaça de suas palavras intensas, em uma partida de tênis sem tie break onde,
aparentemente, a narrativa venceu, seus começos e finais foram poéticos.
Poético, inclusive, como uma
instalação, foi o último gesto de ouvir a canção de Antonio Vega “Luta dos gigantes”,
antes de partir sem volta para o hospital Vall d’Hebron, onde morreu em 15 de
julho de 2003.
Fundador junto com Mario Santiago
do já famoso movimento infrarrealista, as ideias do escritor chileno tenderam a
uma poesia construída fora dos cânones estabelecidos, obviamente fora da figura
abrangente de Octavio Paz, ligada a um modo de vida que respondia a uma estética
baseada em princípios éticos sólidos: a poesia é vivida, a poesia pode e deve
transformar o mundo.
Como ele escreveu no artigo para a
revista Plural, “A nova poesia latino-americana. Crise ou renascimento?”,
onde, entre outras coisas, elogia as palavras dos “anarquistas, vagabundos, os que
vivem a poesia, aqueles que andam vestidos de ouriço no cotidiano
pequeno-burguês, que não se importam com a profissão de escritor” para quem a
poesia é uma “experiência viva”.
“Tipos como Pimentel, agora
trancado discretamente em Lima, prepara suas próximas lutas; como Mario
(Santiago), que é uma espécie de Netzahualcóyotl com a imaginação de
Pantagruel, e como Bruno Montané, que é a serenidade em pessoa, não vão me
decepcionar no que penso ter viva nossa poesia”, escreve Bolaño.
“Acredito numa coisa: embora agora
o panorama geral da nova poesia latino-americana seja cinquenta por cento
clandestino, em pouco tempo será cem por cento. Em tempos de crise, o poeta sai
pelas estradas. Desta imersão obrigatória em novos mundos renasce a poesia, a
verdadeira poesia, ou tudo vai para o inferno”, disse o autor de Estrela
distante.
Como fica bem claro no conto “O
insuportável gaúcho”, que dá título a uma compilação que foi publicada
postumamente, Bolaño era adorador de Jorge Luis Borges, a quem considerava um
deus ou O Deus da literatura em espanhol.
Era também um verdadeiro filho do
grande poeta chileno Nicanor Parra, que conheceu em 1998 durante uma visita que
fez ao “antipoeta” nonagenário à sua casa em Las Cruces.
“Só tenho certeza de uma coisa em
relação à poesia de Nicanor Parra neste novo século: ela sobreviverá. Isso, é
claro, significa muito pouco e Parra é o primeiro a saber. No entanto,
sobreviverá, junto com a poesia de Borges, Vallejo, Cernuda e alguns outros.
Mas isso, é preciso dizer, não importa muito”, escreveu Bolaño para o catálogo
da exposição de Parra em Madrid em 2001.
Borges, Parra, Orlando Guillén, certamente
Mario Santiago, mesmo Ernesto Cardenal e Juan Ramón Jiménez são motivações
poéticas que permeiam seu livro Os cães românticos. A poesia como um
sonho indescritível dá sentido ao Três. Por fim, toda a sua poesia está
concentrada em A universidade desconhecida, livro publicado em 2007.
São os vestígios de uma obra
poética que não deve ser ignorada, longe de ser insignificante. Para os
acadêmicos, resta o estudo da intertextualidade e a troca incestuosa de gêneros
na obra de Bolaño. Para nós, os poemas, todos escritos com aquela pena
incendiária que muitas vezes nos faz chorar, mas outras vezes, como esperado,
nos incita a rir alto.
“Às vezes sonho que Mario Santiago
/ Vem me buscar com sua motocicleta preta / E deixamos a cidade para trás e à
medida / Que as luzes vão desaparecendo / Mario Santiago me diz que se trata / De
uma motocicleta roubada, a última motocicleta / Roubada para viajar para as pobres
terras”. (Fragmento de “O burro”, poema de Os cães românticos).
* Este
texto é a tradução de “La poesía de Bolaño, algo más que un gesto inconcluso”,
publicado aqui, em El Universal.
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